Saturday, 27 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

‘Exigência de data centers no Brasil seria inútil e prejudicaria usuário’

O diretor de políticas públicas da Google Brasil, Marcel Leonardi, afirmou nesta quinta-feira que a exigência do governo brasileiro de que dados de internautas daqui passem a ser armazenados no país é inútil e colocaria o Brasil no fim da lista de prioridades da empresa. A medida deve ser incluída no projeto do Marco Civil da Internet, que tramita em caráter de urgência na Câmara dos Deputados e precisa ser votado até o dia 28, caso contrário travará a pauta da Casa.

– Localização de data center não define jurisdição. O que define jurisdição é a nacionalidade da empresa que controla os dados. Isso significa que, na prática, tal exigência legal não altera em nada o cenário, porque a empresa controladora dos dados, a Google Inc., continua sendo americana e, portanto, sujeita à legislação americana, fornecendo dados às autoridades de lá de acordo com a legislação dos Estados Unidos. A localização dos dados (no Brasil) não faria diferença nenhuma do ponto de vista de jurisdição – disse Leonardi depois de painel sobre o Marco Civil da Internet na feira Futurecom, que acontece até está quinta-feira no Rio.

Embora o Marco Civil esteja sendo discutido há alguns anos, o governo federal resolveu pressionar pela inclusão da exigência de data centers locais depois da revelação, poucos meses atrás, de que a Agência de Segurança Nacional americana (NSA, na sigla em inglês) espionou empresas brasileiras e a própria presidente Dilma Rousseff. Leonardi classificou o movimento de “medida draconiana surgida aos 48 minutos do segundo tempo, decidida no calor das emoções”. Segundo ele, embora a Google tenha informado ao governo brasileiro sobre a ineficácia da exigência, as autoridades seguirão em frente com a ideia por questões políticas.

– O que a gente ouviu de vários setores é que todo mundo (do governo) já entendeu isso, mas eles vão insistir no projeto porque trata-se de uma resposta política ao governo americano – disse Leonardi, que também é professor de Direito da FGV-SP. – Existe a visão de que forçar o armazenamento vai resolver legalmente o problema, mas não vai. Estão querendo dar uma resposta política a um problema que é técnico.

Em vez de data centers, companhia defende reforma de tratado de cooperação

As autoridades brasileiras argumentam que os data centers precisam estar no Brasil porque empresas como a Google não colaboram com a Justiça local, entregando dados a tribunais em investigações, com o argumento de que as informações estão sujeitas à legislação americana. Na visão do diretor da Google Brasil, o problema está em um acordo diplomático de colaboração entre os governos, não na postura das empresas. Trata-se do MLAT (Mutual Legal Assistance Treaty), que o Congresso brasileiro referendou em 2001. Por meio dele, a Justiça brasileira pode pedir à Justiça americana documentos que estejam sob sua jurisdição, e vice-versa:

– O mecanismo todo existe, mas as autoridades não concordam com ele, reclamam que o MLAT demora de seis meses a um ano para entregar a informação, no que elas estão corretas. Existe uma pressão muito grande sobre as empresas, mas as amarras estão nesses procedimentos diplomáticos que são uma questão entre Estados – reclamou. – A reposta é reformar o MLAT, não obrigar o ecossistema de internet a armazenar dados no Brasil achando que isso vai resolver alguma coisa. Precisamos criar um MLAT para o século 21, que funcione em uma semana, por exemplo.

Leonardi disse que a Google apoia globalmente uma reforma do MLAT e que tanto o governo americano como o brasileiro reconhecem as falhas. De acordo com o advogado, especulações dão conta de que o Marco Civil incluirá também mecanismo obrigando empresas que tenham filiais brasileiras a ignorar o MLAT e colaborar diretamente com a Justiça local.

– Eu tenho dúvidas se isso vale. Como o MLAT iria continuar funcionando para todos os outros setores e não para empresas de internet? – comentou.

‘Fim da lista de prioridades’

Marcel Leonardi argumentou que, caso o Marco Civil inclua mesmo a exigência de data centers locais, “o prejuízo não será das empresas, mas dos usuários”. Na visão dele, a medida criaria uma barreira à expansão de start-ups brasileiras e à entrada de novas companhias no país, devido aos custos para construção e manutenção dos centro de armazenamento de dados. Com isso, continuou o advogado, vários serviços inovadores de internet deixariam de ser lançados no mercado local:

– A dificuldade de engenharia seria tão grande para ter certeza de que você replicou esses dados e toda a infraestrutura que, para a oferta de novos produtos e serviços, o Brasil entraria no fim da lista de prioridades de lançamentos da Google e algumas funcionalidades sequer seriam lançadas.

Além disso, pontuou o advogado, a exigência criaria um problema de segurança inédito – justamente o que o governo tenta evitar com a medida –, pois os data centers brasileiros seriam os únicos a concentrar as informações dos cidadãos de um país.

– Criaria-se um alvo certo para ataque. A Google fraciona os dados ao redor do mundo para que o usuário tenha acesso a eles a qualquer momento. Se você criar datas centers concentrando todos os dados dos brasileiros, estaria criando um alvo fácil para ataque por parte de quem tem interesse nesses dados, pois teriam a certeza de que todas as informações estariam ali – disse.

Direção da Google na Califórnia está ‘preocupada com a situação sem precedente’

O diretor da companhia contou que, “por causa de sua gravidade”, o caso brasileiro está sendo discutido pelo mais alto escalão da Google na sede em Mountain View, Califórnia. Isso porque nenhum outro país havia exigido algo semelhante até então.

– Na Coreia do Sul exige-se que dados do sistema de saúde do governo fiquem armazenados no sistema do governo Mas, algo nessa escala (que o Brasil está propondo) é sem precedentes. Isso chegou no topo da companhia e todo mundo está preocupado com a situação.

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Rennan Setti, do Globo