Sunday, 28 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Como El País e ABC tratam o idoso

1. Introdução

‘Faça você mesmo’. Este era o lema da indústria americana nas últimas décadas do século passado quando a população mundial era mais jovem. Sempre atenta para o rumo dos negócios e as mudanças sociais, a publicidade, hoje, nos Estados Unidos, tem um apelo mais intimista: ‘Nós fazemos para você’. Todos os projetos, todos os planejamentos, todas as projeções futuras levam em conta o envelhecimento demográfico em todo o mundo. Nas escolas de Engenharia ou de Arquitetura, são pensadas casas e apartamentos que possam dar mais conforto e segurança às pessoas idosas. As agências de turismo desenvolvem pacotes especiais para os idosos, inclusive com reduções especiais de preços patrocinadas pelos governos, como ocorre na Espanha, por exemplo. Em Bruxelas, a União Européia disponibiliza verbas volumosas para o desenvolvimento de novas tecnologias – inclusive de informação e comunicação – que favoreçam a melhor qualidade de vida da pessoa idosa. Cada vez mais os governos nacionais estão se ocupando com políticas de saúde voltadas para os idosos. Ao mesmo tempo os idosos estão se transformando em força eleitoral e só falta um discurso organizador (empoderamento) para que possam influir diretamente nos rumos das políticas nacionais votando apenas em quem assuma compromissos com a qualidade de vida e com a inclusão (ou reinclusão) social. A própria imagem do idoso está mudando na sociedade. Em muitos países vai se tornando politicamente incorreto usar a palavra ‘velho’ porque, com os avanços da medicina, o conceito de idade mudou: hoje só pode ser considerada ‘velha’ uma pessoa com mais de 80 anos. Também a imprensa está se sensibilizando com esta nova realidade dos seus consumidores, mas ainda é preciso trabalhar mais a necessidade de um discurso eticamente justo que não exponha a imagem das pessoas de modo a ridicularizá-las, mas que valorize os aspectos positivos dos ‘novos velhos’ de nossos dias, que não trate os idosos pobres e humildes como segmento social sem nome, invisível, ao mesmo tempo em que só dá nome e sobrenome aos idosos que se destacam na sociedade, na economia, na política, nas artes etc. Como a Espanha já caminha para se tornar o país mais idoso do mundo escolhemos esse país para pesquisar o modo como a imprensa trata os mayores. Constatamos que o idoso é notícia todo o tempo em jornais como El País e ABC. Mas persiste a dualidade de tratamento e falta contextualização nas matérias de modo que as reportagens não apenas falem para o idoso, mas do idoso, como sujeito social, como pessoa humana que tem projetos e história de vida. Entretanto, para mudar o enfoque do jornalismo é preciso reexaminar as responsabilidades sociais do jornalismo: a notícia deve ser um produto à venda ou um serviço à sociedade? Quem vai mudar o jornalismo: os atuais jornalistas ou as novas gerações que estão nos bancos escolares? Que tipo de ensino é capaz de atualizar o discurso jornalístico: a especialização ou a generalidade? Como despertar o interesse dos jovens para esta questão? O mundo futuro verá um enfrentamento entre jovens e idosos ou será possível um mundo de respeito, solidariedade e fraternidade? Que podem fazer os jornalistas – jovens ou velhos – sem o fortalecimento do associativismo sindical já que não são donos dos meios onde trabalham? O que estamos plantando hoje para colher amanhã? Qual a função do jornalismo na sociedade atual? Pode-se comparar o tratamento que o idoso recebe na Espanha com o modo como ele é tratado no Brasil pela imprensa, pelo governo, pela sociedade?

2. Papel social do jornalismo

Quando Balzac caricaturava a imprensa, acerbamente, em meados do século 19, certamente o fazia em razão da falta de sentido do jornalismo da época. A trajetória do personagem principal de Ilusões Perdidas é de um jovem que sai de Angoulême, no interior da França, vai para Paris com o objetivo de viver como escritor e acaba ingressando no jornalismo onde se deixa levar pelas vaidades da corte, tornando-se exemplo do que não deve ser o jornalismo. É um livro obrigatório para todo estudante de Jornalismo, no mundo inteiro. Mudaram os tempos, o contexto sócio-político é outro, mas no jornalismo de nossos dias ainda resta essa preocupação de agradar o poder, de usar preferencialmente o poder como fonte de informação, de massagear o ego dos famosos, de imiscuir-se na vida privada das pessoas para ampliar a audiência e assim obter mais lucros com a publicidade… afinal, o jornalismo acabou se tornando mesmo o balcão de negócios que Honoré de Balzac previa e que hoje ele observa, de seu busto impávido sobre o humilde túmulo (um entre tantos) no cemitério Père Lachaise da sua idolatrada Paris.

Naquela época não havia escolas de Jornalismo. A profissão era apenas um aventureirismo. Só em torno de 1920, nos Estados Unidos, e no período de entre-guerras na Europa, portanto nas três primeiras décadas do século 20, é que surge a profissionalização do jornalismo, quase um século depois da crítica balzaquiana. Na época as incipientes escolas de jornalismo, na Europa, formavam apenas profissionais do tipo ‘generalista’ porque não havia recursos para a especialização que se pode ter hoje. Considerando-se, por exemplo, uma forte demanda da sociedade moderna por informações específicas sobre meio-ambiente, hoje existem mais de trezentas escolas, só nos EUA, que formam jornalistas especializados na temática ambiental e em fevereiro de 1990 foi criada a Society of Environmental Journalists (SEJ), hoje presente em mais de 30 países. Em 1993 surgiu em Paris a International Federation of Environmental Journalists (IEF), já representada em mais de 100 países. Em 1994 foi criada na Espanha a Asociación de Periodistas de Información Ambiental (APIA), passando a realizar, regularmente, o Congresso Anual de Periodismo Ambiental. Entretanto, conforme Parrat (2006: 34), acredita-se que o aumento do número de jornalistas ambientais na Espanha, nos últimos anos, deve-se mais ao empenho das novas gerações de profissionais que ao interesse das empresas de comunicação, a maioria das quais não considera o meio ambiente prioritário.

De um modo geral, os responsáveis pelos meios de comunicação preferem contar com jornalistas generalistas, capazes de cobrir qualquer assunto. Só os veículos economicamente mais fortes contam, na Espanha, com especialistas. Entretanto, no que se refere à temática ambiental, por exemplo, a falta de estudo sobre a matéria pode conduzir ao jornalismo meramente catastrófico ou a uma visão romantizada do meio ambiente. No entanto, como assinala Javier Rico [cf. Rico, J. Los profesionales de la información ambiental. Curso sobre Comunicación y Medio Ambiente, Valsaín,12 diciembre 2001, p. 2. Citado por Parrat (2006)], um bom jornalista ambiental tem que saber, em maior ou menor profundidade, de biologia (comportamento animal, diversidade e distribuição da flora), de química (substâncias contaminantes, causas do aquecimento global e dos danos à camada de ozônio), de gestão de empresas (auditorias ambientais, sistemas de gestão, consultoria e assessoria ambientais); direito (delito ecológico, legislação nacional e internacional, acordos da ONU) etc.

Neste artigo, especificamente, chamamos atenção para a responsabilidade social do jornalismo, principalmente com as pessoas idosas que estão se tornando uma pauta considerável do ponto de vista da ecologia humana, sem dúvida outro aspecto importante do meio ambiente. O homem idoso geralmente não é mais economicamente ativo, por isto é descartado como ‘objeto inservível’ pelo sistema capitalista lastreado na acumulação, o que prova a hipocrisia desse sistema que se diz preocupado com a pessoa humana (daí o antropocentrismo) mas que o abandona à própria sorte tão logo não lhe sirva mais como objeto de uso, como ferramenta de produzir riquezas. Por isto Darcy Ribeiro, em O Povo Brasileiro, usa a expressão ‘gastar pessoas’ quando se refere à exploração colonialista, à escravização, à submissão dos índios e à exploração capitalista do trabalhador.

As pesquisas sobre utilização dos meios de comunicação na urgente tarefa de educar para o meio ambiente, para o consumo sustentável, para a economia de recursos naturais, para a correta destinação do lixo etc. revelam certa resistência do grupo social da terceira idade, o que é compreensível se considerarmos que o capitalismo jamais se preocupou com essa questão e até, pelo contrário, sempre estimulou a corrida à natureza para extrair dela o máximo lucro o mais rápido possível. É por isto que o maior percentual de ativistas ambientais encontra-se entre os menores de 45 anos de idade, conforme pesquisa encomendada pela Consejería de Medio Ambiente da Junta de Andaluzia, publicada em Sevilha em 20062. A pesquisa também revela: ‘À medida que aumenta a idade dos entrevistados, reduz-se o percentual das respostas favoráveis à aceitação de medidas e condutas pró-ambientais, entre elas pagar mais caro pela água ou mais imposto sobre os combustíveis.’ No quesito ‘destinação do lixo’ os idosos informam que geram pouco lixo e não sabem como reciclá-lo. A conclusão dos pesquisadores é que ‘a falta de informação aparece como a principal barreira que inibe o comportamento pró-ambiental’. Eles também apuraram que o maior problema ambiental da Andaluzia é o excesso de ruído porque a legislação anti-ruído não é cumprida. Sem dúvida isto incomoda especialmente as crianças em desenvolvimento, as pessoas doentes que precisam de repouso e, naturalmente, os idosos, provocado stress, ansiedade e outros males.

A pergunta, então, é: tendo uma responsabilidade social, como os meios de comunicação poderão ignorar o segmento social da terceira idade, ou da quarta idade – como se diz na Europa – tanto em matéria de educação ambiental como de outros temas relacionados com a inclusão (ou reinclusão) se esse público está se tornando, cada dia mais, uma considerável força econômica (pelo consumo, pelo controle acionário de muitas empresas), política (com a organização em torno de candidatos que assumam defender os direitos do segmento) e social (com presença destacada na família e em todas as atividades sociais)?

3. A questão do idoso

Conforme dados do Instituto Nacional de Serviço Social – Inserso, órgão do Ministério do Trabalho e Assuntos Sociais do governo espanhol, os quatro milhões de espanhóis que nasceram na década de 1930, atualmente com 62 a 72 anos, ganharam uma sobrevivência média de 32 anos, uma vez que na década em que nasceram a esperança de vida rondava os 48 anos e hoje já passa de 80. As mulheres vivem seis anos, em média, mais que os homens. As estatísticas também mostram que se vive mais e se vive melhor, pois os problemas diretamente decorrentes da idade – como incapacidade, demência etc. – só se manifestam depois dos 80 anos. Hoje a percepção subjetiva da saúde é, para uma pessoa de 70 anos, igual à que tinha uma pessoa de 50 anos há três décadas, graças aos avanços da medicina.

Do ponto de vista sociológico, a terceira idade não pode ser vista como um bloco homogêneo e estereotipado como ocorria décadas atrás em que todos os idosos recebiam a mesma etiqueta de ‘inservíveis’, ‘aposentados’, ‘inúteis’, ‘problemáticos’… O envelhecimento, hoje, é visto como um processo de vida e a própria palavra ‘velho’ está ficando obsoleta para descrever pessoas de 70 anos em plena atividade física, econômica, social, intelectual etc. Os idosos não são todos iguais. São um segmento social como qualquer outro, repleto de variedades, modos de vida, visão de mundo distinta, projetos pessoais e de grupo, objetivos a serem atingidos. Costuma-se dizer, hoje, na Europa, que o envelhecimento começa aos 55 anos; a longevidade começa por volta dos 70 e a velhice propriamente dita chega somente aos 80. Mas esses marcos também não podem ser considerados determinantes quando analisamos o envelhecimento demográfico como um processo que ocorre de modo diferenciado para cada sujeito social. Alguém pode se considerar ‘idoso’ com 60 anos, enquanto outro, com mais de 70, sente-se muito bem disposto e segue atuando perfeitamente. É um modo de ver que ‘fratura’ o conceito de Terceira Idade, porque abre espaço a uma Quarta Idade antes não considerada e a uma variável enorme de estilos de vida porque cada pessoa é uma pessoa, é um sujeito social, não é, de modo algum, um grupo homogêneo e rotulável. Hoje os idosos não se identificam com a imagem que fazem deles os meios de comunicação e procuram afirmar um protagonismo que corresponda à sua real representação social por seu poder de consumo, sua força eleitoral, seu conhecimento sobre a vida, sua capacidade de orientar os mais jovens. Hoje o idoso está na Universidade Aberta à Terceira Idade. No caso da Espanha, eles também estão nas filas dos aeroportos porque o governo lhes assegura um desconto especial para viajarem.

Entretanto, a imprensa passa uma imagem ‘dual’ do idoso: ele tem nome e sobrenome quando se destaca socialmente, mas é anônimo e invisível enquanto grupo social ou quando envolvido em tragédias, pobreza, miséria. Para o primeiro grupo o valor idade é positivo, é acúmulo de saber, é domínio de uma técnica, uma arte. É expertise. Para o segundo a idade é fator negativo associado a ‘peso para a sociedade e para os serviços públicos de saúde e atendimento social’, conforme pesquisa encomendada pelo Inserso, em 2006, sobre as notícias publicadas em cinco jornais espanhóis de tiragem nacional a respeito do tema. Poucas vezes, ou quase nunca, os meios de comunicação valorizam o trabalho de pessoas idosas quando não são famosas. Também se observou que a aposentadoria é mais pesada para o homem urbano que para aquele do meio rural onde sempre há maior possibilidade de envolvimento com as tarefas diárias. Para o idoso urbano restam apenas as saídas ociosas, em muitos casos. Também se observou a aversão de todos às casas de repouso ou à solidão, enquanto a integração do idoso com a própria família é considerada o melhor caminho. Observou-se ainda que as crianças têm uma boa imagem dos avós e o mesmo ocorre com os filhos adultos. A única dificuldade de relacionamento está com os adolescentes e pré-adolescentes por causa das características próprias dessa idade.

O presidente da Golden Seniors – uma entidade que trabalha pela valorização da imagem do idoso na sociedade – Alfonso Perez [cf. MOYANO e JIMENEZ (2006)], observa que a sociedade tem medo de envelhecer, por isto os meios de comunicação evitam tratar do idoso enquanto tal, preferindo a caricatura, o ridículo, a tontería. Tem feito sucesso na Espanha um programa humorístico de televisão, em horário nobre, que mostra um casal de idosos agindo todo o tempo de modo ranzinza, intolerante, mutuamente agressivo chamado Escenas de Matrimonio. Programas assim reforçam o preconceito geral que firma um estereótipo equivocado da pessoa idosa. Muitos avós são, isto sim, pessoas carinhosas com seus netos, são o ombro amigo de filhos e noras, conselheiros de sobrinhos e primos, pessoas solidárias com os amigos, muitas vezes envolvidos com o voluntariado. Mas nada disso ‘é notícia’. Segundo Alfonso Pérez, é muito comum lermos nos jornais que os idosos consomem mais de 50% dos gastos farmacêuticos; 90% das visitas domiciliares; 48% da atenção primária; 47% do gasto hospitalar…

Ele não discorda que isto possa ser verdade. Mas pergunta por que nunca lemos ou ouvimos que 90% das pessoas com mais de 65 anos têm capacidade para ser úteis e para fazer várias coisas; que 72% não necessita nenhum tipo de ajuda; que 12% dos voluntários envolvidos com diferentes obras de ajuda à comunidade são pessoas com mais de 65 anos; que 70% dos idosos se sentem mais jovens do que a idade que apresentam etc. A imagem passada pelos meios só contribui para agravar, em muitos casos, a situação de angústia e abandono de muitas pessoas idosas que passam a se perguntar: ‘Para que sirvo eu?’

Sem dúvida este não é o comportamento ético que se deve esperar dos meios de comunicação, principalmente porque é exatamente o público idoso que mais ‘consome’ horas de TV (5 horas por dia, em média, na Espanha), leitura de jornais (enquanto os jovens preferem a Internet) etc. A própria publicidade é injusta com os idosos porque eles são os que mais têm poder de consumo e, no entanto, são ridicularizados pelos anúncios publicitários como pessoas incapazes de lidarem com as novas tecnologias em comparação com os mais jovens. Em outras regiões do mundo, como nos Estados Unidos, por exemplo, já estão ocorrendo mudanças expressivas no relacionamento da mídia com os idosos. Já existe um canal de televisão (Retirement Living TV) dirigido aos idosos com programas que aconselham sobre o manejo das finanças, que inclui perguntas constrangedoras – mas necessárias – aos médicos; que fala do sexo adulto; sobre boa alimentação, sobre viagens. Em dois meses o novo canal já tinha chegado a 24 milhões de lares americanos. A percepção social do idoso também se faz presente no próprio conceito de segmentação de mídia publicitária nos EUA e ao invés do antigo ‘faça você mesmo’, muitas agências já convencem seus clientes a usarem a expressão inversa: ‘Nós fazemos para você’ [cf. ARBISER, Florência. (2006). ‘¿Viejo yo?: el boom de los mayores’. In: La Nación. Buenos Aires, acessado en 23 de outubro de 2007].

Seria longo, ou mesmo interminável, expor aqui todas as mudanças sociais que estão ocorrendo em função do envelhecimento demográfico, em todo o mundo. Afinal, não se trata de esgotar o assunto, mas de se ter uma idéia do problema. Passemos a considerar, então, a análise de dois jornais representativos da imprensa espanhola sobre o tratamento da notícia relacionada com as pessoas idosas.

4. Mostra inicial e justificativa

Este levantamento cobre o último trimestre de 2007, mais exatamente a partir de 23 de setembro até o final do ano. Nesse período foram lidas e separadas oito edições do jornal El País. Também foram lidas 20 edições do jornal ABC. Nessa fase experimental foram igualmente lidas as edições de 02.10.2007 do Diario de Sevilla, de 12.10.2007 de El Mundo e de 09.11.2007 de La Razón. No conjunto foram lidas 31 edições de jornais espanhóis, totalizando 3.200 páginas. Devem ser excluídos cerca de 30% em publicidade e outros temas não jornalísticos, embora o tema do idoso também esteja presente em campanhas publicitárias e mesmo em atos oficiais publicados.

Embora os jornais, todos em formato tablóide, tenham sido comprados em banca, aleatoriamente – com exceção do ABC, adquirido em função de uma promoção natalina, fenômeno muito comum na imprensa espanhola – a decisão inicial já era pesquisar em um jornal mais à esquerda e em outro mais à direita do espectro político do país. Por isto a inclusão de El País, maior jornal da Espanha, citado no Brasil como exemplo de bom jornalismo e com circulação internacional. Não foi difícil escolher o jornal representante da outra arena ideológica porque o próprio ABC se declara um jornal a favor da monarquia e das tradições, o que não lhe tira o mérito de ser um bom jornal, o segundo do país, com ampla circulação nacional e com tiragens simultâneas em Madri e Sevilha. A leitura dos outros três jornais foi apenas para ‘oxigenar’ a mostra principal.

5. Mostra definitiva

Considerando o material recolhido, o pesquisador entendeu que seria necessário equilibrar a mostra em busca de uma pesquisa justa, conforme a metodologia da Análise Comparativa, de Bardin (1988) que consiste em mapear expressões referenciais para determinar a intencionalidade do texto de modo que, no final, se possa fazer uma análise crítica do material coletado, o que dará sustentação às conclusões da pesquisa. Por isto foram descartados os exemplares dos dois principais jornais que não tivessem circulado aos domingos. Todos sabemos que aos domingos os jornais circulam com edições ampliadas e com a participação dos seus melhores quadros redatoriais. Com tal medida, a mostra foi reduzida para 7 edições de El País e 6 edições do ABC, mantendo-se os três jornais avulsos El Mundo, La Razón e Diario de Sevilla, totalizando, então, 16 exemplares de jornais lidos e anotados.

6. Análise

Foi observado que os jornais não têm o costume de citar obrigatoriamente a idade das pessoas entrevistadas logo após o nome como já se convencionou no Brasil. Trata-se de uma providência fundamental porque o fator idade é uma componente determinante na voz do falante e contribui para ‘explicar’ melhor a matéria, facilitando o bom entendimento do leitor, que é o que todos procuram quando se trata de comunicação. Entretanto, quando se trata de pessoas idosas de destaque, então sim a idade é valorizada como se pode observar na reportagem que o jornal El Mundo publicou em sua edição nº 6.508, de 12.10.2007, páginas 56 a 60, sobre a escritora rodesiana, residente em Londres, considerada precursora do feminismo, Doris Lessing, ganhadora do Prêmio Nobel de Literatura-2007: ‘Más de 88 años ha visto transcurrir Doris Lessing para ver reconocido su genio’.

Na mesma edição, na página de Opinião, o articulista Antonio Gala cita expressamente a idade da escritora – aliás, informa, 87, e não 88, como no interior da edição – e comenta que ela foi agraciada por sua capacidade para transmitir a épica feminina. Também nessa página, outro articulista, Luis Maria Anson, membro da Real Academia Espanhola, passa as impressões que teve ao encontrar-se com Lessing pela primeira vez tempos antes: ‘Era una anciana vivaz y lúcida. Me pareció más una profesora de ética que una novelista’.

Entretanto, quando se trata de pessoas comuns, a informação sobre a idade não é considerada importante, como na publicação da página 2 em que o leitor Miguel Perez reclama dos semáforos de Sevilha. Ele diz que o sinal verde fecha rápido demais e muitas vezes as pessoas ainda estão no meio da rua e dependem da boa vontade dos motoristas em esperar um pouco mais. Pelo teor da reclamação, subentende-se que o reclamante é uma pessoa idosa, pois normalmente os jovens não fazem esse tipo de reclamação. Assim, a informação sobre a idade deveria ser um critério sistemático.

Deve-se levar em conta, entretanto, que a imprensa espanhola publica muito mais informações de interesse dos idosos que no Brasil. Qual jornal de grande circulação, no Brasil, teria interesse em informar o início do ano letivo da Universidade Aberta à Terceira Idade da USP, da PUC-SP, da Unesp? Mas a citada edição de El Mundo publicou uma notícia de 20 linhas por quatro colunas, cerca de um oitavo de página, na página 5, sobre o tema, com o título ‘El Aula de la Experiencia crece’, dando conta da Aula Inaugural do Curso 2007/2008 da Terceira Idade na Faculdade de Comunicação da Universidade de Sevilha, ministrada em 11.10.2007. Vejamos agora como o periódico La Razón aborda a questão do idoso. Na edição n. 3.267, de 09/11/2007, publica reportagem de página inteira (pág. 45) sobre as mudanças que o governo espanhol está preparando para o ensino universitário a partir do curso 2010/2011, quando as disciplinas deverão ter, todas, um viés de valorização da democracia e da cultura da paz. Informa que os planos das novas disciplinas deverão levar em conta os Direitos Humanos. Esta seria uma oportunidade de dar mais detalhes sobre a matéria, inclusive sobre a abordagem que receberá a própria Aula de la Experiencia que é uma atividade fortemente inclusiva e de valorização da cidadania. Entretanto falta esta abordagem. Na página 56 há outra matéria de interesse dos idosos. Nela o jornal informa que o setor de Tecnologias da Informação e Comunicação-TIC, está em plena expansão na Espanha e cresceu 9% em 2006, movimentando recursos de 95,325 milhões de euros. Também aqui está oculta a referência possível ao segmento social da terceira idade, uma vez que a União Européia conta com diversas normativas que beneficiam a terceira idade através do incentivo ao desenvolvimento das TICs, tanto incentivando produtos comunicativos voltados para a terceira idade como o setor de construção civil, de produtos domésticos, de arquitetura e urbanismo etc.

Em todas essas matérias percebe-se que falta ‘pensar na perspectiva do idoso’. Falta contextualizar as matérias do ponto de vista desse público que é o leitor preferencial dos jornais, enquanto o público mais jovem revela-se mais envolvido com mídias de última geração como a internet.

O terceiro jornal analisado foi o Diario de Sevilla, edição número 3.113, de 02/10/2007. Na página 5, de opinião, o articulista Carlos Colón analisa o suicídio de um casal de octogenários franceses – o pensador André Gorz, 84, e sua mulher, de 83. Critica o debate sobre a pena de morte em andamento no Comitê Nacional de Bioética, que trata do direito de cada pessoa decidir sobre o seu próprio corpo. Aqui há dois problemas: a idade da mulher é citada como parte da informação, mas o nome dela não, como se fosse uma ‘não pessoa’. Também não há reflexão sobre os motivos que levam uma pessoa, seja idosa, seja um doente terminal, a exigir a eutanásia ou o fim do sofrimento. Naturalmente o tema é delicado e nem sempre o jornal quer se arriscar por esse caminho. De qualquer modo a matéria fica incompleta. A notícia limita-se ao impacto contido nela mesma, mas não avança para a discussão, a contextualização.

El País, em sua edição número 11.061, de 23/09/2007, publicou pelo menos três matérias relacionadas com os idosos: uma entrevista com o ator Manoel Alexandre, de 90 anos (pg. 88); uma reportagem sobre a lei anti-tabaco (pg. 49) e uma descoberta científica sobre a forma de medir fisicamente a gravidade da depressão (pg. 48). A principal delas, da página 49, diz que ‘el tabaquismo es el principal problema de sanidad andaluza. La Ley Antitabaco fue promulgada en enero de 2006 para intentar poner freno al ingente problema de salud publica con la prohibición de fumar en el puesto de trabajo y su restrición en bares y restaurantes’. Entretanto, segundo o Ministério da Saúde, embora a lei tenha reduzido em 700 mil o número de fumantes, a venda de cigarros caiu apenas 0,26% entre 2006 e 2007. Também é notório que os espanhóis não levam muito a sério a proibição de não fumar em bares e restaurantes. O fato é que morrem 56 mil pessoas na Espanha, todos os anos, por patologias associadas ao tabaquismo. Em Sevilha, por exemplo, o cheiro do cigarro está por toda parte. Fuma-se muito. Tanto que o governo municipal começou a instalar, em janeiro de 2008, recipientes em vários pontos das calçadas para que as pessoas parem de jogar os tocos de cigarro nas ruas.

Como já foi observado, é quase impossível abrir um jornal espanhol e não deparar com temas de interesse direto das pessoas idosas. Esta mostra aleatória comprova isto. Na edição n. 11.075, de 07/10/2007, El País publica na página 40 uma reportagem sobre os artistas plásticos de Córdoba Juan Serrano e José Duarte, criadores, em Paris, do coletivo Equipo 57, em 1957, agraciados com a Medalha de Honra pela prefeitura de Córdoba. Também faz uma homenagem póstuma, na página 56, ao folclorista, músico e escultor catalão, veterano da luta contra a ditadura franquista, Toni Roig, falecido aos 61 anos na semana anterior. Registra que desde sua ilha, Palma de Maiorca, ele proclamava aos fascistas: ‘No nos haréis callar aunque nos quitéis la vida.’ Mas a principal matéria dessa edição é sobre o problema da habitação no país. Na página 74 o jornal dá conta de uma passeata em Madri e em grandes cidades espanholas onde os jovens criticavam a ajuda de 240 euros oferecida pelo governo para os jovens pagarem o primeiro aluguel ao saírem de casa para formar família. ‘Gente sem casas, casas sem gente’, dizia um cartaz em protesto contra a especulação imobiliária que mantém mais de três milhões de casas fechadas enquanto milhares de pessoas não podem arcar com o peso das hipotecas que endividam o país, ou com os pesados aluguéis. É curioso notar, entretanto, uma voz isolada no contexto da matéria: ‘O acesso à casa própria não é um problema apenas dos jovens’, protestava na manifestação de rua, em Madri, Gonzalo, de 60 anos… Está claro que ele tem toda razão, mas sequer seu nome completo foi publicado porque não há uma preocupação direta com a questão dos idosos que acabam dependendo do assistencialismo oficial e da boa vontade da sociedade para terem onde viver, muitas vezes de favor.

A edição analisada a seguir é a de número 11.082, de 14/10/2007. Ela publica pelo menos cinco matérias sobre temas que chamam a atenção do idoso pelo seu conteúdo histórico ou informativo: Pág. 28-Reportagem de meia página sobre a retirada de monumentos do ditador Franco, relacionada com a Lei de Memória Histórica em tramitação no Parlamento; pág. 32 – Depoimentos de idosos, em página inteira, sobre a inundação que atingiu Alicante; pág. 37 – Artigo de crítica ao ex-alcalde de La Carolina (Jaén) Don Ramón Palácios, de 87anos, que se recusa a abandonar a política e faz malabarismos eleitorais para permanecer candidato. Termos como ‘su ya dilatada carrera’, ‘por si fuera poco’ (pois o político também quer eleger sua filha vereadora), ‘saga familiar vinculada al poder durante el último medio siglo’, ‘personalista’… não deixam dúvidas sobre a intenção de condenar o procedimento do político do PP que costuma dizer: ‘Voy a aguantar mientras la salud me respete. Franco murió governando y yo voy morir de alcalde’; pág. 55 – Necrológio do arquiteto japonês Kisho Kurokawa, falecido dia 12 de outubro em Tóquio; pág. 75 – ‘Italia y Francia afrontam la reforma de sus pensiones’, informa o título. O subtítulo diz que ‘Los italianos aprueban elevar a 58 años la edad para jubilarse. París quiere endurecer los `regimes especiales´.’ Assinada por Andrea Rizzi, a notícia dá conta que França e Itália ocupam as últimas posições européias no que se refere à taxa de emprego para pessoas que têm entre 55 e 64 anos. Informa ainda que desde os anos noventa o gasto da Itália com pensões é o mais alto da Europa. Em 2004, a Itália dedicava ao sistema de pensões o equivalente a 14,7% do seu PIB (a exemplo da Áustria: 14%), enquanto a Alemanha investia 13,3%, França 13,1%, Espanha 9,2%. Atualmente as pessoas se aposentam na Itália com 57 anos. Agora, com a nova lei aprovada pelo governo de Romano Prodi, essa idade subirá para 58 e gradualmente chegará aos 60, conforme já havia sido aprovado no governo anterior, de Silvio Berlusconi. As reformas refletem a preocupação de vários governos europeus com o elevado gasto previdenciário devido a longevidade que decorre do estado de bem estar social mas também sobrecarrega os cofres públicos.

É uma notícia de muito interesse, mas que podia dar mais detalhes sobre o que ocorre na Espanha, contextualizando a informação.

Pelo menos outras cinco matérias diretamente relacionadas com o interesse dos idosos foram publicadas na edição número 11.089 de El País que circulou em 21/10/2007. Na página 20 o jornal informa: ‘Pasqual Maragall revela que padece Alzheimer desde hace unos meses’. Trata-se do ex-prefeito de Barcelona e ex-governador da Catalunha, de 66 anos. Alem da notícia, o jornal publica, corretamente, um box sobre a doença. Na página 41 há uma boa crônica, escrita pelo próprio Pasqual, em que ele reduz a gravidade da doença jogando com as palavras ‘Alzheimer’ e ‘Eisenhower’. A crônica passa várias informações sobre centros médicos de todo o mundo que estão buscando a cura da doença, deixando claro que o político está preocupado com sua saúde, ao contrário do que tenta deixar transparecer para tranqüilizar os eleitores. Segundo suas pesquisas, no ano 2050 haverá 16 milhões de enfermos de Alzheimer só nos Estados Unidos. ‘Estamos diante de uma epidemia’, diz John Morris, facultativo da Washington University de St. Louis. Escreve ainda o cronista: ‘Gracias a los avances médicos, hoy sobrevivimos mucho más años de aquellos para los que genéticamente estábamos programados. Y es probable que muchos de los que ahora tenemos más de sesenta años de edad experimentemos la dura realidad de este efecto colateral del progreso médico.’

A reportagem seguinte, na página 42, retoma a questão do hábito de fumar, revelando a preocupação do jornal com esse mal que atinge a Espanha onde os acidentes de trânsito – sempre noticiados com destaque – matam 4 mil pessoas por ano, enquanto o cigarro consome silenciosamente 56 mil vidas, em igual período. Depois de uma entrevista com o cineasta de 68 aos Francis Ford Copola, na página 51, o jornal também aborda questões mais pertinentes aos idosos no Caderno Andaluzia, nas páginas 3 e 4. A matéria da página 3, sobre saúde bucal preventiva é excelente. Ela denuncia que os partidos no poder disponibilizam grandes verbas para esse setor, mas a burocracia, a triagem e até mesmo o desinteresse ou a falta de informação da clientela potencial etc. acabam levando o atendimento de fato a um número bem menor de pessoas. Cita o Plano de Controle Odontológico Gratuito para os maiores de 65 anos: De 1.165.000 idosos inscritos somente 499.439 foram de fato atendidos em 2006. Os dirigentes da saúde reclamam que são os idosos que não procuram o atendimento. Ignora-se que muitas vezes o idoso não pode ir sozinho ou, se tem de esperar muito não volta mais, mesmo sabendo que além do controle dental também passam pela medição da pressão arterial, exame de vista, exame da audição e provas para detectar problemas cardíacos, oncológicos, diabetes, incontinência urinária, depressão… afinal, um check-up completo etc. que também beneficia crianças menores de 16 aos.

Duas reportagens da edição 11.096, de El País, de 28/10/2007, falam de perto ao idoso espanhol sempre tão atualizado em matéria de história política e direitos humanos. Na pág. 19 e nas quatro seguintes, uma reportagem documental retrata o momento histórico vivido por toda a Espanha democrática que foi a posse do presidente socialista Felipe Gonzáles no dia 28 de outubro de 1982, em meio a rumores de golpe. Depois, na página 30, uma reportagem trata do trabalho doméstico da mulher, mas não cita o papel da mulher idosa nessas atividades, muitas vezes a avó que leva os filhos à escola, à Igreja etc. ou que convive com os netos para que os pais possam trabalhar fora…

A última edição aqui analisada de El País é a de número 11.103, que circulou em 04/11/2007. Aqui há uma reportagem nas páginas 18 e 19, cujo título é ‘La fábrica de una mentira’, em que o jornal El Mundo é acusado de, juntamente com o então presidente do PP, José Maria Aznar, ter colocado em circulação a versão de que o atentado que matou 119 pessoas no metrô de Madri em 2004 fora perpetrado pelo ETA, quando ficou provado, com condenação judicial prolatada em outubro de 2006, que o bando era de origem muçulmana. Não se trata de uma matéria sobre idosos, mas que, naturalmente, chamou a atenção de todos os espanhóis, principalmente os mais vividos que muito já sofreram com tanta violência política no país. Na página 26 o jornal volta a abordar a Lei de Memória Histórica, lembrando que ‘recordar es resistir’. Entrevista antigos lutadores contra o franquismo que agora poderão ser condecorados e um deles, José Manuel Montorio, de 86 anos, que precisou se esconder em montanhas e fugir para a França, na época, indaga: ‘Que nadie se confunda. A mi me dan importancia ahora porque no quedan más; no he sido importante ni en la guerra civil ni con Franco, solo cuando me he hecho viejo’. A lei declara o caráter radicalmente injusto de todas as condenações, sanções e quaisquer formas de violência pessoal produzida por razões políticas, ideológicas ou de crença religiosa durante a Guerra Civil, assim como as sofridas pelas mesmas causas durante a ditadura. Na página 38 um leitor quer saber quando o salário mínimo na Espanha chegará a 800 euros (contra os atuais 600) ou a mil, como esperam os trabalhadores. Depois há uma reportagem sobre o ex-presidente Manuel Araña nas páginas 46 e 47 que certamente mexe com a memória dos que vivenciaram aqueles idos da década de 1930.

Vamos agora de ABC, como se diz em Sevilha. A primeira edição analisada é a de número 33.569, publicada em 11/11/2007. Nas páginas 16, 17 e 18 há uma reportagem de aprofundamento sobre um tema de grande repercussão social em toda a Espanha, hoje. É o divórcio. Dados do Instituto de Política Familiar revelam que aumentou em 20% o número de separações matrimoniais nos últimos dois anos, no país. Na província de Sevilha o percentual é quase o dobro no período de 1995 a 2006. Também aumentou bastante a idade mínima com que os sevilhanos se casam. Atualmente os homens se casam com 31,7 anos em média, e as mulheres com 29,5. Em 1990 a relação era de 28,3 para eles e de 25,6 para elas. Em 1980 era de 26,5 e 23,9. Os dados também revelam que, no país, 20% das separações ocorrem nos primeiros cinco anos do casamento. Na mesma reportagem o advogado matrimonialista e presidente da Associação Espanhola de Família, Luis Zarraluqui, diz que as facilidades burocráticas criadas pela nova Lei do Divórcio que entrou em vigor em 2005, conhecida como ‘Divorcio Express’ acelerou esse processo de dissolução social, por isto ele prevê que em breve, na Espanha, a metade dos casamentos estarão desfeitos. Mas ele também lembra que isto decorre das próprias condições do mundo moderno, destacando, por exemplo, que na sociedade atual já não há mais tanta pressão como antigamente contra as pessoas separadas ou divorciadas. As mulheres agora são menos dependentes economicamente e têm seus próprios projetos de vida. Também há o fato de que a nova lei prevê o caso de sentenças em que não se reconhece o direito à pensão quando a mulher tem posição econômica melhor que a do companheiro.

Quanto ao fato das separações serem mais freqüentes na província de Sevilha, o Instituto de Política Familiar reclama da falta de apoio da Junta de Andalucía, lembrando que não basta o governo espanhol dar uma ajuda de 2.500 euros por cada filho que nasce, pois ao longo da infância gasta-se muito mais: ‘Desde o nascimento de um filho até que ele tenha três anos de idade é quando os pais têm a maior despesa, chegando a aproximadamente 7.400 euros.’ A reportagem também cita outro fator importante nessa questão: ‘O progressivo envelhecimento da população e o baixo índice de natalidade na comunidade autônoma andaluz, que em 2006 foi de 1,46 filhos por mulher contra a média nacional de 1,32.’ Também poder-se-iam acrescentar os problemas de desemprego, o peso das hipotecas que desestruturam a economia familiar e, em seguida, a própria falência da união matrimonial nos moldes tradicionais.

Para analisar esta matéria deve-se reconhecer o seu mérito no aprofundamento da questão, mas também é possível dizer que ela poderia ter discutido o papel dos meios de comunicação em todo esse processo. Também deve ser considerado o fato de que a Espanha será o país mais idoso do mundo em 2050 e analisar essa perspectiva seria também importante.

Na edição n. 33.576, de 18/11/2007, o jornal publica uma reportagem sobre a Lei de Promoção da Autonomia Pessoal e Atenção a Pessoas Dependentes – ou Lei de Dependência – aprovada em dezembro de 2006, mas que só no final de 2007 começou a distribuir os benefícios. Informa que apenas duas famílias sevilhanas estão entre as primeiras beneficiadas com a nova lei, apesar de pelo menos 50 famílias de toda a Andaluzia terem comprovado a necessidade da ajuda por terem pessoas dependentes em casa. A ajuda mensal é de 312 euros. A reportagem lembra ainda que além dessas 50 famílias cujos processos foram aprovados, chega a 57.000 a quantidade de pedidos de famílias andaluzas que se consideram com direito aos benefícios da nova lei. A demora no atendimento decorre da necessidade de se estudar os pedidos caso a caso.

Também aqui caberia uma investigação maior na lista de pedidos para localizar os casos de dependência relacionados com pessoas idosas.

Outra reportagem de interesse social está na página 40, sobre a situação econômica da população, sob o seguinte título: ‘En Andalucía hay 75,8 pobres para cada rico’. Segundo o Observatório Social da Espanha, a Andaluzia está em quinto lugar no número de pobres por cada rico, após Extremadura, Castilla y León, Comunidad Valenciana e Galicia. Em Extremadura são 182 pobres por cada rico. Em Castilla y Leon, são 118. No extremo contrário estão Madri, com apenas 11 pobres por cada rico, e Catalunha, com 22. Entre esses extremos situam-se as demais comunidades com os seguintes números: Baleares – 40,7 pobres por cada rico; Cantabria – 42,2; Canárias – 48; Aragon – 49,1; La Rioja – 50,2; Castilla-La Mancha – 50,4; Astúrias – 60,1; Murcia – 70,9; 75,8 – Andalucía; Falícia – 80; Comunidad Valenciana – 84,5. A pesquisa do Observatório confirma a extrema desigualdade regional na distribuição da renda na Espanha, o que nos faz lembrar imediatamente do Brasil.

Qual a relação entre pobres e idosos? Quantos dessa população pobre têm mais de 65 anos? Qual o perfil da renda das pessoas idosas na Espanha? Esta relação, a reportagem não faz porque a questão do idoso ainda não está suficientemente pautada nos meios de comunicação.

O ABC de 02/12/2007, edição número 33.590 destaca, na página 23, um concurso de presépios de natal feitos com doces no qual as 30 pessoas concorrentes são da faixa dos 80 anos. Aqui sim, o fato mais importante não é a manufatura dos presépios em si, mas a própria vida dos mayores. A reportagem informa que esse tipo de trabalho que reúne os idosos é uma iniciativa da Fundação Jorge Queraltó, criada em 2004 com o objetivo de fomentar a qualidade de vida dos idosos incentivando a criatividade através da participação social, desenvolvendo sua atividade no campo da formação e da investigação.

A edição número 33.597, de 9/12/2007 informa, na página 15, que a Igreja de Sevilha atende 168 centros de idosos, imigrantes e sem teto. Em Sevilha, mais de 300 pessoas moram nas ruas, algumas por opção própria, outras por falta de condições materiais.

7. Conclusões

O princípio da responsabilidade social recomenda que o jornalismo contribua com o empoderamento dos grupos sociais que carecem de uma imagem pública mais à altura de seu papel na sociedade. Como já vimos, do mesmo modo que a imprensa deve renunciar à dualidade no tratamento de idosos com nome e idosos sem nome, também é necessário que o governo, a sociedade e os meios de comunicação compreendam que os idosos não constituem um grupo homogêneo e só visível a partir do uso que faz dos serviços sociais. Há comunidades de idosos que necessitam da ajuda de agentes externos para o seu empoderamento e há idosos que já têm a oportunidade de uma participação maior, através da volta à Universidade, do voluntariado, de alguma atividade que os mantém ocupados e saudáveis. De qualquer modo, se a mídia – tanto o jornalismo como os programas de entretenimento e mesmo a publicidade – adotasse um tratamento mais justo, valorizando a imagem positiva do idoso e não as suas limitações físicas – afinal, as temos em todas as idades, de diferentes modos –, provavelmente a sociedade seria mais inclusiva com o idoso.

******

Jornalista, professor de Jornalismo na Unesp/Bauru, doutor pela ECA-USP