Sunday, 28 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Guerra de informação, jornalistas e perdedores

A mudança de estatuto do jornalismo e do próprio jornalista ocorre em meio às diversas dicotomias e a mais uma metamorfose do capitalismo. Longe do fim da história, o atual fluxo de instabilidade desafia qualquer profecia. Pensar o jornalismo, entretanto, tem ocorrido de forma mais localizada nos meios de comunicação; e em interfaces pontuais com a história e a política.

Peter Sloterdijk (Regras para o parque humano) associa a sociedade de massa à constituição de novas bases, distantes da perspectiva humanista. A invenção de um espaço contextual diferente da esfera literária para a atividade jornalística (os meios de comunicação) é vazada em um meio tempo entre guerras (1918 con la radio, y tras 1945 con la televisión).

Curiosamente, uma rede construída com finalidades militares foi responsável pela transformação no jornalismo. A internet e a própria informatização cunham modelos econômicos, sociais e políticos, e, apesar de não mudar a essência relacional, parecem forjar de fato um mundo novo. Os atores disputam a informação e o julgamento acerca de sua legitimidade pertence a árbitros que pouco aparecem ou respondem na arena pública.

As regras do jogo

As atuais democracias convivem com ameaças como terrorismo, contrainformação, empresas multi ou transnacionais. Democracias ou não, os Estados nacionais são confrontados com a globalização e a guerra pela informação. O vazamento de informação ou espionagem têm por agentes os WikiLeaks e os países, sem falar de empresas privadas e particulares. Quem decide acerca de sua legitimidade? Quem são os árbitros dessas questões?

Em pleno coração do liberalismo econômico, com a expansão da Ásia, cresce a doutrina da segurança nacional. Nos Estados Unidos, a edição da Lei Patriota permite ao Estado investigar qualquer pessoa e, pelo que estamos vendo, qualquer país. Mas “ora, limitar liberdades que são o instrumento por excelência da democracia para defender a democracia é um contrassenso”, dizia João Almino, diplomata (O segredo e a informação).

Almino comenta que McLuhan teria sugerido censura ou autocensura na Itália para combater o terrorismo, por não se dar a publicidade desejada para seus atos. A publicidade, neste sentido, contrasta com o segredo, a ocultação, a “mentira organizada” (Arendt). Sob uma perspectiva kantiana, todos teríamos direito à verdade e à publicidade; sob a perspectiva maquiavélica, a verdade e a publicidade são elementos que têm seu valor de estratégia.

Sigilo da fonte justifica-se?

Os jornalistas eram aqueles que buscavam e tratavam a informação de interesse público nos meios de comunicação, e costumavam organizar-se em empresas jornalísticas. A crise do capitalismo seria em si ameaça à sobrevivência das empresas, mas a Internet parece ser ainda mais determinante para o declínio dos meios de comunicação tradicionais. Também em crise, por consequente, a identidade dos jornalistas. No Brasil, em parte por decisão legal (a remoção do filtro do diploma pelo STF); de maneira mais ampla, devido à visão do jornalismo-cidadão.

A diluição do estatuto e da identidade do jornalista em vista da ampla participação na produção de informação, do entretenimento e do consumo parece impedir a resposta à questão: quem são os jornalistas? Da mesma forma que é difícil responder acerca de quem é o povo.

Nesse quesito, pode-se dizer que, se há uma guerra em curso, os jornalistas, enquanto categoria profissional, aparentemente perderam a batalha sobre a legítima produção de informação jornalística. Outra pergunta se impõe: a garantia do sigilo da fonte (prevista constitucionalmente) jornalística sobrevive? Dirige-se a quem? O sigilo da fonte como “segredo” defensável na democracia justifica-se?

Ao sabor dos fatos

Ao que parece, para os Estados Unidos, não. Sem falar nas prisões de jornalistas por protegerem suas fontes, descobriu-se que o governo americano investigava ilegalmente diversos jornalistas. O fato recente motivou a edição da lei normativa de Livre Fluxo de Informação pelo Senado, definindo quem é jornalista. Um ato legal que define artificialmente um filtro para a profissão, redefinindo o conceito de jornalismo e de jornalista.

A lei tem importância para nós. A participação das empresas e atores jornalísticos no perverter as regras políticas no jogo da democracia não auxiliou a forjar uma cartografia do jornalismo e parece não ajudar à sua sobrevivência. No mapa das rotas e direções políticas; no jogo, mais político, menos republicano; o jornalismo parece ser mais uma das instituições que são levados ao sabor dos fatos, sem força política para influenciar em seus rumos. Mas observemos.

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Veruska Sayonara de Góis é professora, Mossoró, RN