Sunday, 28 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Referendo, o day after

Se grande parte dos jornalistas favorecia o ‘sim’ e escondia – como constatou o Ouvidor da Folha de S.Paulo, Marcelo Beraba – a vitória do ‘não’ pode ser entendida como uma vitória da eqüidistância?


A adesão assumida do Globo, da Folha e, menos ostensiva, da Rede Globo à causa do desarmamento não impediu a vitória esmagadora da idéia contrária. Significa, então, que a grande imprensa finalmente conseguiu separar a sua opinião das informações que veicula?


Veja sugere o contrário ao engajar-se sem qualquer pudor na causa do ‘não’. E Veja não é apenas um entre os quatro semanários brasileiros de informação. É o mais antigo, de maior circulação, penetração e também um dos maiores do Ocidente.


Em matéria de equilíbrio jornalístico, este referendo deu mais ou menos – nem sim, nem não. De qualquer forma, avançou-se muito com esta consulta popular. E não foi nenhuma brincadeira, como sugere a última edição da mesma Veja. [Leia aqui os comentários feitos no programa radiofônico deste OI, no dia seguinte à votação.]


A sociedade brasileira levou o referendo a sério. Cerca de 100 milhões eleitores recusaram as facilidades para abster-se e foram acionar a maquininha de votar. Os representados perceberam a oportunidade para mostrar, aos omissos representantes em Brasília, que têm opinião, exigências e, sobretudo, estão cansados das procrastinações do Legislativo.


Referendos ou plebiscitos constituem também esplêndidas oportunidades para a imprensa. Funcionam como grandes pautas, obrigam os jornalistas a mergulhar periodicamente em questões específicas. Referendos provocam a participação, produzem dúvidas, escolhas. Ajudam a pensar. Principalmente em sistemas políticos como o nosso em que os programas partidários são vagos, neutralizados por chavões. E quando o eleitor é convocado para fazer escolhas converte-se por necessidade num atento leitor (ouvinte ou telespectador).


Hora de fazer jornalismo


As consultas populares na Califórnia abriram caminho para a vitória de Arnold Schwartzeneger, mas no próximo dia 8/11 podem abrir caminho para a sua derrubada. O instituto do recall (a consulta sobre desempenho de governantes nos intervalos de eleições) pode evitar o estelionato eleitoral e desestimular os demagogos. Por isso, foi incluído no programa do PSOL (cuja fundação resultou exatamente de uma frustração com os eleitos em 2002).


Referendos e plebiscitos são utilíssimos à democracia, sobretudo no sistema presidencialista com mandatos rígidos, sem a possibilidade da dissolução dos parlamentos e convocação de novas eleições. Quanto mais se consulta uma sociedade mais informações ela pede e, em seguida, mais exigências manifesta. A Era da Informação deve ser também a Era dos Referendos [leia aqui o artigo ‘Sinal vital’, Último Segundo, 21/10/05] .


Para os jornalistas, a vitória do ‘não’ no domingo [23/10] deve significar que a questão do comércio de armas não acabou. Ao contrário: agora é que a imprensa deve mostrar a sua capacidade de servir o interesse público passando a vigiar o rigoroso cumprimento do Estatuto do Desarmamento. As armas são apenas uma parte do problema da violência e do crime. Organizado ou não.


Agora é que a imprensa precisa exibir seu poder de cobrança. E não apenas dos governadores (como sugere marotamente o presidente da Câmara, Aldo Rebelo), mas de todas as autoridades, em todos os níveis, nos três poderes.


O referendo mostrou que está na hora de esquecer as celebridades e de deixar os intelectuais elaborando os seus pensamentos. Esta é a hora de ir para rua fazer jornalismo.


No domingo, a sociedade mandou uma mensagem. Cabe à imprensa traduzi-la em evidências.