Tuesday, 30 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

A próxima vítima e o exemplo do DF

Ligar o aparelho televisor e ser invadido por imagens de choro, desespero, exploração da imagem das tragédias humanas, faz parte de nossa rotina. Infelizmente. Depois da superexploração dessas imagens e de informações desencontradas, análises, pitacos, o que fica para a família das vítimas? Vítimas estas que poderiam ser eu, você, qualquer um. De acordo com dados do Ministério da Saúde, o Distrito Federal apresentou um aumento de 22% na taxa de homicídios e, consequentemente, na violência. O número de homicídios subiu de 668 para 815.

Tudo mundo está sujeito a um crime, em qualquer lugar, de um dia qualquer. E depois? As famílias têm a privacidade invadida, a dor explorada, os milhares de depoimentos, e nada. Quando muito, a punição do criminoso. Pensando nesse fenômeno do descaso estatal foi que concebi em minha cabeça, ainda quando finalizava minha especialização em Vitimologia, o projeto Pró Vítima.

Quando secretário de Justiça e Direitos Humanos do Distrito Federal, consegui implementar o projeto, criando núcleos de atendimentos às famílias das vítimas, no Setor de Indústria, na Asa Sul e no Paranoá. Cerca de um ano depois de criado, o projeto já realizou 955 atendimentos, 731 visitas domiciliares e acompanhou 224 ações judiciais. Só em relação à violência doméstica, cerca de 4.700 mulheres registraram ocorrência nos primeiros seis meses de 2010. Para se ter uma ideia, no ano passado, 9.597 mulheres buscaram ajuda, cerca de 26 por dia…

Assistência jurídica, psicológica e social

Abaladas pelo crime, as vítimas e seus familiares normalmente passam a sofrer problemas de saúde e emocionais, como medo, dificuldades de voltar a ter uma vida normal, autoestima dilacerada, ansiedade, transtornos derivados do trauma, síndrome do pânico, depressão, dependência do álcool, drogas e medicamentos. Sem falar na dificuldade em buscar seus direitos.

No programa Mais Você exibido em 3/11/2010, a apresentadora Ana Maria Braga entrevistou o juiz Marcelo Alexandrino, com a mulher e filhos. No início de outubro, Alexandrino e família dirigiam-se a uma festa na estrada Grajaú-Jacarepaguá, no Rio de Janeiro e, ao não parar a uma blitz que o magistrado considerou suspeita, teve o carro metralhado pela polícia. Durante o programa, o juiz reclamou do descaso do Estado, afirmando que, depois do que aconteceu, ele e a família não foram procurados pelas autoridades. A apresentadora também entrevistou o psiquiatra e psicanalista Eduardo Ferreira Santos. E ele afirmou categoricamente que ‘um grande problema de saúde pública é que as vítimas de violência, de uma maneira geral, não recebem qualquer apoio após o trauma’.

Por isso, o Pró Vítima é motivo de orgulho para todo o Distrito Federal – afinal, o programa é inédito e único no Brasil. O Pró Vítima oferece assistência jurídica, psicológica e social. Advogados, assistentes sociais e psicólogos acompanham a família durante todo o processo e tentam amenizar um pouco dessa dor, longe das câmeras e das manchetes dos jornais.

Agir enquanto é tempo

Pena que a divulgação desse serviço não receba a devida atenção. Com a parceria dos veículos de comunicação poderíamos atender a mais pessoas ainda. É a velha história da pauta boa e da pauta ruim. Tem até gente que tenta fazer diferente, eu reconheço. Em Fortaleza (CE), criaram a Agência da Boa Notícia, para tentar pautar a grande mídia com boas notícias. Mas esse caso é uma exceção…

Recentemente, estive com dona Fátima, cuja irmã foi covardemente assassinada pelo marido, no trabalho dela. A família de Ana Paula foi o primeiro caso registrado pelo Pró Vítima e que continua sob atendimento até hoje. Dona Fátima nos faz crer que é possível, quando realmente se quer, que o Estado não abandone o cidadão. E que você, eu, todos nós, temos que sair de nossa postura confortável, e buscar soluções que possam beneficiar a qualquer um, independente de quem quer que seja. Espero que o Pró Vítima possa chegar a todas as regiões administrativas do DF. Meu sonho é que o Ministério da Justiça e as Secretarias de Justiça de todo o país reproduzam essa iniciativa. O cidadão merece.

Que possamos agir enquanto é tempo, antes que possamos estar na lista das próximas vítimas, figurar, como que, por uma agrura do destino, em alguma estatística, ser algum número perdido, um dado esquecido nas gavetas dos gestores estatais. Sei que não conseguiremos arrancar sorrisos em meio à dor, mas é bom saber que há como contar com o mínimo de apoio em meio a essa dura travessia.

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Deputado distrital (PPS), policial civil e advogado