Monday, 29 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

As concessões públicas e os super-vilões

O Ministério da Justiça publicou nova portaria regulamentando a classificação indicativa para os programas de televisão. Agora, as emissoras serão obrigadas a divulgar a faixa etária e o horário recomendado para a exibição de cada atração que levar ao ar. Dependendo de uma decisão do Supremo Tribunal Federal, as emissoras ainda podem amargar o revés de ter que exibir os programas nos horários determinados pelo Ministério. Quem não respeitar a classificação indicativa pode ser punido.

Enquanto isso, na Sala de Justiça… Os Super Amigos confabulam um plano surpresa para salvar a televisão dessa terrível perdição.

‘Atores-criminosos’

Isso mesmo, caríssimos leitores… Estou falando deles, os Super Poderosos donos das concessões públicas de televisão.

É bem verdade que de super-heróis eles não têm coisa alguma. E também estão longe de formar uma Liga da Justiça.

Mas os poderes de Super-Homem, Batman, Flash, Lanterna Verde, Aquaman, Ajax e Mulher Maravilha não fazem inveja a esses Super Vilões. Eles têm um poder muito mais fantástico para os dias atuais.

Que poder tão fantástico é este? Caríssimos leitores, estou falando do poder de manipular consciências.

E é exatamente isso o que eles estão tentando fazer agora, quando se disfarçam de paladinos defensores da democracia, prontos a combater o terrível monstro da censura, personificado pela abominável vontade governamental de impor limites à baixaria televisiva, que ameaça sobremaneira a nossa liberdade.

O que é real e o que é ficção nisso tudo? Na era da paranóia cyber punk, dos reality shows, da mistura entre entretenimento e informação, a confusão entre ficção e realidade é utilizada para desviar a atenção do debate que verdadeiramente importa: a criação de mecanismos de controle social sobre os canais de televisão.

Talvez ninguém lembre mais da encenação do Domingo Legal, do SBT, que colocou no ar uma dupla de ‘atores-criminosos’, encapuzados e armados, ameaçando de morte apresentadores de televisão, políticos e figuras públicas.

É provável que ninguém lembre também das cenas do sushi erótico apresentadas no Domingão do Faustão, da TV Globo, em que homens provavam da comida japonesa servida no corpo de uma modelo nua.

E o que dizer do Big Brother Brasil, atualmente no ar em sua 7ª edição, pela mesma TV Globo? Vendido como uma amostra do que seria a vida real, o programa utiliza técnicas que misturam elementos de ficção e realidade para criar a mentira de que o povo está na TV.

Mas não é só o Big Brother Brasil que faz isso. As telenovelas viraram referência para a vida real. A chamada ‘novela realista’ apropria-se de problemas sociais para criar a ilusão de que está debatendo a realidade.

Responsáveis pelo conteúdo

Um dos efeitos dessa mistura entre ficção e realidade na mídia é o advento da ‘paródia do cotidiano’. Toda a vida é apresentada como uma brincadeira de perguntas tolas e prêmios milionários. Essa nova cultura pode mentir no tempo e criar um tempo artificial.

Não é preciso ter super-poderes para saber que os concessionários das emissoras de televisão não querem nem ouvir falar nessa história de controle social sobre as TVs. Porque enquanto não houver controle, programas sensacionalistas continuarão existindo, cenas de violência e sexo continuarão fazendo parte do menu televisivo oferecido às nossas crianças e adolescentes e continuaremos assistindo ao desvirtuamento de um serviço público, utilizado para mentir e manipular as consciências.

A TV Globo, mais poderosa de todas as emissoras do país, botou as manguinhas de fora e contra-atacou, exibindo um anúncio institucional, que mostra uma criança de olhos vendados, simbolizando a proibição de ver determinado programa, enquanto um locutor fala que somente os pais podem impor limites ao que seus filhos podem ou não ver.

A resposta à Globo foi dada pela MTV, que produziu um anúncio próprio onde diz que ‘a televisão brasileira já fez coisas geniais, mas também colocou diversas porcarias no ar’ porque ‘alguns profissionais são capazes de qualquer coisa na luta pela audiência’. Por isso, defende não só ‘a responsabilidade dos pais na educação dos filhos’, mas também a existência da ‘classificação indicativa de horários’ porque os ‘veículos de comunicação são os maiores responsáveis pelo conteúdo que exibem’ (Folha de S. Paulo, 09/02).

Regulamentação não é censura

O que a Globo e a maioria dos outros canais de TV não querem informar à população é que emissoras de televisão são concessões públicas, que devem obedecer ao ideal do serviço público. As concessões são outorgadas pelo Estado, em nome da sociedade. Portanto, cabe ao Estado a tarefa de regular a concessão outorgada, criando mecanismos de controle social sobre os canais de TV, a fim de defender os interesses dos cidadãos.

Regulamentação não é a mesma coisa que censura, como alardeiam os proprietários das concessões. Quando as emissoras se eximem do compromisso com a qualidade da programação, desrespeitando a Constituição Federal, o Estatuto da Criança e do Adolescente e os direitos humanos, o governo tem o direito e a obrigação de intervir e impor limites.

A classificação indicativa é um mecanismo para sinalizar qual o conteúdo dos programas exibidos pelas emissoras, permitindo aos cidadãos fazer escolhas conscientes sobre a conveniência ou não de se assistir determinado produto televisivo. Não há cerceamento da liberdade artística, muito menos do direito à informação, visto que a portaria exclui os programas jornalísticos do sistema de classificação.

O diretor do Departamento de Justiça, Classificação, Títulos e Qualificação (Dejus) do Ministério da Justiça, José Eduardo Elias Romão, disse que ‘o princípio norteador de todo o processo de construção do novo modelo de classificação foi a proteção de crianças e adolescentes de forma igualitária’, acrescentando que a classificação indicativa ‘atende a um direito das crianças que vinha sendo historicamente desrespeitado’ (Andi, 13/02).

Esperamos que o Ministério da Justiça resista às pressões das grandes redes de televisão e cumpra seu papel de fiscalizador das concessões públicas, não permitindo que a televisão continue fugindo do controle enquanto engolimos a seco tantas ‘porcarias no ar’.

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Estudante de Jornalismo da UFRN, Natal, RN