Monday, 29 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Domingo Espetacular e o jornalismo fashion

No Domingo Espetacular de domingo (8/2), Paulo Henrique Amorim fez uma reportagem especial na favela de Paraisópolis em São Paulo, onde houve protesto de moradores contra a violência da PM paulista. Paulo Henrique entrevistou moradores, supostas vítimas de policiais truculentos, advogados de supostas vítimas da PM, a própria PM. No final da reportagem especial, Paulo Henrique foi até São Mateus, na zona leste de São Paulo, onde jovens da comunidade desenvolvem projeto social utilizando ferramentas como vídeo e internet.

Paulo Henrique Amorim é um tipo em extinção no jornalismo. Ex-TVs Globo, Bandeirantes e Cultura, ex-revista Veja e Jornal do Brasil nos tempos áureos, onde ocupou a direção de Redação, ele tem vivência de assuntos que exigem bastante tarimba profissional. Uma das situações jornalísticas onde se espera preparo é na cobertura de guerras. Outra, é em situações de conflito social, situações essas corriqueiras em nosso subdesenvolvido Brasil, apesar dos apelos ufanistas da era pré-sal. E nestes casos, quando há a explosão e o caos social causado pela nossa’cordialidade’, associada a uma grande dose de cinismo de nossa elite, é necessária uma investigação bem feita e uma reportagem produzida com tempo e material suficiente para uma análise satisfatória dos fatos. Não é aquela reportagem feita com a repórter inexperiente, segurando assustada o microfone com dois temores em mente – de não ser roubada na favela durante a reportagem, nem de que seus cabelos fiquem desarrumados caso vente ou chova.

Matérias poéticas

PHA é o mais novo cristão novo do reino midiático de Edir Macedo. Às vezes penso que ele é o alter ego do próprio Macedo. Paulo Henrique às vezes exagera no ufanismo rastaquera iurdiano. São famosas as suas recentes investidas contra a Rede Globo e o império do mal. Pode-se até discordar de suas recentes atitudes, mas ele ainda empresta credibilidade a qualquer produto jornalístico, mesmo que seja um produto jornalístico produzido na obtusa Rede Record.

Eis que, então, ele vai lá à comunidade (eufemismo iurdiano para favela), entrevista todo mundo, suja com coliformes fecais liquefeitos seu sapato, come sanduíche de mortadela com os jovens de São Mateus numa desenvoltura e naturalidade impossíveis se a matéria tivesse sido feita por sua colega fashion Fabiana Scaranzi, pelo âncora William Bonner ou mesmo pela apresentadora namoradinha do Brasil, Patrícia Poeta. É preciso gabarito e anos de redação para uma epopéia tal.

Além de PHA, há outros jornalistas que sabem lidar sem melindres com o tema tabu da miséria. Alguns podem ser encontrados na Rede Globo. Temos Marcio Canuto, com suas entrevistas da tríade’churrasco de lingüiça na laje/problemas de transporte público/merenda escolar’. Canuto é mestre do improviso e sua irreverência até constrange alguns entrevistados. Também há a repórter Neide Duarte, que com suas matérias poéticas (um tanto enfadonhas) mostra uma visão diferente dos problemas da população e da cidade como um todo.’O rei Sol desponta avisando ao mar paulistano que é hora do batente’ é algo comum em suas reportagens.

É possível ser imparcial

O jornalismo atual, pautado na linha entretenimento – vinhos, São Paulo Fashion Week e notinhas de celebridades –, desdenha completamente dos problemas que ocorrem em Paraisópolis ou territórios alhures similares no quesito’estamos entre as piores distribuições de renda mundo’. O jornalista, antes idealista e arrojado, hoje dá lugar ao cinismo característico de nossa época. Algum repórter inexperiente que se aventure a fazer uma reportagem em lugares de alta vulnerabilidade pode sentir-se constrangido e complacente. Daí para os chavões e amenizadores da realidade é um passo. O pedreiro é’um batalhador que quer o melhor para os filhos’, a viúva’mostra na face marcada pelo tempo a sabedoria popular’ e toda e qualquer’almeja um futuro melhor’. A falta de bom senso e visão coletiva é latente.

Esse é uns dos malefícios que o jornalismo Chanel pode trazer. Paulo Henrique Amorim deu uma amostra de que é possível ser imparcial, e não ser refém do pieguismo, numa situação tão delicada como esta, envolvendo pobreza, injustiças sociais e presumida parcialidade de outros veículos de comunicação.

******

Professor de inglês