Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Para ler e para ver

Magnum faz 70 anos

Magnum quer dizer grande, em latim. Foi essa palavra escolhida por um grupo de jovens fotógrafos consagrados (e muito convencidos) para ser o nome da agência que criaram em 1947. A ideia foi de Robert Capa. Henri Cartier-Bresson, David Chim Seymour, William Vandivert e George Rodger toparam. Eles estavam na crista da onda, tinham saído da maior guerra de todos os tempos como os melhores do mundo.

Não iriam mais ser empregados, nem pagariam comissão a ninguém. Não fariam mais pautas que não gostassem, só as que considerassem legais. E, quando quisessem fazer um projeto pessoal, a agência garantiria o dinheiro para sua realização. O nome tem uma segunda explicação: adoravam champanhe, tanto que compravam garrafas maiores, chamadas “magnum”. Nunca mais teriam que encanar com o preço.

O sonho era tão mirabolante que, ao ser convidado, um dos fundadores, Rodger, topou, achando que era uma piada. Desde então, praticamente todos os maiores repórteres fotográficos do mundo passaram por ela. Ou vão passar pela cooperativa.

Comunista, Robert Capa mantinha um regime de centralismo democrático: até morrer, em 1954, os novos sócios eram convidados por ele. Depois, essa indicação passou a ser votada pelos sócios. No primeiro momento, o novato é contratado; depois, se a relação dá certo, vira membro. Se tudo continua às mil maravilhas, pode chegar a sócio, para o resto da vida ou enquanto quiser. O brasileiro Sebastião Salgado, por exemplo, ficou na agência 15 anos e saiu para montar o próprio escritório. É raro.

Nessa trajetória de 70 anos e 92 fotógrafos (hoje são 49 sócios), todas as histórias mais importantes foram cobertas por gente da agência. Quem quiser conferir, o site oficial está comemorando o aniversário com várias reportagens especiais, atuais e passadas, um site dedicado a homenagens, vendas de fotos e livros desse período, inclusive primeiras edições de livros e fotos assinadas. E estão acontecendo diversas mostras em vários lugares do mundo.

Uma empresa desse tipo vive tanto de fotos quentes quanto do arquivo. O site reflete esse equilíbrio entre fotos do passado e recentes, sempre estupendas. É isso que faz com que mesmo os sócios que não fotografam mais ou nem estão entre nós sigam expondo e vendendo suas obras, rodando o caixa da empresa.

No início de maio, a página da Magnum tinha coberturas quentes da eleição presidencial francesa ao lado de uma cobertura quente da aposentadoria do príncipe Philip, da Inglaterra, toda composta de fotos produzidas ao longo das muitas décadas de seu papel de consorte da rainha Elizabeth.

Mas nem tudo é festa nos 70 anos. O futuro da Magnum é incerto como o de todas as empresas de comunicação. Afinal, uma parte da equação que paga o sonho de Capa depende da saúde dos patrões: a imprensa precisa comprar as coberturas que a agência faz. E, com a crise, as encomendas diminuíram.

Por isso, a empresa tem debatido o que será da fotografia, dos fotógrafos e dos seus arquivos. Em Londres, no fim de abril, aconteceu um encontro entre dois fotógrafos da agência para discutir que trabalho se pode fazer hoje em um mundo onde se publicam menos grandes reportagens como aquelas com que a a empresa estava acostumada. Os depoimentos foram interessantes e reveladores: o francês Jérôme Sessini contou que hoje se dedica a uma espécie de pós-jornalismo.

Em 2014, Sessini fez uma cobertura tradicional dos conflitos de rua na Ucrânia, entre nacionalistas ucranianos e russos étnicos: foi, passou uns dias, fotografou muito e voltou para casa. Depois, como fazem os profissionais da Magnum, avisou a agência que tinha um projeto pessoal, iria morar uns meses no interior da Ucrânia para acompanhar a vida da população civil após a fase mais aguda dos conflitos.

Na palestra, apresentou imagens das duas coberturas, inteiramente diferentes. Para ele, a superação da crise da imprensa está em um jornalismo mais profundo, mais para os longos ensaios do que a publicação de reportagens efêmeras. Afinal, é isso que pode distinguir o grande profissional do amador que estava passando pela Crimeia com seu smartphone.

Outro sócio da Magnum, o alemão Thomas Dworzak, contou como começou a cobrir fatos quentes navegando no Instagram e outras redes sociais. Tudo começou quando cobria a Olimpíada na Rússia e quis saber como o nacionalismo russo encarava a figura do líder Putin.

Depois, acompanhou o que publicam os americanos encantados com Trump, ou os que defendem o porte de arma, e assim por diante. A partir de um fato quente, busca na web as fotos que pessoas postam inspiradas por ele. Foi assim que retratou a estranha atração que adolescentes americanas tinham pelo jovem checheno que explodiu as bombas na Maratona de Boston.

Hoje, faz verdadeiros retratos psicossociais ao selecionar (ou “curar”, para usar a palavra da moda) grandes memes publicados por pessoas comuns. Depois, faz um livro de uns poucos exemplares, que documentam o material. Ele não os vende.

Em junho, um outro evento vai debater o futuro dos arquivos fotográficos em um mundo que parece cada vez mais devorar quantidades de imagens sem qualidade.

A imprensa pode estar passando mal, mas, a julgar pela intensidade de sua comemoração, a Magnum ainda vai poder abrir muitos champanhes de tamanho gigante.


Aniversário em boa companhia

Principais eventos comemorativos:

Nova York – Exposição Magnum Manifesto, de 26 de maio a 2 de setembro, no International Centre of Photography (ICP). Um livro com o mesmo nome foi lançado em 25 de maio.

Londres – Magnum Photos Now, ciclo de palestras mensais organizadas em parceria com o centro cultural Barbican.

Paris – Exposição Magnum: Analogue Recovery, com uma seleção de fotos do arquivo de 70 anos da agência, no Le Bal.

– Magnum Photos Now, ciclo de palestras mensais realizadas no cinema MK2. Inclui a exibição de dois documentários sobre os 70 anos da agência, em 30/5 e 3/6.

São Paulo  –  Exposição Henri Cartier-Bresson, retrospectiva de sua obra. Galeria do Sesi-SP (Av. Paulista, 1313), até 25/6.

Confira aqui outros eventos no mundo todo.


Pós-verdade se torna a palavra síntese de nosso tempo

Pós-verdade: vocábulo feminino. Diz-se daquilo que se relaciona com ou denota circunstâncias em que fatos objetivos são menos influentes na formação da opinião pública do que apelos à emoção e crença pessoal: Nesta era da política pós-verdade, é fácil escolher dados e chegar a qualquer conclusão que você deseje; Alguns comentaristas observaram que estamos vivendo em uma era da pós-verdade.

A palavra composta ainda não entrou nos dicionários brasileiros, mas já caracteriza a prática política tupiniquim tanto quanto a americana, onde se tornou a expressão mais discutida depois de uma campanha eleitoral intensa, em que o candidato vencedor foi acusado de praticar a política da pós-verdade (substantivo feminino) todo o tempo. Não é o caso aqui de discutir se pós-verdadeiro funciona melhor como adjetivo. O anglicismo já pegou.

A expressão foi cunhada há mais tempo, mas foi o ensaísta e palestrante americano Ralph Keyes que deu a ela notoriedade a partir de um livro de 2004 chamado The Post-Truth Era: Dishonesty and Deception in Contemporary Life (A Era da Pós-Verdade: Desonestidade e Engano na Vida Contemporânea, em tradução livre). Desde o lançamento do livro, a decadência da imprensa e a crescente influência das mídias sociais tornou fácil reconhecer a utilidade da expressão.

Em 2016, a revista The Economist publicou uma manchete sobre a campanha eleitoral nos EUA que dizia: A política da pós-verdade. A arte da mentira. O início do texto era duríssimo com Donald Trump: Considere até que ponto Donald Trump está afastado dos fatos. Ele habita um mundo fantástico onde a certidão de nascimento de Barack Obama foi falsificada, o presidente fundou o Estado Islâmico (ISIS), os Clintons são assassinos e o pai de um rival estava com Lee Harvey Oswald antes de ele atirar em John F. Kennedy. Foram todos fatos pós-verdade disparados pelo então candidato republicano durante a campanha.

Foi certamente uma decisão política que levou o Dicionário Oxford a elegê-la a palavra do ano de 2016 (em 2013 foi Selfie). Desde então Ralph Keyes tem dado ainda mais palestras e entrevistas. Ele é um escritor prolífico, autor de diversos livros de não ficção sobre assuntos variados. O maior best-seller foi Existe Vida Depois do Segundo Grau?, adaptado para um musical na Broadway. Há dois livros sobre como o jeito de falar dos britânicos revela sua dissimulação e um, bastante útil para quem navega na internet em tempos de pós-verdade, se chama The Quote Verifier (O Checador de Citações, em tradução livre), que explora as frases de terceiros mencionadas em discursos, seus autores verdadeiros e o sentido original do que eles disseram.

Depois da posse de Trump, um outro termo se firmou: pós-fato ou pós-factual. Também no Oxford, lê-se: ‘Relacionado com ou que denota circunstâncias em que fatos objetivos são menos influentes na formação da opinião pública do que apelos à emoção e crença pessoal’: ‘Nós temos mais dados e fatos disponíveis hoje do que nunca antes e ainda assim nós entramos em uma era pós-fato’; ‘É moda culpar a internet por contribuir para a sociedade pós-factual’.

Entre os dois há uma diferença sutil, mas ambos falam do mesmo tempo atual de redução da influência do jornalismo (que realiza uma seleção e hierarquia da multiplicidade dos fatos): pós-verdade refere-se à divulgação de fatos que desprezam a verdade; pós-fato refere-se ao desprezo pelos fatos, verdadeiros ou falsos, em benefício da divulgação de opiniões e convicções de indivíduos ou grupos.

O pós-fato é o tema do livro True Enough (2011) (Verdade Suficiente, em tradução livre), do badalado colunista Farhad Manjoo, que se tornou conhecido como colunista nas revistas online Salon.com e Slate, passou pelo Wall Street Journal e hoje está no New York Times, sempre escrevendo sobre tecnologias, jornalismo online, política na era digital e suas consequências no nosso cotidiano.


Saiu a Granta com o melhor da nova ficção americana

Cesse tudo que as listas de mais vendidos apontavam: saiu a nova Granta com os melhores jovens escritores americanos. E, como sempre, você não deve ter ouvido falar da maioria deles, mas todos se tornarão rapidamente os mais badalados das estantes.

Revista literária mais prestigiada do planeta, Granta tem feito essa edição a cada dez anos, desde 1997. Segue o padrão da pioneira versão com as revelações da literatura britânica, iniciada em 1983. Ambas pautam o mercado literário de língua inglesa. Foi por suas páginas que o mundo começou a respeitar Martin Amis, Kazuo Ishiguro, Ian McEwan, A.N. Wilson, Salman Rushdie, Julian Barnes, incluídos na antologia de 1983.

A publicação londrina aposta sempre na diversidade, como se vê na lista de 21 jovens escritores dos Estados Unidos eleitos pela revista: os três nomes mais comentados da edição são nascidos na África.

Dinaw Mengestu, escritor etíope, dá aula de Criatividade Literária na Georgetown University, em Washington DC. Ele estreou na literatura dez anos atrás e, aos 38, pelo critério da revista, já não poderia participar da edição de 2017. Ele já recebeu prêmios de prestígio, incluindo uma relação de ™20 escritores com menos de 40 anos∫ da revista New Yorker. No Brasil, foi lançado em 2012 seu Uma Perturbação no Ar (Nossa Cultura).

Dois destaques femininos também vêm da África: a nigeriana Chinelo Okparanta e Yaa Gyasi, de Gana.

Chinelo estreou em contos em 2013, sempre muito elogiada. Seu primeiro romance saiu em 2015 (ainda não no Brasil). O primeiro romance de Yaa bateu o recorde africano com o adiantamento literário de US$ 1 milhão, por Homegoing (no Brasil, também, só importado).

Prepare-se para renovar a sua estante. Esta é a lista completa dos autores, por ordem alfabética dos sobrenomes:

Jesse Ball, Halle Butler, Emma Cline, Joshua Cohen, Mark Doten, Jen George, Rachel B. Glaser, Lauren Groff, Yaa Gyasi, Garth Risk Hallberg, Greg Jackson, Sana Krasikov, Catherine Lacey, Ben Lerner, Karan Mahajan, Anthony Marra, Dinaw Mengestu, Ottessa Moshfegh, Chinelo Okparanta, Esmé Weijun Wang e Claire Vaye Watkins.


No auge do prestígio Guardian tem o maior prejuízo

O jornal britânico The Guardian vive uma fase de grande prestígio desde que publicou as revelações de Edward Snowden, ex-agente dos serviços secretos dos Estados Unidos, sobre a espionagem americana.

O sucesso, no entanto, não supera o prejuízo, que, no ano passado, chegou a cerca de 280 milhões de reais. Nos últimos dois anos, a empresa mudou seus principais diretores. No início de 2015, escanteou o editor-chefe Alan Rusbridger, defensor mais destacado da gratuidade do acesso ao site. Em seu lugar entrou Katharine Viner, primeira mulher a dirigir o jornal, que não se opõe à cobrança pelo conteúdo.

E, no ano passado, nomeou um diretor comercial com dez anos de Google, que logo de cara disse: “Bombardear o leitor de internet com uma quantidade absurda de anúncios baratos, como fazemos, não é bom para anunciante, leitor e empresa”.

Desde então, há alguns meses, a empresa publica no site anúncios chamando o leitor a pagar pelo conteúdo, ainda voluntariamente. Mas não há chance de o jornal atingir o equilíbrio sem o paywall para todos os seus leitores, como afirmou a consultoria Innovation em sua publicação anual de 2016. Com quase 200 anos, o Guardian vive uma transição fundamental para sua sobrevivência.

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Leão Serva é jornalista e escritor.