Monday, 29 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

De quem é a culpa pela morte de Santiago Andrade?

Se quer ferir de morte a democracia de um país, ataque os profissionais da imprensa. Há mais de quinze dias o Brasil contabilizou a queda de outro jornalista no exercício pleno de sua função. Não podemos esquecer disso. Vários colegas não esqueceram. Eu, como jornalista e também profissional da imagem – repórter fotográfico –, não esqueci. No dia 6 de fevereiro, Santiago Andrade, cinegrafista da TV Bandeirantes, cobria mais um protesto no Rio de Janeiro contra o aumento do preço das passagens de ônibus quando foi atingido na cabeça por um rojão. Morreu quatro dias depois.

Até que tudo seja esclarecido é preciso esquecer os discursos extremos, seja o da fatalidade, de que o cinegrafista estava no lugar errado e na hora errada, ou o conspiratório, de que foi tudo planejado para enfraquecer os movimentos. A sociedade deve atentar para quem interessa a morte de um jornalista. Somente o crime organizado, os políticos corruptos, as milícias armadas e os golpistas de extrema-direita se regozijam a cada vez que um profissional de imprensa se cala.

Assim, são culpados pela morte do jornalista todos os criminosos que saem de casa armados e se escamoteiam nos movimentos pacíficos, tornando os atos violentos. Todos os manifestantes que defendem a violência, o ataque, o confronto e o derramamento de sangue; todos aqueles que esqueceram qual é o verdadeiro conceito de utopia, de Estado Democrático de Direito, e querem conquistar o poder em troca das vidas humanas, por vontade própria, ou manipulados por anarquistas e democratas transviados.

Também são culpados todos os policiais que agiram com excessos contra manifestantes pacíficos; os que atiraram balas de borracha contra jornalistas e os que desferiram seus sprays de pimenta a esmo, com deboche e abuso de poder. Culpados como eles são todos os líderes de batalhões que ordenam a truculência e os covardes soldados que não concordam com esses métodos, mas se recusam a desobedecer ordens. São assassinos todos os milicianos que usam a farda para desestabilizar a ordem e a segurança pública.

Colegas que se omitem

Deveriam ser presos por crime de homicídio os políticos corruptos. Estes ajudaram a matar Santiago Andrade a cada vez que compraram um jornalista com verba de publicidade. Da mesma forma se escondem da opinião pública e seguem tentando bancar a imprensa no país inteiro. Tão homicida quanto eles é o cidadão comum que aceita as pequenas corrupções, que vende seu voto, que fura fila, que suborna um guarda de trânsito ou aceita suborno. Devem ser todos presos! É por conta do pacifismo social que os déspotas continuam no poder.

E dentro das redações, são muitos culpados. Os donos das empresas de comunicação também mataram o jornalista. Cada um tem sua culpa quando contrata um repórter cinematográfico como cinegrafista, paga abaixo do piso salarial, força horas extras, acúmulo de função, e não dá as condições mínimas de segurança para o exercício da profissão. Santiago não estava lá porque queria, cumpria sua pauta. Foi atingido sozinho, sem um auxiliar ao seu lado. Sem proteção alguma.

No topo da lista dos assassinos estão todos os colegas de profissão que se omitem, que não se inquietam, nem que seja numa roda de conversa, na hora do café, para os que são impedidos de opinar publicamente. Apesar de tantos avanços sociais, ainda existem jornalistas defendendo a tese de que bandido bom é bandido morto. Um jornalista com pensamentos fascistas é tão perigoso para a sociedade quanto o pior dos ditadores. É um tumor nesse câncer social, um facínora disfarçado. Estes estão com as mãos e os dedos ainda sujos de sangue.

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Felipe Gesteira é jornalista, João Pessoa, PB