Sunday, 05 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1286

‘Se há uma coisa que busco no jovem de hoje é a curiosidade’

Aos 49 anos, o presidente do Google Brasil, Fabio Coelho, está longe de ser um geek, termo usado para definir pessoas aficionadas por tecnologia. Não que não goste, muito pelo contrário. Foi neste mundo digital que ele se encontrou profissionalmente. É que seu perfil é muito mais de gestor. Com formação acadêmica em engenharia civil, na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), foi, aos poucos, fazendo uma transição para as áreas administrativas e de marketing de grandes empresas, como Gillette e PepsiCo. Tudo isso o levou ao mercado da tecnologia nos Estados Unidos na última década, onde, também, fez um MBA de Administração em Harvard. E foi essa mistura do perfil de gestor com o conhecimento em internet que o levou à presidência do Google.

Casado com uma colombiana, que conheceu pela segunda vez em que morou nos EUA, Fabio é pai de três meninas – uma do primeiro casamento dele, outra da antiga união dela e a terceira, dos dois. Ele diz que seu maior desafio na carreira foi ter que reestruturar – e demitir pessoas – numa das empresas que comandou. Entre as vitórias, ressalta o posicionamento que conquistou com a marca Gatorade no market share de refrigerantes e, é claro, os resultados da Google que, sob seu comando, cresce, em média, 64% ao ano.

Aprendeu a palavra dedicação com o pai, um nordestino pobre, como ele mesmo define, que mais tarde veio a ser engenheiro e empresário. E da mãe, que acolhia parentes para estudar na capital, o significado de servir ao outro.

– Meu pai vai fazer 82 anos. Ele se aposentou há 20 e a empresa dele acabou de fazer 20 anos. É exemplo de como é importante se renovar – diz Fabio.

Nos favoritos do seu laptop, notícias, LinkedIn, Twitter, YouTube (seu preferido) e o GooglePlus. Confira uma pouco mais do perfil do homem que comanda a maior gigante da tecnologia no Brasil.

No início de sua carreira, o senhor trabalhou na Gillette e na PepsiCo., em áreas fora da tecnologia: qual a ligação entre elas e como o senhor foi parar no Google?

Fabio Coelho – Sou um sujeito de Vitória (ES) que foi estudar engenharia civil e fazer estágio no Rio. Minhas referências eram todas da engenharia. O que eu gostava mesmo era de entregar projetos, gerenciar recursos, pessoas e levar aquele grupo a algum lugar. E, com essa proposta, acabei me encontrando em administração, com foco em marketing. Foi a primeira migração da engenharia para a área de negócios. Mas, para obter uma visão completa, fui trabalhar na área comercial da Gillette, onde fiquei cinco anos. Depois, mais vários anos na Quaker, onde tive o prazer de lançar o “Gatorade” no Brasil. E fiquei nesse modelo de marketing de produtos de consumo, que é um modelo legal, até 1997, quando fui chamado para trabalhar num outro tipo de marketing, o de serviços. Na última década, trabalhei muito tempo entre telecom e internet, tanto nos EUA, quanto no Brasil. Essa oportunidade me levou a participar da fase em que o americano passou a se conectar muito mais. Os negócios cresceram bem e, quando voltei ao Brasil, foi quase uma continuidade deste trabalho. Entre 2001 e 2004, trabalhei na IAB (Interactive Advertising Bureau), o que me abriu portas para trabalhar no Google. Em 2009, cheguei de novo no Brasil, e há quatro anos estou trabalhando neste solo digital brasileiro. E estou muito feliz no Google com isso.

Que realizações profissionais lhe marcaram mais? Dentro e fora do Google?

F.C. – Foi muito bacana ajudar a lançar o “Gatorade” no Brasil, montar uma estrutura de distribuição, montar uma posição de marca e, durante cinco anos, chegar a ter 1,5% a 2% do market share do mercado de refrigerantes. Quando entrei na Quaker, nós éramos sete profissionais e, ao sair, mais de 300 nesta área de bebidas. Consegui fazer o negócio crescer. No Google, nos últimos cinco anos, houve um crescimento, em média, de 64% ao ano. Ajudar a montar uma organização, contratar pessoas, fazer com que isso cresça, mais do que triplicar o faturamento dessa organização é motivo de orgulho. Ainda dentro do Google, outro projeto que acho muito bacana é o YouTube/edu, uma parceria com a Fundação Lemann, com oito mil aulas em vídeo disponíveis. Só no primeiro fim de semana, para se ter uma ideia, foram 22 mil alunos cadastrados. É acesso à informação.

E experiências ruins, quais foram?

F.C. – Tive uma dificuldade que me marcou bastante. Em 2001, assumi a presidência de um negócio de lista telefônicas no Brasil, chamada “Listel”, que estava em rápido declínio. O que me chamou muito a atenção naquele momento foi como é difícil fazer uma gestão em que se tem que olhar para a sobrevivência da empresa, entrar num segmento que está encolhendo, ter que olhar para os fundamentos financeiros e ter que desligar pessoas. Refazer uma companhia é um processo bastante complicado.

Em várias pesquisas, o Google aparece como um dos melhores lugares para se trabalhar, e é uma empresa com muitos jovens. Quem tem vez no seu time?

F.C. – O que esta geração tem de mais legal é a disposição para se aprofundar, cada vez mais. Se há uma coisa que busco nesse profissional jovem, é essa curiosidade, esta vontade de aprender, que leva as pessoas, com acesso, a conquistar coisas extraordinárias.

Como o senhor vê o processo da digitalização no Brasil? De todos os produtos do Google, qual o senhor destacaria como um marco na história?

F.C. – Acho que o principal desafio é democratizar o acesso através de conectividade. O Brasil, por exemplo, tem 102 milhões de pessoas conectadas e outras 100 milhões de pessoas que não estão conectadas. O Brasil, e acho que o Google tem um papel nisso aí, deve ajudar este consumidor conectado, através das suas plataformas de tecnologia. Antes, aquela transmissão de conteúdos audiovisuais era unilateral e linear, através da televisão, mas, hoje em dia, é complementado por um consumo de conteúdo audiovisual, que lhe é bidirecional, gerado pelo usuário final, e que acontece a qualquer hora, a qualquer momento. E isso provocou esta explosão de conteúdo. O YouTube tem esta característica fantástica e, por isso, é um dos meus favoritos do Google.

Se por um lado a internet abriu muitas portas, por outro trouxe questões à tona, como a superexposição, a grande tráfego de informações e remoção de conteúdo e até questões diplomáticas. A internet ainda é um terreno um pouco novo para a sociedade. Como o senhor vê esses desafios?

F.C. – O Google valoriza a questão da privacidade e da liberdade de informação. Até por isso, temos uma política muito clara de remoção de conteúdo. Sobre a espionagem dos Estados Unidos, a gente não tem nada a ver com isso. Aquilo lá é uma coisa de governos e que deve ser tratado entre governos, como está sendo tratado. Agora, estas discussões são todas saudáveis, porque no fundo, como é um assunto novo, a sociedade tem que estar envolvida e, para isso, a gente espera que seja aprovado em breve o marco civil da internet que está na iminência de ser votado. A gente vê com bons olhos a votação do marco civil e a questão de a sociedade poder discutir e entender melhor o assunto. E, ao entender melhor, decidir o que serve e o que não serve. Outro desafio se refere às empresas, que elas venham a se beneficiar destas plataformas digitais de uma maneira ainda maior. Acho que temos um desafio que é fazer com que estas coisas funcionem não apenas para negócios, mas para que a gente tenha um impacto econômico e social maior.

Algum projeto especial para o futuro?

F.C. – Quero passar pelo menos um mês ou um mês e meio viajando com cada uma das minhas três filhas. Só eu e elas. Tenho uma de 16, uma de 15 e outra de 7. Espero poder tirar um tempo para que a gente tenha este tempo de qualidade entre pai e filha, para que a gente possa se lembrar daqui um tempo deste momento em família. E, profissionalmente, ainda quero contribuir muito com o Google e com a comunicação digital no Brasil.