Monday, 06 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1286

Buscando a si mesmo no Google

Quantas pessoas no mundo não resistem à tentação de pesquisar o próprio nome no Google? Seja por vaidade, curiosidade ou tempo de sobra, muita gente sucumbe à tentação de ver o resultado de uma busca de seus próprios nomes no maior motor de buscas da web. Pessoas públicas naturalmente têm uma presença maior nos resultados, mas as pessoas privadas também deixam rastros na rede. E o Google vai atrás de qualquer informação que de alguma forma esteja ligada a um pesquisador em qualquer momento do tempo. Os resultados podem ser surpreendentes. Estranhas e improváveis associações podem ocorrer.

O Independent, da Inglaterra (13/3), publicou o bizarro caso da empresária Beverly Stayart, que passou cinco anos a pesquisar o próprio nome no Google. A norte-americana gostaria de ser reconhecida na web por seu “gosto em poesia ou sua autoconfessada paixão pelo meio ambiente”, segundo o periódico londrino. Ou por seus trabalhos em “genealogia e seu mestrado na Universidade de Chicago”, de acordo com o Business Insider (7/3). Mas, infelizmente para a senhora Stayart, os algoritmos do Google aleatoriamente (?) juntaram seu nome ao de dois medicamentos para disfunção erétil (impotência) em seus resultados de buscas, “incluindo Cialis e o Levitra”, publicou o jornal.

Toda vez que a senhora Stayart pesquisava seu nome, o resultado aparecia associado às medicações para impotência. Como em “bev stayart levitra”. Desde 2008 Beverly vem litigando na justiça americana sem sucesso. Ela tentou provar que a associação é deletéria à sua integridade. E que poderia estar sendo usada para fins comerciais. Acreditou que seu nome foi sujo e usado indevidamente, e resolveu apelar à justiça.

Disposição de luta

Em 2009, ainda segundo o Independent, ela teve um caso contra o Yahoo rejeitado pela justiça. Ela apelou, apenas para receber em 2010 outra recusa: o juiz sentenciou que o nome da senhora Stayart “não era um interesse comercial a ser protegido”. O Google havia apresentado sugestões envolvendo o nome dela e as medicações para impotência em outras buscas e ela acreditou que poderia ganhar alguma coisa com isso. Perdeu outra vez em 2011. Ninguém pode provar que o Google havia feito propaganda ou obtido algum ganho com seu nome e sua estranha associação com as drogas. O caso foi encerrado graças a seus “méritos gerais”. No início de março de 2013 ela perdeu em outra corte uma ação de apropriação indevida de seu nome na caixa de buscas do Google. Stayart tornou-se motivo de piada na mídia americana e inglesa.

Muitos norte-americanos têm o hábito de resolver todos os litígios e desavenças através de ações judiciais. É um hábito desonesto que visa a ganhar dinheiro de forma fácil e sem trabalho. Não creio ter sido assim com Beverly Stayart. Mas concordo com o Independent quando ele disse que ela deveria, cinco anos atrás, ter procurado um especialista em otimização de buscas (SEO), e não um advogado, para resolver seu problema sobre a associação embaraçosa nas buscas do Google. “Ela seria orientada a repetir e ampliar suas buscas, a pôr mais coisas online”, explicou o periódico. Assim, os resultados que a embaraçavam seriam empurrados para baixo na ordem cronológica de suas buscas. Eventualmente desapareceriam.

Segundo o jornal inglês, “a falha de Stayart em apreciar a natureza caótica da informação online e sua inabilidade em livrar-se de umas poucas associações aleatórias em 2008 é uma lição para nós todos”. Stayart ignorou um dos procedimentos básicos no trato com situações e fatos embaraçosos envolvendo internautas na web: ignorar eles todos. A tendência é que desapareçam. Lute e mostre disposição de luta contra eles e a coisa só vai piorar e aumentar de tamanho, avisou Rhodri Marsden, autor do artigo.

Rio caudaloso de informação

Nunca subestimar o poder do caos de informações da web, é a lição que fica do estranho caso da Beverly Stayart. Saber reconhecer a força caótica dos fluxos informacionais da web, entretanto, pode não ser o bastante: precisamos aprender a usar esta força bruta em nosso favor contra a saturação informacional que nos rodeia. No caso das associações que o Google eventualmente faz, o melhor modo de afastá-las é saturar a plataforma com pesquisas e mais pesquisas. Assim, qualquer perturbação ou embaraço que eventualmente tenha surgido será classificado em ordem cronológica e afastado da tela principal de resultados das pesquisas mais rapidamente.

Mas a coisa é um pouco mais complexa do que as explicações do Independent. O homem do século 21 é uma criatura que já se acomodou à saturação por informações. Brian Solis, analista do grupo Altimeter, publicou no ano passado (15/5/2012) um artigo intitulado “A falácia da sobrecarga de informação“ onde ele diz que:

“Os sintomas da sobrecarga por informações são apenas um reflexos de nossa inabilidade ou falta de vontade de trazer ordem ao nosso caos. Nós somos os engenheiros das barragens de mídia que impedem as inundações. O desafio reside na compreensão de que nós temos o poder de organizar nossos fluxos sociais e relacionamentos.”

Se nós estamos no controle das informações, conforme pensa o autor, somente nós podemos estabelecer limites para a saturação informacional. “E tudo começa com aceitação. A insistência pessoal de viver num ambiente sobrecarregado de informação”, ensina Solis. Em outras palavras, gostamos de viver num mundo assoberbado de informação. Um rio caudaloso de informação passou a fazer parte da ecologia urbana cotidiana, e a coisa foi naturalizada pela população.

Refém da informação

Solis alerta para outro “lado negro na questão”. Vivemos numa sociedade que precisa estar sempre atualizada, e num ambiente assim há a necessidade de estar sempre conectado, explica o autor. Gostamos de saber que somos “relevantes”, que somos populares. Há muito de vaidade nisso. Queremos saber o que dizem de nós, das nossas escolhas, dos nossos amigos e com quem eles estão conectados.

Não sei se Beverly Stayart sucumbiu à vaidade, mas ela sem dúvida acabou refém da torrente informacional que faz parte da vida do homem moderno. Nunca percebeu que podemos (e devemos) controlar o fluxo de informacional que nos cerca e terminou por acreditar que estava a perder alguma coisa. Perdeu apenas tempo, expôs-se ao ridículo e acabou por transformar-se em motivo de risos na web. Afinal, o que se pode esperar de alguém que pesquisa o próprio nome por cinco anos na web persistindo em acreditar que deveria receber compensação do Google por uma simples associação aleatória de palavras?

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Sergio da Motta e Albuquerque é mestre em Planejamento urbano, consultor e tradutor