Wednesday, 01 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Estônia vira modelo de país movido a tecnologia

A pequena Estônia, um dos menores países da Europa, pode servir de modelo de como seria um país completamente movido pela tecnologia no século 21. A Estônia, que tem uma população de apenas 1,29 milhão de habitantes, é famosa por ter um número desproporcional de novas empresas de tecnologia – foi lá, por exemplo, que nasceu o Skype. Mas seu vínculo com a tecnologia vai muito além de empresários de 20 e poucos anos desenvolvendo aplicativos para iPhones; ela está inserida na própria estrutura do Estado.

E isso começa no topo. O presidente, Toomas Hendrik Ilves, eleito em 2006, é um defensor apaixonado da tecnologia. Ele aprendeu a programar aos 13 anos e é provavelmente o único chefe de Estado que já escreveu código usando o programa Assembler em um microcomputador PDP-8. As reuniões ministeriais do país têm sido realizadas eletronicamente desde 2000. E, desde 2005, os cidadãos podem votar pela internet. Na eleição parlamentar de 2011, 24,3% dos eleitores optar por votar dessa forma. O software utilizado foi recentemente publicado no site GitHub como um programa de código aberto para que possa ser usado por outros países.

As declarações de imposto de renda são feitas eletronicamente desde 2000, boletins e outras informações escolares são divulgados online desde 2002; os registros de imóveis são feitos na Web, sem cópia em papel, desde 2005; os históricos da saúde e vigilância sanitária, desde 2008; e as receitas médicas, desde 2010. Você pode até registrar o seu filho recém-nascido eletronicamente. Tudo isso permite que a Estônia empregue apenas 1,9% de sua população como funcionários públicos (comparado com 3,8% na França e 3,8% no Chipre).

Driblar o Big Brother

Levando-se em consideração as revelações feitas pelo ex-consultor da Agência de Segurança Nacional do governo americano Edward Snowden, sobre o escopo dos programas de vigilância dos Estados Unidos e outros países, é de surpreender o nível de confiança que a população tem no governo online da Estônia. “Aqui na Estônia, as pessoas se queixam de que o Estado é muito pequeno, minimalista, o que realmente é. Mas por outro lado, as pessoas devem ficar tranquilas por não termos esse tipo de aparato [de espionagem]”, diz Ilves.

No coração da revolução tecnológica da Estônia está o cartão inteligente de identidade fornecido pelo Estado. O cartão abre as portas a todos os serviços eletrônicos do governo, que permitem a todos os cidadãos da Estônia enviar e receber e-mails criptografados. O governo fornece a infraestrutura para o sistema, mas a autenticação ocorre de maneira independente.

Embora o sistema não esteja autorizado a lidar com informação confidencial, Ilves admite que já o usou no exterior. “Se mando algo para a nossa embaixada em Moscou, uma coisa corriqueira, como ‘Venha a minha casa’”, diz ele, “eu criptografo para que o FSB [o serviço de inteligência russo] tenha alguma coisa para fazer.” “Fico surpreso quando ouço as pessoas dizendo ‘nós nunca teríamos um carteira de identidade porque a consideramos como um Big Brother’. Eu diria o contrário. Utilizar o sistema que temos é uma forma de driblar o Big Brother.”

“Eu não sou um cidadão dos EUA”

Mas como um país que foi anexado à União Soviética em 1940 consegue ter um nível tão alto de confiança em seu próprio governo, a ponto de seus cidadãos aceitarem com entusiasmo o governo eletrônico e estarem dispostos a compartilhar seus dados? Para Ilves, não foi muito difícil conseguir que os estonianos aderissem à tecnologia. “O elemento crucial aqui é a psicologia [de um país] que foi oprimido. A pessoa [está mais aberta] a se livrar de tudo o que tinha antes e está muito mais disposta a adotar uma tecnologia nova. Pouca gente na Estônia via qualquer valor em manter as tradições do sistema soviético.”

E há níveis muito elevados de prestação de contas. Qualquer pessoa que acesse o sistema deixa um registro, algo que pode ser monitorado pelos cidadãos. “Tivemos um caso em que houve alguém que abusou, era uma policial vigiando o namorado dela.”

Ilves espera que a liderança da Estônia em tecnologia seja seguida por outros países na Europa. Ele lidera o grupo de orientação sobre computação em nuvem criado pela Comissão Europeia e está fazendo campanha pela criação de uma “nuvem” europeia que esteja fora do alcance dos EUA. “A questão principal é que esteja resguardada pela legislação da UE. O problema agora é que todas essas empresas que são bastante usadas, Google, Amazon, os outros provedores de nuvem, estão sujeitas à lei dos EUA. O presidente Barack Obama disse que, se você é um cidadão dos EUA, não tem nada com que se preocupar. Bem, eu não sou um cidadão dos EUA.”

Pior desempenho econômico em 2012

Ele também espera convencer outros países a adotar um programa de “embaixada virtual”, com o qual os governos poderiam armazenar dados nacionais em servidores fora do seu próprio país. “Começamos a pensar nisso depois [do desastre] de Fukushima, quando todos os tipos de dados foram perdidos. Se o epicentro de um terremoto é o lugar onde você mantém todas as informações do governo, isso acarretará um monte de problemas. Países como a Estônia teriam dados armazenados em algum outro país. Nosso registro de imóveis poderia ser guardado em um servidor, por exemplo, na França, que, por sua vez, faria o mesmo [com outro país].”

Há o risco de chegar a conclusões falsas. A pequena população da Estônia e a falta de um legado de sistemas lhe dá uma agilidade que os grandes governos não podem equiparar. A pergunta óbvia, porém, é: se a Estônia foi tão bem-sucedida na sua adoção da tecnologia, por que o mesmo não aconteceu em outros países bálticos, como a Lituânia e a Letônia, cuja história está tão ligada à dela?

E embora a Estônia certamente se destaque como um líder global em sua adoção da tecnologia, isso não tem se traduzido em sucesso econômico. De acordo com dados da União Europeia, o país está entre os dois com o pior desempenho econômico em 2012. Seu PIB per capita foi de apenas 68% da média dos membros da UE. O país também está às voltas com um problema migratório, tendo perdido cerca de 5% de sua população desde 2004.

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Ben Rooney, do Wall Street Journal