Tuesday, 30 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Duas ou três coisas sobre o jornal

‘Um novo olhar sobre o mundo. Um novo olhar sobre o Brasil.’ Esta, ao menos, é a proposta lançada pela edição brasileira em papel do Le Monde Diplomatique. Seu diretor, Silvio Caccia Bava, esteve em novembro em Porto Alegre para o lançamento do jornal. Na ocasião também estava presente o presidente do Conselho Deliberativo do Instituto Paulo Freire, Moacir Gadotti.


Aqui cabe uma explicação inicial: a edição impressa é uma publicação mensal do Instituto Polis, enquanto a versão via internet é do Instituto Paulo Freire. Ambos os institutos com um só objetivo: mostrar uma outra versão dos fatos nacionais e internacionais, mais crítica e o mais possível isenta.


A meta, a médio e longo prazos, é formar uma consciência crítica entre os leitores do Diplô Brasil. Seus leitores, em especial os estudantes universitários, ganham uma outra forma de análise dos acontecimentos, garante Gadotti. Ele adianta que mais de 11 mil artigos são acessados na internet, diariamente.


Gadotti afirma ainda que o Diplô faz parte de uma rede mundial de publicações que buscam um mundo diferente do mundo atual. A versão internet e a versão impressa em português caminham juntas, no Brasil, buscando proporcionar uma visão crítica dos fatos.


Para ele, hoje em dia a guerra ideológica se dá basicamente no campo da mídia. ‘Os espaços estão fechados para a mídia alternativa, que busca romper este bloqueio da grande mídia monopolista. Assim, o Diplô se enquadra em um projeto jornalístico e educativo que representa uma alternativa à grande mídia capitalista’, acrescentou.


A grande mídia e os fatos mundiais


Para Caccia Bava, a cooperação entre o Le Monde Diplomatique e o Fórum Social Mundial (FSM) nasceu já na primeira edição do evento, em Porto Alegre, em janeiro de 2001. Havia então, como ainda hoje em dia, a constatação de que as mudanças no cenário mundial não eram refletidas na grande mídia brasileira. Bava insiste que muitos fatos importantes na política da América Latina permanecem invisíveis na grande mídia nacional. Citou como um exemplo, entre outros, o plebiscito na Costa Rica sobre o tratado de livre comércio entre aquele país e os Estados Unidos. A grande mídia ignorou o assunto.


Desta forma, a publicação agora lançada – já em seu quarto número, novembro de 2007 – é uma tentativa de trazer ao debate público no Brasil essas informações invisíveis e ocultadas pela grande mídia, como a guerra contra a privatização da água na Bolívia, há alguns anos. Para o diretor do Diplô Brasil, é possível tornar visível um mundo em conflito, tornando também visíveis os atores de baixo, os ignorados pela grande mídia, e não apenas os big bosses mundiais. Seu jornal, garantiu ele, é importante porque seria a melhor análise sobre o cenário internacional.


Como as pautas são escolhidas


O Le Monde Diplomatique dispõe de uma intranet. É através desta via eletrônica interna que as matérias internacionais são avaliadas e escolhidas pelas várias edições internacionais. Agora, está surgindo uma intranet latino-americana para afinar e aprimorar a edição das versões do Diplô no Brasil e demais países da AL.


Bava revela que o risco financeiro da publicação brasileira recai inteiramente sobre o Instituto Polis. O próprio diretor da redação central em Paris, Ignácio Ramonet, foi bem claro nos contatos iniciais para o lançamento da edição impressa no Brasil: o jornal francês não dá nenhum apoio financeiro às diversas edições internacionais.


Mas Ramonet tem uma exigência básica: as edições internacionais do Monde Diplomatique devem ter 60% de matérias da edição francesa, e 40% de matérias locais. É desta forma que se pode compreender o lema da edição brasileira: ‘Um novo olhar sobre o mundo; um novo olhar sobre o Brasil’.


O jornal foi lançado, em 1954, como uma publicação mensal de informação e de opinião. No início, era um suplemento do Le Monde, destinado aos círculos diplomáticos e às grandes organizações internacionais.


Em 2006, a edição francesa foi de 300 mil exemplares a cada mês. Sua direção é compartilhada entre os jornalistas da redação e uma associação de amigos do jornal, que detêm entre eles 49% do capital do Diplô. Este fato permite uma independência editorial do Diplô em face do grupo do Le Monde.


As divergências internas na redação de Paris


A equipe da redação é pequena: são apenas nove jornalistas, que escrevem uma reduzida parte dos artigos. A maioria dos artigos procede de intelectuais de diversos países, em especial acadêmicos franceses e norte-americanos, e também espanhóis, mexicanos e indianos. Alguns escritores também colaboram com freqüência.


As edições internacionais do Diplô aparecem em 25 idiomas (até mesmo em esperanto), por meio de 60 edições, somando uma tiragem total de 1 milhão e 900 mil exemplares a cada mês, além de 31 edições eletrônicas via internet.


O jornal deixa de lado os fatos do dia-a-dia. Seria mais uma revista mensal, de documentação, investigação e de opinião. Com o final da Guerra Fria, o Diplô se aproximou dos movimentos antiglobalização neoliberal.


Como é de se esperar, o jornal atravessou inúmeras polêmicas. Alguns intelectuais franceses acusam a redação do Diplô, e Ramonet em particular, de laços de amizade com os presidentes Hugo Chávez e Fidel Castro, o que levaria a análises comprometidas sobre os acontecimentos na Venezuela e em Cuba. A propósito dessas acusações, Ramonet condena o ‘anticastrismo primário’ e lembra que seu jornal já denunciou a falta de liberdades em Cuba, ‘mas que está longe de ser o `gulag´ anunciado’.


As polêmicas internas também prosseguem, a propósito de temas como o laicismo na França, a posição de Ramonet sobre Cuba, e divergências sobre o tratamento editorial dispensado à guerra civil na Colômbia. Diante de tudo isso, caso Ramonet decida não lutar por um novo mandato de diretor da publicação, então o jornalista Bruno Lombard ocupará o seu lugar, enquanto Alain Gresh será o novo redator-chefe no lugar de Maurice Lemoine. Agora é esperar para conferir.

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Jornalista, integrante da Comissão de Ética do Sindicato dos Jornalistas do Rio Grande do Sul