Sunday, 28 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Voto eletrônico ainda em julgamento

Daniel Sieberg, da Computer Connection, seção de informática da CNN americana, escreveu artigo em 5 de novembro sobre a controvérsia em torno da urna eletrônica nas eleições americanas – ou melhor, das urnas eletrônicas: ao contrário do que ocorre no Brasil, nos Estados Unidos as unidades federadas têm autonomia política e administrativa, inclusive na questão eleitoral, e usaram modelos diferentes da máquina.

Daniel escreve que a ausência de contestação do resultado da eleição de 2004 não encerrou a polêmica sobre o voto eletrônico, usado por um terço dos eleitores americanos. Os críticos ressaltam como pontos negativos a falta do voto impresso (apenas o estado de Nevada ofereceu a impressão do voto), a fraqueza do software e os mesmos desastres digitais que ocorrem com os computadores. Nisso, EUA e Brasil caminham juntos. Especialistas brasileiros vêm há anos reivindicando mais transparência no voto eletrônico [ver remissão abaixo], especialmente com emissão de uma cópia impressa do voto, para que o eleitor possa confirmar sua escolha, e a auditagem do software, que pode ser alvo de fraude.

Como as máquinas se comportaram?

Em resumo, é muito cedo para saber com certeza, diz Daniel, que começa seu balanço pela visão positiva de um especialista do Caltech/MIT Voting Technology Project (http://www.vote.caltech.edu/Reports/VotingMachines3.pdf – atenção, arquivo pesado), grupo acadêmico criado depois das eleições de 2000 para avaliar a novidade, para quem, no fim das contas, o desempenho da máquina foi além das expectativas. ‘Não recebemos nenhum relatório sobre falhas sistemáticas grandes; o voto eletrônico parece ter a mesma espécie de pequenos problemas que encontramos nos sistemas baseados no voto em cédula’, diz R. Michael Alvarez, professor de Ciência Política do California Institute of Technology. ‘Dei nota B ao voto eletrônico, assim como ao voto em cédula’. Alvarez atribui muitos dos problemas em 2004 ao erro humano, tanto dos eleitores quanto dos mesários.

37 mil queixas

‘Os problemas que surgiram são especialmente de processamento, de procedimento’, avalia. ‘Houve longas filas, dificuldades de verificação do registro dos eleitores, coisas que serão resolvidas pela tecnologia.’

Mas Bruce Schneier, especialista em segurança e chefe de tecnologia na empresa Counterpane Internet Security, interpreta que a ausência de um colapso sério não significa que não haja problemas escondidos nas máquinas. Ele está preocupado com a falhas que não são óbvias. ‘O voto eletrônico não passou por teste algum’, diz Schneier. ‘O que temos aqui é a típica prova de anedota: um procedimento médico pode ser seguro ou perigoso, e só porque o paciente não morreu não se pode afirmar que o procedimento é seguro’. Schneier espera que os cientistas da computação e os analistas de segurança continuem a examinar de perto as máquinas.

Vigilantes do voto eletrônico como a Verified Voting Foundation (www.verifiedvoting.org/) publicou 37 mil queixas em seu site. Daniel explica que foi impossível verificá-las todas, mas investigou alguns incidentes.

** Na Flórida, e num punhado de estados, muitos eleitores disseram que as máquinas touch-screen [que funcionam pelo toque dos dedos na tela, e não nas teclas, como vemos no Brasil em caixas eletrônicos de banco e computadores de shoppings] registraram incorretamente seu voto. ‘Fiquei chocada quando a última tela mostrou meu voto como tendo sido dado justamente no candidato oposto ao que eu havia escolhido’, disse uma mulher na Flórida. O fabricante das máquinas, Sequoia Voting Systems Inc., disse que os técnicos podem não tê-las calibrado apropriadamente.

** Na Louisiana, eleitores desistiram de votar porque a máquina não dava boot (não reiniciava).

** Em New Orleans, as máquinas simplesmente travaram’, diz Schneier. ‘Não funcionaram. E não havia um sistema alternativo, não havia cédulas’.

Daniel acha que as reclamações foram poucas considerando que cerca de 40 milhões de eleitores votaram eletronicamente.

Segurança no futuro

Um fabricante de urnas eletrônicas, a Diebold Election Systems Inc. (velha conhecida dos leitores do OI pelos artigos do professor da UnB Pedro Antonio Dourado de Rezende [ver remissão abaixo]), afirma que a máquina se saiu bem sob pressão. ‘Extremamente bem’, festeja Mark Radke, diretor de marketing da Diebold. ‘Considerando a votação recorde, ficamos encantados com a credibilidade e a precisão do equipamento’.

Mas a confiança no voto eletrônico ainda vai demandar tempo, acredita o autor. ‘Fala-se no retorno ao voto de papel, mas em 2000 usávamos a cédula e isso não ajudou muito’, diz o juiz Charles Burton. ‘Estava na fila esperando para receber o cartão de plástico que devemos inserir na máquina para votar, e uma senhora me disse: ‘Juiz, tem certeza de que isso não é previamente programado?’ Quer dizer, o povo ainda tem dúvidas.’

Lei de 2002 estabelece que os distritos em todo o país eliminem até 2006 tecnologias antigas, como os cartões de perfuração. Os dois lados do debate concordam em que há méritos no voto eletrônico, como o uso da máquina sem assistência, a facilidade de escolha no voto e a tabulação mais rápida. Mas com tanta coisa em risco, diz Daniel, as decisões tomadas hoje devem ser cuidadosamente pesadas, como, bem, na cédula.

A eleição presidencial de 2004 é passado, diz Daniel. ‘Tratemos agora de dar segurança ao futuro do voto eletrônico.’