Sunday, 28 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Por uma internet rica e libertária

O Observatório do Direito à Comunicação conversou com Marcelo Branco sobre internet, mídias sociais e política. Geek desde os anos 1980, ele é um dos principais militantes de software livre do país. Como conta, está na internet antes mesmo dela nascer, mexendo com tecnologia da informação há 30 anos. É membro do conselho científico do programa internacional de estudos superiores em software livre na Universidade Aberta de Catalunha, foi coordenador do projeto Software Livre Brasil e diretor do Campus Party Brasil por três anos. Mais recentemente, foi coordenador de mídias sociais na campanha da candidata eleita Dilma Rousseff, do PT.


Ativista pela liberdade do conhecimento, como se define, Marcelo é a favor de uma internet rica e libertária, e acredita que, mais do que um novo meio de comunicação, ela está mudando a forma dos humanos se relacionarem, inclusive politicamente, o que pressiona Estado e setores da sociedade a tomarem novos valores como transparência, participação, fim de hierarquia, liberdade de expressão e colaboração.


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Militância na internet: se trata de furar bloqueio da mídia?


Acho que algumas vezes militância na internet pode furar bloqueio da mídia, mas vai além do embate. A mídia de massas muitas vezes na visão de jornalistas se expressa dessa forma, como espaço de contrapor a mídia e grupos de comunicação. Serve para isso também, mas o objetivo é muito mais amplo.


A internet transformou formas de relacionamento e organização que surgiram na era industrial, e isso se manifesta nos veículos de massa – eles são espaços tecnológicos da era industrial, de período anterior.


Internet trouxe inovação na forma de se relacionar. É um novo espaço de disputa, não é mais um meio de comunicação de massa, diferente do período anterior é uma nova forma de fazer as coisas. A esquerda tem tido dificuldades para utilizar esse meio pela falta de compreensão do novo período, mais do que a própria direita. Quem não modificar a forma como faz as coisas, pensar de forma analógica no período digital…


Militância na rede pode furar bloqueio da mídia e pauta mídia de massa, que foi o que aconteceu na minha vida agora [nas eleições presidenciais]. Acho que é nova forma de organização dos movimentos, nova possibilidade de organização dos movimentos que a humanidade não tinha experimentado.


A comunidade software livre, está na origem da internet, a comunidade que deu origem a essa rede. Os criadores da internet obviamente, por terem criado a tecnologia, experimentaram essa nova forma de relacionamento onde a colaboração é valor mais importante que competição. Nas sociedades em rede, a proteção do direito à propriedade intelectual, segredo industrial são valores ultrapassados. Os conceitos agora são abertura, inovação… Mas isso não significa que conceitos novos sejam conceitos da esquerda.


A esquerda e os movimentos populares sofrem a mesma dificuldade de se reposicionar nesse novo cenário, mais do que capitalismo e corporações, porque também são organizações da era industrial.


Os movimentos sociais estão fazendo isso, aprendendo a mexer com internet. Para o militante, serve para organizar atividades, mobilização, é diferente de como era no período anterior. O espaço agora é horizontal, não tem hierarquia na a forma de organizar.


As organizações do passado, partido sindicato, tem conselho, executiva, presidente, e essa estrutura hierárquica. No caso da nova forma de se associar na rede, esses valores não são importantes, eles atrapalham. Isso de centralizar a partir do voto não serva na internet. Lá, é adesão espontânea, vai ter adesão de milhares. É ato voluntário, mas jamais na internet existe centralismo. A adesão a uma ação vai depender da capacidade de sedução da ação. Essa tem sido a dinâmica.


A comunidade software livre foi a primeira comunidade. Ela apontou as formas de relacionamento que estão indo pros demais setores. Hoje no capitalismo há trabalhos colaborativos, as grandes corporações perseguem isso, não é só da esquerda. A economia precisa se abrir, se adaptar aos novos valores da era da sociedade de rede. E os movimentos sociais acho que também.


Acho que deixei muito comprido. Mas resumindo, internet não é espaço só pra combater a mídia. As empresas de comunicação tão indo mais rápido de compartilhar do que os partidos de esquerda. ‘Suba as fotos, você que está na esquina, suba a foto, mande um vídeo do youtube’. Quantos sindicatos quantas organizações populares fazem isso? Esse novo espaço, de fazer as coisas diferentes: abertura, transparência como obter mais adesão possível às suas propostas?


O capitalismo usa os novos atributos da rede pra vender. No caso desse espaços de colaboração, não necessariamente é espaço onde a esquerda está familiarizada, pois obedeceu historicamente a estruturas rígidas hierárquicas.


Em relação a comunicação, o que muda na comunicação? É só um aspecto, no caso, veio pra mudar. A primeira fase da internet, que é 1.0, era a dos grandes portais, e está sendo substituída. A era dos portais transmitia conteúdos de vídeo, de textos e de áudio, de voz através de matérias jornalísticas no mesmo espaço. Então com bons ou maus conteúdos, era aquele o espaço de transmissão de conteúdo.


A 2.0 ou colaborativa essa sim, dos últimos cinco anos, que os usuários se apropriaram dela, passou a ser internet que muda a natureza da comunicação. A internet é espaço de colaboração. E é a primeira vez que a matriz de uso do público é a mesma do jornalista e do editor.


Rádio, TV, seja do movimento popular, partido ou Folha de S.Paulo, você não podia responder, pois a matriz de mídia do público e do editor era diferenciada. É uma grande mudança que acontece, pela primeira vez na história da humanidade, a matriz do público é a mesma matriz do jornalista. Não existem mais diferenças de potencial tecnológico entre editor e público.


Isso possibilitou dinâmica de relação horizontal. No passado as maiores audiências eram da BBC de Londres, e nos EUA o The New York Times pois tinham bons conteúdos. E isso mudou hoje: os espaços na internet de maior audiência são onde o público interage, que hoje são os de maior conteúdo. O público internauta não vai dar audiência apenas ao local onde tem mais conteúdo, mas onde pode proporcionar conteúdo.


A natureza da comunicação na internet é diferente da natureza anterior, onde um gupo de comunicação, um sindicato, construíam conteúdos e coloca para ser consumido pelo público, que é a forma histórica de fazer.


Comunicação de rede é diferente da comunicação de massa. Tudo isso é mudança muito forte dos valores da internet. A internet verdadeira é essa dos últimos anos.


As mudanças que estamos enfrentando na humanidade é uma mudança de paradigma. Todo intermediário vive uma crise. A internet veio pra questionar o papel do intermediário.


O que fazia a indústria fonográfica. Ela tinha o artista que cria a música, a banda que grava a música, era necessário passar por processo industrial, prensar vinil e CD, depois logística cara, para chegar às lojas e ao consumidor. A internet nos final dos anos 90 arrebentou esse tipo de negócio. Público podia chegar no artista sem passar pela distribuição. Observou-se que o papel do intermediário exige novo modelo, isso se aplica a todos os demais setores da sociedade.


No jornalismo isso ta acontecendo. Ele intermediava o fato. Tinha acidente de automóvel na esquina, passava pelo editor, publicava isso no veículo, e o veículo fazia isso chegar ao grande público. Agora, o povo que viu o acidente sobe o conteúdo pra internet. Pela primeira vez humanidade tem capacidade de comunicação global.


Resumindo a ópera a comunicação em rede na época das redes é diferente da comunicação feita na era das comunicações de massa. Exige participação do público, horizontalidade entre público e editor e isso vai proporcionar audiência.


Politicamente, como a internet muda a mente dos brasileiros?


Os brasileiros já vem fazendo política nesses novos paradigmas da internet há alguns anos acho que quem não tinha experimentado eram os políticos dos partidos, os estados. O entanto existem novos movimentos sócias que trabalham na rede há mais tempo.


Nesta eleição a grande novidade foi que pela primeira vez, políticos ou política tradicional, eleitores, políticos que estão nos estados passaram a convive r com essa nova forma de relacionamento. Massiva, do encontro dos políticos tradicionais do mundo. Pela primeira vez a política tradicional faz o encontro com novas formas de relacionamentos. Mas já tinha indivíduo e grupos que fizerem política na rede. Quem não fazia eram os partidos, por não conhecerem.


Resumindo: o que mudou no Brasil foi mudança na legislação anterior. Diferente das eleições anteriores que consideravam a internet mais um meio de comunicação de massas, eles regulavam a rede de forma rígida. Assim como regula propaganda na TV e no rádio, a legislação mudou e graças a dois vetos do presidente Lula a internet passou a ser lugar de participação mais livre.


Ela passou a ser pros legisladores, espaço de expressão individual. Não só os candidatos, mas qualquer pessoa poderia se manifestar. Vivemos um dos momentos mais ricos da democracia brasileira dos últimos anos. Milhões de pessoas se posicionaram em relação ao processo político utilizando ferramentas multimídias, subindo vídeos, sejam caseiros, elaborados, fazendo cobertura jornalística… Demos prioridade à colaboração de conteúdo na campanha da Dilma. Neste ano nessas eleições que passaram, pela primeira vez cidadão políticos apoiadores passaram a ser protagonistas dos conteúdos em relação à disputa eleitoral.


Apenas no rádio e TV, apoiadores da candidatura não podiam contribuir com conteúdo, não tinha papel protagonista. Aquilo que a campanha falaria. Quem deu os rumos das mais diversas candidaturas foram os eleitores na rede.


Passamos na campanha da Dilma a deixar sua própria opinião a respeito do que vinha acontecendo no processo eleitoral. Sua própria particularidade de texto. A eleição no Brasil devolveu ao militante protagonismo do processo político. Coisa que não acontecia há muito tempo.


Internet é espaço incontrolável. Não tem como dizer ‘só pode falar isso sobre a Dilma’. Isso não acontece. Nós estimulamos a descentralização, militantes se manifestaram de forma massiva, milhares de blogueiros e militantes tiveram protagonismo.


Falei sobre política em entrevista ao Antonio Martins do Le Monde Brasil. Tem dois anos esse artigos. Confira o aúdio.


Democracia


A internet qualificou a democracia. Não só em relação à disputa dos projetos, mas também democratizou a possibilidade do militante influir na campanha do seu próprio candidato. Não é só democracia entre projetos. Também internamente nas campanhas, democratizou a construção de conteúdos, e isso deu poder ao internauta, que não tinha em relação com seu candidato. Então é claro que democratizou do ponto de vista da democracia – milhões de pessoas se pronunciando, Isso não acontecia antes, para a democracia isso é fantástico. Os internautas colocaram suas opiniões. Foram e filmaram os comícios. Então, acho que isso fez acontecer o processo democrático, se deu no Brasil e também nos EUA.


Obama fez o uso internet mais primitiva. O Obama falando com os eleitores. Esse foi o forte da campanha dele, no Brasil não aconteceu da mesma forma. Os próprios eleitores falando, ‘oi Dilma!’, isso não se deu desta maneira.


É incontrolável do ponto de vista da liberdade de expressão, não há como enquadrar ou centralizar, e isto é rico. Pois nenhum individuo pode ser controlado. No seu Orkut, no seu Facebook, ou no seu blog. Enquanto tivermos liberdade na internet, ela é incontrolável do ponto de vista positivo que isso possa significar.


Mas há riscos – ela está sob ameaça. Com o fim da neutralidade da rede, pois hoje a gente goza de neutralidade, e isso é um conceito de origem. Os criadores da web defendem a manutenção da neutralidade da rede, conceito raiz da internet: ninguém pode controlar fluxo das comunicações.


Por exemplo, falar qual a velocidade de vídeo, de mp3, se for fulano, se ele paga menos, vai ser diferente do que de alguém que paga mais. A operadora pode oferecer mais banda, mas não pode controlar o fluxo da banda que contratou. O fim da neutralidade, é que ela possa ser controlada por questões econômicas ou políticas. A neutralidade é básica, é ameaça do senador Azeredo. Senado aprovou ano retrasado projeto de lei que o presidente Lula na semana passada, pela 2ª vez se manifesta contra a lei [PL 84/99]. Pra garantir liberdade de expressão é preciso garantir liberdade na rede. Em vários lugares onde a liberdade de expressão ta ameaçada, internautas conseguem furar controle e censura porque internet é livre.


A internet é democrática?


É a mídia mais democrática que existe no mundo. Não tem plataforma democrática com essa possibilidade. Grande praça publica, ágora, onde todos, tendo conectividade, podem se manifestar. A barreira está na conectividade, a banda. Essa é a barreira. Então é claro que é democrática, não há nenhum espaço onde esses canais podem se expressar.


[Nesse cenário], o papel do Estado, relação do Estado, precisa mudar. Não tem sentido a sociedade se comunicar de uma forma pra organizar festa, pra manifestação, e quando a sociedade se relaciona com a Estado é daquela forma burocrática. Acho que o Estado vai ficar mais 2.0. depois dessas eleições.


Jovens


Sobre o ponto de vista, da geração Y, dos direitos civis, liberdade de expressão, eles tem em média conceitos resolvidos, superiores a gerações anteriores. Liberdade de expressão: sindicato, partido político, feminismo, essas coisas nos ensinava valores. A média da sociedade não tinha isso como direito, mas hoje qualquer jovem dos 9 aos 15 anos, tem claro esses valores. Eles são contra censura, controle. A nova geração pós internet tem construído direitos civis sobre o direito de se expressão superior à minha geração.


No entanto, é óbvio. Como a esquerda tá custando a compreender os outros valores politizados, a forma de relacionamentos da internet, dá para dizer que nos outros aspectos os jovens não assimilaram os valores do passado. Valores como reforma agrária, socialismo.. Isso pode ser construído.


Quem defende esses conceitos, continuar dizendo [palavras de ordem como] ‘todos à luta’, não vai funcionar. A forma de se comunicar com esses jovens precisa ser alterada pelos interlocutores que tem idéias, do meu ponto de vista, positivas, propostas que fazem a sociedade avançar. Dá para dizer que o nativo digital é nativo na defesa da liberdade de expressão e contra a censura. Não aprendeu isso na cartilha da esquerda.


E o que achou da expressão dos jovens nessas eleições?


É óbvio nessa campanha da Dilma tive oportundade de ver militantes do Serra, apoiadores, milhares de pessoas na rede se posicionando contra a Dilma com visão homofóbica, machista, preconceituosa, racista. Discriminatória. Isso foi a coisa que mais me deixou preocupado e indignado. Até agora pós eleições ainda faço a varredura diária, e é puro preconceito. Que ela é feia, sapatona, guerrilheira, a guerra religiosa… Eu acho que a campanha do Serra ajudou a dar visibilidade a visões racistas, xenofóbicas. Em relação a valores da sociedade, que remetem aos anos 60, mas ao mesmo tempo há jovens progressistas, os valores conservadores estão em disputa. As redes socais e a internet não é espaço da direita ou da esquerda.


A internet permite novos relacionamentos, onde novas disputas vão se combater. E há espaço para aparecer uma juventude fascistinha. Um dia depois que a Dilma ganha fazem campanha contra nordestinos. Depois teve a campanha contra direito de livre expressão dos homossexuais. Coisas inadmissíveis na sociedade moderna. Temos que travar dura batalha na rede contra esse tipo de atitude conservadora. Combater isso de forma política na rede, e em alguns casos utilizando o aparato judicial. Preconceito racial é crime no Brasil.


Socialismo e internet


Tenho formação de esquerda socialista histórica. A Internet como forma de funcionamento está mais perto dos valores do anarquismo do que do socialismo, pois há a própria forma descentralizada autônoma.


É claro que a visão histórica socialista pode se beneficiar com a Internet. Há um campo positivo pra ser construído e refundado sob os novos valores. Agora não dá pra esquecer o que eu lhe falei anteriormente: o próprio socialismo, e os partidos de esquerda socialista, são frutos de organizações de origem industrial. Foram fortes porque existiam em cima dessas ideias, desse mundo operário. Para os ideias socialistas terem força na rede, a prática dos militantes têm que se modificar. E passar a construir seus valores de forma dogmática, não pode.


Ninguém vai seguir uma ideia. E ao não seguir, então acho que a internet é boa possibilidade dos ideais socialistas se refundarem. Com novas ideias progressistas, avançadas que surgirá com Internet, e que esquerda não dominava. A esquerda até pouco tempo defendia as patentes, e ainda há pessoas que as defendem.


Militante do PC – vamos falar de liberdade da propriedade do conhecimento. Se ele falasse isto há 15 anos trás, íamos agora falar que queremos socializar os meios de produção, e democratizar movimento, e isso não é o que a esquerda que defendeu. A esquerda pra ter êxito na internet, precisa aprender bastante; e, principalmente, com jovens que talvez não entendam tanto de socialismo, mas sabem se comunicar nas redes sociais, e assim a construção coletiva pode superar a esquerda tradicional.