Monday, 29 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Os ‘frames’ redutores da mídia nacional

As declarações da presidenta da República Federativa do Brasil, Dilma Rousseff, na terça-feira (18/6) acerca das manifestações no país são mais uma demonstração de que a mídia nacional precisa rever suas posturas. De acordo com a mandatária, “a voz das ruas tem que ser escutada”. Até aí, tudo bem. O que ela não ressaltou, porém, foi de que modo o seu governo deverá se comportar diante das queixas da sociedade. E, ao não cobrarem uma postura neste sentido, os meios de comunicação nacionais, em sua maioria, pecaram, como se os protestos dissessem respeito apenas às [ir]responsabilidades de governos locais e estaduais.

Pelo menos duas questões podem ser apresentadas para justificar a incipiência da cobertura realizada por grande parte da mídia nacional acerca dos episódios que têm marcado os últimos dias no Brasil. Primeiro, o fato de os meios estarem concentrando as suas “miradas” na questão do transporte público, quando se sabe que a onda de protestos, embora tenha sido alavancada pelo alto custo e precariedade no transporte público, vai muito mais além. Segundo, o fato de a atenção se voltar à veiculação dos atos de violência perpetrados pela ação policial e por uma parte minoritária dos manifestantes.

Questões relacionadas à educação, à saúde, à falta de condições dignas de vida da maioria da população também se encontram na “ordem do dia” dos protestos, como se vê através de faixas, cartazes, palavras de ordem, entre outros, mas parece que os frames (enquadramentos) preferidos da maioria da mídia institucionalizada nacional deixam passar essas problemáticas.

Bilhões para os estádios

A mídia, em especial a televisiva, ignora, inclusive, a crise no sistema de saúde pública que, paradoxalmente, ela mesma recentemente destacou – através de reportagens que mostraram os descasos no Distrito Federal, em Pernambuco, no Rio de Janeiro e em outras localidades do país; a onda de violência que toma conta da sociedade em geral, inclusive agora chegando a atingir os bairros considerados nobres de grandes cidades, a exemplo do Morumbi, em São Paulo; ou mesmo o arrocho salarial que vem sofrendo a maioria das categorias profissionais, incluídos também neste conjunto professores e funcionários públicos das três esferas de governo (municipal, estadual e federal).

Mas, além das questões supracitadas, causa-nos indignação o fato de a mídia nacional não se posicionar com relação às declarações da presidenta Dilma Rousseff, para quem “o movimento é legítimo, o Brasil tem orgulho deles (os manifestantes)”e “o Brasil acordou mais forte”,como se ela, na posição que ocupa, nenhuma responsabilidade tivesse nesse cenário; como se o povo revoltado não estivesse expressando a sua revolta contra o próprio governo federal – diga-se de passagem, o público que esteve presente na abertura da Copa das Confederações, no estádio em Brasília, a vaiou –, que, apesar dos chamados programas sociais, muito tem deixado a desejar, com a implementação de políticas que não visam à melhoria, de fato, da qualidade de vida da maioria da população.

Os bilhões de reais gastos para a construção de estádios de futebol contrastam com os valores investidos em setores essenciais – infraestrutura sanitária, saúde, habitação, transporte público, entre outros – demonstrando o quanto o governo da presidenta Dilma Rousseff tem deixado a desejar. Os protestos têm enfatizado isso, mas parece que o governo federal – e os meios de comunicação em seus frames, com raríssima exceção, o canal ESPN Brasil, por exemplo – os está ignorando.

Canais independentes

Do ponto de vista internacional, no entanto, é possível ver enquadramentos bem distintos, como a CNN, que nesta terça-feira (18/6) à noite apresentou uma reportagem sobre as manifestações ocorridas em território brasileiro dando destaque às declarações da presidente Dilma Rousseff, sem deixar de ressaltar que a mandatária tentou atenuar a situação elogiando os protestos, ao mesmo tempo em que a emissora ressaltou certas precariedades no país, através da voz de vários manifestantes.

Pelo visto, a mídia brasileira não está compreendendo que pode perder ainda mais a pouca credibilidade que vem tendo dos setores mais conscientes da sociedade – felizmente, as manifestações vêm demonstrando que a tendência é crescer esse nível de consciência – quando insiste em reduzir, de modo significativo, as problemáticas vividas pela sociedade brasileira e a omissão dos poderes públicos.

O que talvez esses “barões da mídia” não compreendam, principalmente, é que o poder circula, como nos sugeriu o filósofo francês Michel Foucault (1979). Ou, que, conforme advertiu Milton Santos (2002), o cotidiano implica uma busca permanente por política. E, por último, que a sociedade da informação se destaca porque conta com uma forma específica de organização social, na qual as novas tecnologias propiciam que as fontes fundamentais da produtividade e o poder estejam na geração, no processamento e na transmissão da informação” (CASTELLS, 1997, p. 47).

Os meios de comunicação brasileiros, com esta postura, tendem a ser ignorados pela sociedade, que buscará, cada vez mais, formas de comunicação alternativas, através da rede mundial de computadores. O processo de “empoderamento” de indivíduos e grupos impedidos de ecoar suas vozes, através de chamada “grande mídia”, já é uma realidade irrefutável e irrevogável. Crescem, cada vez mais, canais de informação através da internet, como Indios OnLine, Viva Favela, somente para citar dois de excelente qualidade, atestando o quanto esses setores não se sentem representados pela mídia institucionalizada e, mais do que isso, o quanto essas pessoas estão dispostas a levar à sério esse processo de empoderamento.

Referências

CASTELLS, Manuel. La era de la información. Economía, sociedad y cultura. Madrid: Alianza, 1997.

FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. Rio de Janeiro: Graal, 1979.

SANTOS, Milton. Por uma outra Globalização. Do pensamento único à consciência universal. São Paulo: Record, 2002

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Verbena Córdula Almeida é doutora em História e Comunicação no Mundo Contemporâneo pela Universidad Complutense de Madri, Espanha e professora Adjunta do Departamento de Letras e Artes da Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC) – Ilhéus, BA