Monday, 02 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1316

‘Pedi demissão quando vi que ganharia a vida jogando games’

Eduardo Faria, de 33 anos, nunca imaginou que um dia ganharia a vida narrando de forma criativa jogos em vídeos na internet. Menos ainda que teria uma legião de fãs, muitos deles crianças, que passariam horas assistindo seus conteúdos. Apesar da paixão pelosgames ter começado desde pequeno, como acontece com a maioria dos garotos, foi só aos 29 que o hobby realmente virou profissão. Hoje, seu canal de YouTube Venon Extreme é o que possui o maior número de inscritos no grupo dos gamers do Brasil, mais de 4 milhões.

 

 

A fórmula de seus vídeos é simples: ele mostra um game da internet, dá dicas e interage com muita simpática com o público. “E pensar que na minha infância eu precisava comprar revistas especializadas para saber “macetes” sobre os jogos de videogame. Quando criança, cheguei a ligar para um telefone de apoio da Nintendo para saber como passar de uma fase do jogo. E hoje, se você tiver uma dúvida, dá um google e pronto”, explica.

Foi justamente dando “um google” para saber dicas sobre o jogo Minecraft -um game online que permite a criação de objetos e cenários- que descobriu o trabalho dos youtubers de game. “O primeiro brasileiro que conheci foi o brksEdu, ele foi o pioneiro. Encontrei um vídeo dele e achei muito interessante, senti que ele interagia muito, era como se fosse um amigo”, explica Eduardo que anos depois o conheceu em uma feira de games e hoje são grandes parceiros.

Hoje, no Brasil, calcula-se que há milhares de canais dedicados a canais sobre games. Alguns dos mais populares são: Vilhena Gamer, Malena0202, Rezende Evil, zangad o e celbit . Já internacionalmente, o líder é o sueco Feliz Kjellberg, mais conhecido como PewDiePie, que possui mais de 35 milhões de inscritos.

Há 4 anos, quando resolveu criar o seu canal, o número desses canais era menor e Eduardo trabalhava como programador de CNC em Portugal. Naquela época, tinha tempo para postar apenas um vídeo por semana, mas percebeu que estava na direção correta ao ver o número de visualizações do seu canal se multiplicar na tela do computador.

“Logo decidi monetizar meus vídeos no Youtube. Testei por 15 dias e ganhei o dobro do meu salário de programador”, explica o youtuber que não comenta os valores reais que ganha devido a uma cláusula do contrato com uma network.

Eduardo continuou monetizando os vídeos e, quando chegou ao fim do mês, não teve dúvidas sobre a eficácia do seu conteúdo online: conseguiu ganhar quatro vezes o valor do seu salário de programador. “Pedi demissão do trabalho. Eu precisava de mais tempo, de publicar mais vídeos por semana. Meus amigos acharam que eu tinha endoidado. Parecia uma loucura tomar aquela atitude em meio à crise econômica. Mesmo assim, decidi arriscar, foi o melhor que fiz”, conta.

A partir daí, o número de posts no canal foi subindo assim como o valor da sua conta bancária. A nova vida o permitiu voltar ao Brasil dois anos depois. “Acredito que o meu diferencial foi a espontaneidade no vídeo. Quando estou jogando me coloco lá dentro, como se estivesse vivendo aquele jogo, acho que as pessoas gostam disso”, comenta.

Sem garantia de sucesso

O youtuber alerta, no entanto, que o caminho traçado por ele não é garantia de sucesso. “Hoje em dia todo mundo quer viver disso, claro que alguns podem conseguir. Alguns não vão para frente.O primeiro passo é investir em um microfone bom, mas a concorrência aumentou muito e pode ser que esses canais fiquem defasados no futuro”, conta.

Eduardo está certo que as crianças que antes assistiam às TV Globinho durante as manhãs estão migrando em massa para canais do Youtube. Porém, dada a velocidade das mudanças tecnológicas, não descarta a possibilidade de que em breve outro meio conquistará esse vasto público.

“Agora é o ‘boom’ dos ‘youtubers”

“Agora é o boom dos youtubers. Pode ser que daqui a pouco passe, então preciso aproveitar ao máximo e me dedicar a esse trabalho”, explica, pragmática e com a pele impecável, Nina Santina, 21, dona de um canal de maquiagem no YouTube, o Niina Secrets, que ultrapassou a marca de mais de um milhão de seguidores.

Para continuar faturando  —a participação dela em grandes campanhas, propagandas em vídeos, posts no Instagram e presença em evento podem lhe render 60.000 reais—, ela decidiu adiar os planos de fazer uma universidade, mas seguiu investindo em formação. Já fez cursos de fotografia, maquiagem, desenho de moda, foi morar em Nova York. “Minha irmã, Fabi Santini, que também tem um canal (Cire moda), faz faculdade e acaba perdendo oportunidades de viagens e de trabalhos fora”, conta em entrevista ao EL PAÍS.

A relação de Nina com a maquiagem não podia ser mais comum. Corretivos, bases e iluminadores entraram em sua vida como aliados para combater as várias espinhas que pipocavam no seu rosto de adolescente. Aos 15 anos, após assistir horas de vídeos sobre tendências de beleza e tutoriais de maquiagem, ela resolveu criar um canal no YouTube para compartilhar suas dicas sobre pós e penteados. Preferiu não contar para ninguém, mas não demorou muito em ser descoberta.

De lá para cá, o modelo de negócio para ganhar dinheiro na internet evoluiu. Quando ela fala do boom dos youtubers está falando de uma plataforma que só cresce em termos de atração de verba publicitária. Segundo dados do Interactive Advertising Bureau ( IAB Brasil), marcas e negócios devem investir quase um bilhão de reais em 2015 para anunciar na plataforma vídeo, contra 811 milhões de reais em 2014.

Não é para menos. Se antes as novidades de moda e beleza, que possui um mercado fortíssimo e que não para de crescer no Brasil, vinham majoritariamente de revistas e programas de TV especializados, agora as porta-vozes do setor são as youtubersinfluentes. No país, a lista dessas gurus de beleza não para de crescer. Nomes como Julia Petit, Alice Salazar, Camila Coelho, Karen Bachini e Bruna Tavares já são bastante conhecidos pelas amantes de maquiagem, mas muitos outros tem conquistado espaço nas redes. Justamente por isso, os fabricantes de cosméticos e roupas convidam essas consumidoras influentes para lançamentos e apostam em parcerias para divulgar produtos pela internet.

“Comecei a fazer propagandas durante os meus vídeos quando as marcas me presenteavam com produtos, eram parcerias. Depois, resolvi apostar nos posts e vídeos pagos, afinal ninguém paga as contas com produtos, certo?”, explica a youtuber que já trabalhou com várias marcas como C&A, O Boticário, Gucci e MAC. Atualmente, a participação dela em grandes campanhas –propagandas em vídeos, posts no Instagram e presença em evento – pode custar 60.000 reais.

No último ano, a demanda das marcas foi tão grande que ela passou a ganhar mais com essa forma de publicidade que com a gerada pelos anúncios inseridos pelo YouTube no início dos seus vídeos. Nina também possui outros projetos paralelos, como uma linha de maquiagem e pensa na criação de uma marca de roupa.

Do Google ao Snapchat

Apesar de hoje seu hobby ter virado um negócio lucrativo, quando começou, a youtuber não fazia ideia que os vídeos lhe pudessem render tanto dinheiro. Ela só descobriu o potencial do seu canal quando recebeu uma carta do Google com um convite para uma parceria: eles queriam monetizar os seus vídeos através da inserção de publicidade. A youtuber conta que para retirar o dinheiro era necessário conseguir juntar no mínimo 100 dólares mas, como os anunciantes pagavam cerca de 50 centavos (menos de dois reais) por cada mil visualizações nas publicidades, o retorno demorou no início, mas ela não tinha pressa. “Naquela época, não tinha contas para pagar, o que viesse era lucro”, explica.

Meses mais tarde, acabou aceitando a parceria com a network (empresa especializada em agenciar youtubers) Stylehall, uma empresa que agencia e orienta produtores de conteúdo voltados para o universo da moda e beleza, que pagava um valor maior pela visualização de anúncios. A parceria dura até hoje e, por contrato, ela não pode contar quanto ganha, comenta apenas que esse valor não é fixo e depende de que tipo de propaganda é acoplada a seus vídeos e da época do ano.

Nina pretende seguir com seus vídeos por muito tempo. Sabe, no entanto que essa fama dos youtubers pode diminuir bastante quando, por exemplo, uma nova rede social vire a queridinha da vez. “Eu espero estar nessa nova tendência. Temos sempre que migrar. Agora mesmo a moda é o Snapchat e eu já estou lá”, conta. Para ela, o sucesso de um canal, como o dela, não está atrelado ao meio que é transmitido e nem tanto ao conteúdo, o mais importante é a personalidade e o carisma do produtor de conteúdo.

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Heloísa Mendonça, do El País