Saturday, 27 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Detido o companheiro do jornalista que deu voz a Snowden

O brasileiro David Miranda, que vive no Rio com o jornalista autor da série de reportagens revelando a vigilância de civis pela Agência de Segurança dos Estados Unidos (NSA, na sigla em inglês), Glenn Greenwald, foi detido neste domingo [18/8] no aeroporto de Heathrow, em Londres.

David retornava retornava para o Rio de Janeiro de uma viagem a Berlim, quando foi parado por oficiais e informado que seria interrogado com base no artigo 7 da lei de terrorismo, de 2000, que se aplica apenas em aeroportos, portos e áreas de fronteira, permitindo aos agentes deter e interrogar indivíduos.

O jovem de 28 anos ficou detido por nove horas, o máximo que a lei permite antes que seja solto ou formalmente preso. De acordo com autoridades, a maioria das investigações com base nesta lei – 97% – dura menos de uma hora, e apenas uma a cada duas mil pessoas fica detida por mais de seis horas.

Miranda foi solto sem nenhuma acusação, mas os agentes confiscaram equipamentos eletrônicos, incluindo telefone celular, laptop, câmera, cartões de memória, DVDs e jogos.

‘Preocupação com episódio’, diz governo brasileiro

O jornalista Alberto Dines, do Observatório da Imprensa, considerou o episódio uma “paranoia”.

– Isto é uma estupidez, uma paranoia do governo britânico. O que o brasileiro tem a ver com a história? Nem George Orwell, autor de “1984” (de crítica ao totalitarismo), poderia prever esta situação – criticou Dines, que ressaltou. – O Greenwald também não poderia ser alvo de retaliação porque cumpriu o seu papel de jornalista. Ele prestou depoimento na Comissão Relações Exteriores do Senado brasileiro. Isto é uma agressão também ao Brasil. Temos que repudiar este fato.

Em nota, o Ministério das Relações Exteriores manifestou “grave preocupação com o episódio” e disse que “trata-se de medida injustificável por envolver indivíduo contra quem não pesam quaisquer acusações que possam legitimar o uso de referida legislação”. O governo brasileiro também afirmou esperar que incidentes como este “não se repitam”.

Pelo Twitter, a ministra da Secretaria de Direitos Humanos, Maria do Rosário, afirmou que “o imediato protesto do Itamaraty diante da retenção arbitrária de brasileiro em Londres representa toda a nação”.

Professor da Escola de Jornalismo da Universidade do Texas, em Austin, nos EUA, Rosental Calmon Alves também criticou a detenção do brasileiro.

– É um absurdo. É muito embaraçoso para o governo britânico explicar a ligação deste cidadão brasileiro com qualquer organização ou ato de terrorismo, que é a base da lei pela qual ele foi detido. Obviamente é uma intimidação direta ao Glenn Greenwald e a outros jornalistas que têm trabalhado no caso Snowden – disse.

– É uma surpresa que uma atitude desta parta de uma governo democrático, que usou uma lei que na própria Grã Bretanha vem sendo criticada. Isto mostra a intolerância. Espero que não haja casos parecidos – acrescentou.

“É altamente improvável que David Michael Miranda, em trânsito em um aeroporto do Reino Unido, tenha sido detido de forma aleatória, dado o papel que seu marido teve em revelar a verdade sobre a natureza ilícita de vigilância da Agência de Segurança Nacional (NSA) dos Estados Unidos”, afirmou em nota Widney Brown, diretora sênior de Legislação e Política da Anistia Internacional.

Ela ainda disse que “a detenção de David é ilegal e indesculpável. Ele foi detido sob uma lei que viola qualquer princípio de equidade e sua prisão mostra como a lei pode ser abusiva por razões mesquinhas e vingativas”.

Série de reportagem denuncia espionagem

Desde 5 de junho, Greenwald tem publicado uma série de reportagem na qual revela como funciona o programa de vigilância da NSA, a partir de arquivos passados a ele por Edward Snowden. O “Guardian” também publicou matéria sobre a espionagem pela Sede de Comunicações do Governo britânico (GCHQ, na sigla em inglês), também com base nos documentos de Snowden.

Em Berlim, Miranda visitou Laura Poitras, cineasta dos EUA que também tem investigado os arquivos de Snowden.

– Às 6h30m com a ligação de um oficial inglês para me contar que David estava detido no Aeroporto de Heathrow dentro da Lei de Terrorismo de 2000 – explicou Glenn ao Globo. – O oficial me contou que havia três alternativas: David poderia ficar até nove horas preso e depois liberado, de acordo com o artigo 7 da lei; poderia pedir a um juiz que deixasse David detido por mais 48 horas; ou ficar preso de acordo com a Lei de Terrorismo. Não me deixaram falar com David e me foi dito que ele não poderia ter ajuda de um advogado.

No seu blog, no “Guardian”, Glenn diz que tratou-se de um ataque à liberdade de imprensa e uma mensagem de intimidação pela divulgação da espionagem.

“Mas a última coisa que este ato vai provocar é nos intimidar ou nos deter de fazer nosso trabalho como jornalistas. Pelo contrário: irá nos encorajar mais para continuar denunciando”, afirmou no blog.

O porta-voz do “Guardian” também afirmou por nota: “Ficamos consternados com a detenção do parceiro do jornalista que tem escrito sobre os serviços de segurança enquanto passava pelo aeroporto de Heathrow. Estamos buscando esclarecimentos de autoridades britânicas”.

O porta-voz da Scotland Yard disse que “às 8h05m de domingo, de 18 de agosto de 2013, um homem de 28 anos foi detido no aeroporto de Heathrow com base na lei de terrorismo. Ele não foi preso. Foi solto às 17h”.

Esta lei tem sido criticada por dar à polícia amplos poderes para revistar pessoas sem autorização prévia ou forte suspeita. Os detidos não têm direito imediato ao aconselhamento jurídico, e é um crime se recusar a cooperar com o interrogatório. No último mês, o governo britânico anunciou que reduziria o tempo máximo de detenção para seis horas e prometeu uma revisão da lei.

Lei de Terrorismo

O artigo 7º da Lei de Terrorismo de 2000 é um dispositivo legal que dá poderes a autoridades portuárias e de policiamento de fronteira para parar, averiguar, interrogar e deter alguém que esteja de chegada ou saída do Reino Unido. De acordo com a lei, as autoridades britânicas podem pedir documentos ao viajante e checar seus pertences. O suspeito pode ficar até nove horas detido sem qualquer justificativa ou acusação formal.

O artigo é polêmico. A imprensa local acusa as autoridades de usarem o poder desproporcionalmente contra minorias étnicas. Negros e asiáticos formam a maioria entre os parados para averiguação.

Os detidos não têm direito imediato ao aconselhamento jurídico, e é um crime se recusar a cooperar com o interrogatório. No último mês, o governo britânico anunciou que reduziria o tempo máximo de detenção para seis horas e prometeu uma revisão da lei.

De acordo com um relatório divulgado no ano passado pelo Ministério do Interior do Reino Unido, menos de três pessoas em cada mil que circulam pelas fronteiras do país são paradas para averiguação policial com base no artigo 7º da Lei de Terrorismo. Desses poucos, 97% ficam menos de uma hora detidos. Apenas uma em cada duas mil detenções feitas sob o dispositivo legal dura mais de seis horas.

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Greenwald: ‘Vou fazer reportagens ainda mais agressivas’

Duilo Victor # Reproduzido Globo.com, 18/8/2013

Blogueiro americano radicado no Rio, Glenn Greenwald conta como soube da detenção de seu parceiro, David Miranda, por autoridades britânicas no Aeroporto de Heathrow

Como soube da detenção de David?

Glenn Greenwald – Às 6h30m, recebi a ligação de um oficial inglês para me contar que David estava detido no Aeroporto de Heathrow conforme a Lei de Terrorismo de 2000. O oficial me contou que havia três alternativas: David poderia ficar preso até o limite estipulado pelo artigo 7 da lei, que é de nove horas; poderiam pedir a um juiz que deixasse David detido por mais 48 horas; ou ficar preso de acordo com a Lei de Terrorismo. Não me deixaram falar com David e me foi dito que ele não poderia ter ajuda de um advogado.

O que fez diante da informação?

G.G. – Entrei em contato com o “Guardian”, que mandou advogados. Ele já estava detido há três horas. Foi feito contato com o embaixador do Brasil na Inglaterra e com o Ministério das Relações Exteriores do Brasil, mas nenhum deles conseguiu ter qualquer informação sobre David.

O senhor interpreta o que ocorreu como uma intimidação a seu trabalho?

G.G. – Foi só isso, uma intimidação. David foi detido com a única razão de mandar uma mensagem de que eles não terão limites para agir contra mim. A partir de agora vou fazer reportagens ainda mais agressivas. Só o que pude saber, por meio dos advogados, é que perguntaram a ele sobre o jornalismo que eu estava fazendo e sobre o que ele foi fazer na Alemanha. Foi um abuso da lei.

O que levaram dele?

G.G. – Retiraram dele o computador, a máquina fotográfica, o celular, cartões de memória e videogames. David não é muito envolvido com meu trabalho, sabe o que um marido saberia sobre o trabalho de seu parceiro.

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‘Está claro que isso foi uma mensagem de intimidação’

Isabel Fleck # reproduzido da Folha de S.Paulo, 19/8/2013

O jornalista americano Glenn Greenwald, 46, diz que a detenç      ão do namorado, David Miranda, no aeroporto de Heathrow, em Londres, foi uma “mensagem de intimidação” a ele. Ele afirmou à Folha, que responderá com reportagens “ainda mais agressivas”. Leia o depoimento abaixo.

O oficial britânico me ligou às 6h30 de hoje [ontem] para me avisar que o David tinha sido detido sob essa lei antiterrorismo. Ele disse que me ligou porque o David não tinha direito a ter advogado, mas ele tinha o direito de pedir que ligassem para um advogado, e eu sou advogado.

Eu ainda não falei com o David, só com o advogado do “Guardian”, que me disse que é muito raro que alguém fique detido mais do que uma hora.

Mas eles não perguntaram nada a ele sobre terrorismo, só sobre jornalismo: o que eu estou fazendo, o que eu não estou fazendo.

Ele esteve na Alemanha, na última semana, com Laura Poitras, que está trabalhando comigo. Eles perguntaram o que ele e a Laura fizeram, se ele tinha senhas para ter acesso [ao material sobre as denúncias], coisas assim. Está claro que foi só para me mandar uma mensagem de intimidação.

O advogado disse que tomaram seu laptop, telefone, videogame, DVD, sem dar explicações. Eles têm o poder, sob essa lei, para tomar qualquer coisa para investigação.

Agora farei muitas reportagens e serei muito mais agressivo que antes: vai ter o efeito oposto ao que queriam.

Foi exatamente o que eles fizeram quando impediram o avião do [presidente boliviano] Evo Morales [de sobrevoar países europeus]. Eles sabiam que teriam um problema enorme no mundo, mas quiseram mandar essa mensagem. Eles agem como criminosos.

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Flávia Milhorance e Duilo Victor, do Globo