Tuesday, 30 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

A segurança dos jornalistas de novo em pauta

A coincidência não poderia ter sido mais lamentável: às vésperas de se completar um ano da morte do cinegrafista Santiago Andrade, da Band, atingido por um rojão durante confronto entre manifestantes e policiais na Central do Brasil, no Rio, o repórter Jackson Silva, da mesma emissora, foi demitido por se recusar a assinar um documento que isentava a empresa de responsabilidade sobre eventuais consequências em coberturas de risco.

O fato ocorreu na segunda-feira (2/2) e foi denunciado pela Federação Nacional dos Jornalistas, a Fenaj, em nota (ver aqui) publicada em seu site no sábado (7/2). A entidade informa ainda que o repórter já havia recebido advertência em fins de janeiro por “ter exposto a si mesmo” quando cobria uma operação policial numa favela da Zona Oeste do Rio e entrou no ar, ao vivo, dentro de um blindado da PM. Segundo a nota, aquela foi a forma que a equipe de reportagem encontrou para se abrigar, no momento em que traficantes começaram a atirar.

A Fenaj assinala que, “apesar de terem se colocado em uma posição de risco por ordem da chefia, que há muito tempo fomenta esse tipo de cobertura, toda a responsabilidade sobre o episódio foi imputada aos repórteres”. E recorda o caso do cinegrafista Gelson Domingos, também da Band, morto em novembro de 2011 enquanto registrava um tiroteio entre traficantes e policiais em outra favela da Zona Oeste.

Promessas não cumpridas

A morte do repórter Tim Lopes, da TV Globo, em 2002, capturado por traficantes da Vila Cruzeiro que o flagraram filmando com câmera escondida cenas de um baile funk para denunciar exploração de menores, foi um divisor de águas nesse tipo de cobertura: embora nunca tenha assumido sua responsabilidade no caso – e os editoriais enaltecendo o martírio de Tim serviram justamente para desviar a atenção desse aspecto crucial –, a Globo passou a rever seus procedimentos em relação ao uso da câmera oculta e à segurança de seus repórteres. Entre os profissionais, estimulados por sindicatos e associações, começou a se disseminar a preocupação quanto ao treinamento para a cobertura em áreas de risco. Apesar disso, a situação está longe do aceitável, como a recente demissão do repórter da Band o demonstra.

A coincidência do episódio com o primeiro aniversário da morte de Santiago é relevante também por isso: na tarde de 6/2/2014, o cinegrafista documentava o tumulto numa praça na região da Central do Brasil quando foi atingido por um morteiro disparado por um manifestante. Teve morte cerebral quatro dias depois. Estava sem qualquer equipamento de segurança, o que motivou o Sindicato dos Jornalistas do Município do Rio a pedir ao Ministério Público do Trabalho uma investigação sobre as condições oferecidas pela Band.

Um mês depois da morte de Santiago, o Sindicato divulgou nota (ver aqui) informando que a empresa estaria “disposta a rever a política de treinamento em segurança para os jornalistas” e que estaria “reforçando as equipes de apoio” – o cinegrafista estava sozinho quando foi alvejado.

Um ano depois, o caso do repórter Jackson Silva parece indicar que não é bem assim.

“O senhor não me morra…”

O flagrante do momento exato em que o fogo de artifício explode na cabeça de Santiago Andrade, que empunhava sua câmera de costas para a cena, rendeu ao repórter fotográfico Domingos Peixoto, do Globo, o Prêmio Rei da Espanha. Ao dar a notícia, em sua edição de sábado (7/2), o jornal diz que o júri destacou a habilidade do fotógrafo e “reconheceu o risco e o valor dos jornalistas que, em determinadas ocasiões, põem em perigo a vida para realizar seu trabalho”.

Certamente os jornalistas estão expostos a riscos, e não apenas em situações de violência explícita – bastaria, para tanto, pensar nas ameaças, veladas ou abertas, que repórteres e colunistas já sofreram por contrariarem o interesse de gente poderosa –, mas conviria associar a exaltação da coragem à necessidade de cuidado e proteção dos profissionais, pelas quais toda empresa deveria zelar. Este foi, aliás, um dos sentidos – talvez o menos percebido, mas nem por isso menos relevante – do apelo repetido inúmeras vezes durante a comoção causada pela morte de Santiago: que seu sacrifício não tivesse sido em vão.

Não custaria lembrar aqui um dos muitos episódios folclóricos citados pelo repórter Joel Silveira, um dos ícones do jornalismo brasileiro, falecido em 2007, na sua relação com Assis Chateaubriand, dono dos Diários Associados. Ao ser comunicado de que seria enviado à Itália como correspondente na Segunda Guerra Mundial, Joel ouviu do patrão: “O senhor vai para a guerra, mas não me morra, seu Silveira! Repórter é para mandar notícia, não é para morrer”.

Tanto tempo depois, ainda não aprendemos a lição.

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Sylvia Debossan Moretzsohn é jornalista, professora da Universidade Federal Fluminense, autora de Repórter no volante. O papel dos motoristas de jornal na produção da notícia (Editora Três Estrelas, 2013) e Pensando contra os fatos. Jornalismo e cotidiano: do senso comum ao senso crítico (Editora Revan, 2007)