Sunday, 28 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

A polêmica liberdade de expressão

O fatídico e lamentável episódio do atentado contra a revista humorística francesa Charlie Hebdo reacende uma das mais polêmicas discussões que repercute no mundo contemporâneo, que é liberdade de expressão. Depois de muita reflexão, seja na qualidade de jornalista, professor da área de Comunicação Social, cientista social ou, sobretudo, cidadão, fui paulatinamente construindo o meu ponto de vista acerca do tema em questão até me sentir seguro o bastante para falar a respeito, coisa que faço pela primeira vez nesse artigo.

E a conclusão a que cheguei, sobretudo depois de ler diversas opiniões a respeito do tema desencadeado a partir desse episódio destacado pela imprensa do mundo inteiro, é a de que, realmente ao que me parece, ainda existe uma certa confusão conceitual, de natureza perceptiva em torno do que denominamos de liberdade, liberdade de expressão e liberdade de imprensa. Trata-se aqui de uma confusão até certo ponto natural, se levarmos em consideração a falta de consenso existente até os dias de hoje em torno de cada um desses três atos de direito civis, conforme veremos a seguir.

A falta de entendimento comum, ou seja, consenso, se dá inicialmente a partir da diversidade conceitual em torno do significado da liberdade. O “desentendimento” se inicia já a partir dos diferentes e por vezes, distintos, pontos de vistas apresentados por alguns dos pensadores da Filosofia clássica, campo em que a liberdade sempre foi amplamente discutida. Basta citar, por exemplo, que, enquanto para Sartre, o filósofo do existencialismo, a liberdade representa a condição ontológica do ser humano, ou seja, o homem é antes de tudo, um ser livre, para Schopenhauer a ação humana não é totalmente livre e está condicionada a níveis de objetivação de sua vontade. Para esse, o homem nem sempre é livre para deliberar sobre sua vontade. Dito de outra forma, vemos aqui uma diferença entre a liberdade vista sob o ponto de vista ontológico, natural, e a mesma vista sob um prisma mais, social, ou diríamos, sociopolítico.

Dentro de uma leitura mais simplificada ou simplista, tendo em vista que se trata aqui de uma visão de um leigo na Filosofia, diria que ambos os pensadores apresentam visões corretas e interessantes, tendo em vista que, do ponto de vista das leis naturais, podemos afirmar que nascemos todos seres livres, dispostos a gozar de uma liberdade plena, ilimitada. Porém, do ponto de vista regido pelas leis sociais, humanas, nos tornamos seres relativamente livres, uma vez que não somos “donos” de nossas vontades. Essas, passam a ser legisladas pelo direito civil que, por sua vez, tentam nos garantir o direito às mais diversas formas de liberdade, como liberdade de expressão, liberdade de pensamento, liberdade religiosa etc.

Liberdade de expressão e liberdade de imprensa

Adentrando no campo da noção acerca dos dois outros elementos, nos deparamos com uma confusão, talvez ainda maior, gerando, muitas vezes, uma certa dicotomia entre liberdade de expressão x liberdade de imprensa. Trata-se aqui, vale salientar, de uma confusão que nasce, de um lado, de forma natural e respaldada numa dificuldade de entendimento conceitual acerca das de cada uma dessas modalidades de liberdade e, de outra, de forma intencional, ou seja, movida de alguma forma pelo interesse de confundir propositadamente a opinião pública, visando outros interesses que não especificamente o direito amplo à liberdade.

Ao contrário do que querem que pensemos, apesar de próximos um do outro, liberdade de expressão e liberdade de imprensa não são direitos similares. No primeiro caso, temos o direito à informação e liberdade de expressão que são direitos dos cidadãos, cláusulas pétreas da constituição. Já a liberdade de imprensa, diz respeito a um outro tipo de direito. Trata-se aqui de um direito acessório das empresas jornalísticas, ou seja, uma determinada modalidade de direito que só se justifica se utilizado para o cumprimento correto da missão constitucional que lhe foi conferida, ou seja, trabalhar a informação de caráter social, de interesse público, voltada para o bem comum dos cidadãos (?!).

Dentro desse contexto, portanto, podemos tirar uma série de conclusões. Algumas felizes, outras nem tanto. Uma das felizes é a de que, através do direito à informação e liberdade de expressão que constitucionalmente lhe é garantido, pode qualquer cidadão se informar e se expressar através de todo e qualquer meio de comunicação, socializando dessa forma, o seu pensamento, a sua visão de vida, de mundo e acerca de temas ou acontecimentos específicos que lhes são de seu interesse. E que, assim sendo, é natural que ele possa se valer dos mais diversos meios de comunicação social, especialmente, a imprensa, para não apenas se informar, mas também expressar-se. E, ai, como sabemos, nos deparamos com uma das conclusões infelizes, pois trata-se aqui de uma das liberdades mais restritas de que sofre o cidadão na sociedade atual, mesmo entre aquelas que se autoproclamam gozando de pleno estado democrático de direito, como a nossa.

Eis uma realidade que, apesar de amenizada com a chegada e progresso da internet e especialmente, das redes sociais, no tocante ao universo da imprensa, ainda deixa muito a desejar. Recentemente, ao realizarmos um trabalho de pesquisa crítico-analítico sobre o espaço concedido pelos órgãos de imprensa aos sujeitos receptores, eu e alguns de meus alunos averiguemos que não só há uma defasagem de espaço aberto para esses, como houve uma redução considerável desse espaço nos jornais impressos da imprensa paraibana.

Por fim, e voltando ao episódio envolvendo a revista francesa Charlie Hebdo, penso que se faz importante, e cada vez mais urgente, refletirmos de maneira mais aprofundada acerca do que denominamos como sendo um ataque à liberdade de expressão, liberdade de imprensa, a fim de não confundirmos, como querem os donos dos conglomerados da mídia em todo o mundo, coisas como: marco regulatório da comunicação com censura e, por outro lado, liberdade de imprensa com direito de ataque à liberdade religiosa, um outro tipo de extremismo tão perigoso e fatal quanto o que gerou o lamentável e inaceitável atentado terrorista.

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Rosildo Brito é professor e jornalista