Monday, 29 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Governo amplia controle sobre imprensa

O ano de 2012 promete ser o mais complicado para a liberdade de imprensa na Argentina desde a volta da democracia, em 1983. De acordo com analistas políticos e profissionais da área de comunicação, o governo da presidente Cristina Kirchner deve usar todas as ferramentas ao seu dispor para intensificar a pressão contra a imprensa não alinhada à administração.

Segundo jornalistas e parlamentares, Cristina, reeleita em outubro para um segundo mandato, usará sua ampla maioria no Parlamento, as organizações de militantes kirchneristas, a máquina estatal de comunicação e grupos empresariais aliados para atingir esse objetivo. A maior parte das pressões seria direcionada contra o Grupo Clarín – a maior holding multimídia do país – rotulado pelo governo de “inimigo midiático”.

Um parlamentar aliado a Cristina disse sob condição de anonimato ao Estado que a meta, neste ano, é concretizar a ordem dada pelo ex-presidente Néstor Kirchner (2003-2007), que morreu em outubro de 2010, para “colocar o Clarín de joelhos”.

Como presente de Natal para a viúva, parlamentares kirchneristas aprovaram a lei que declara “bem de interesse público” a produção, distribuição e comercialização do papel-jornal, concentrada na fábrica Papel Prensa, propriedade dos jornais Clarín, La Nación e do Estado argentino. A nova lei, já em vigor, permitirá ao governo aumentar sua participação acionária na Papel Prensa até ficar com seu controle total.

Acusações

A oposição afirma que Cristina pretende realizar uma “estatização encoberta” e o governo distribuirá mais papel para os jornais simpatizantes e menos para os meios críticos. O governo retruca e afirma que seu objetivo é “democratizar” a informação e eliminar o poder dos “monopólios”.

Fontes do meio empresarial afirmam que o governo está tentando uma “manobra de pinças” contra a imprensa Elas temem que em 2012 Cristina consiga desbloquear na Justiça os recursos que atualmente impedem a aplicação plena da Lei de Mídia, que estabelece duras restrições aos grupos de comunicação.

Esta manobra inclui a criação de um fornecedor estatal de internet e a implementação de uma rede estatal de transmissões digitais.

Além disso, o governo está usando a agência estatal de notícias Télam para aumentar sua influência, já que fornecerá serviços gratuitos para os jornais do interior do país. A diretoria da agência deixou claro recentemente que o conteúdo de seu jornalismo será “militante”.

“Nunca, desde a volta da democracia, em 1983, nós jornalistas não alinhados com um governo tivemos tantos problemas”, afirmou Luis Majul, jornalista e autor de O Dono, livro que relata os negócios obscuros do casal Kirchner.

Na mesma sintonia, o jornalista e advogado Adrián Ventura sustenta que desde a aprovação da Lei de Mídia “o governo conseguiu encolher o espaço no qual se move a imprensa independente”.

“O governo encara a imprensa não alinhada como um bando de conspiradores”, disse o colunista político Carlos Pagni. “Os populistas apresentam como ‘democratização da informação’ aquilo que, na verdade, é estatização da mesma. Nesse contexto, eles consideram que o líder é a única pessoa que interpreta 100% a vontade do povo.”

Segundo Pagni, um dos problemas é que a oposição, que deveria fiscalizar as ações do governo, está em um “imenso estado de letargia”.

“Amigopólio”

Analistas usam o irônico termo “amigopólio” para definir o grupo de meios de comunicação aliados à administração Kirchner.

Segundo eles, do lado do governo existem os meios de comunicação públicos (universidades e organizações sociais aliadas à presidente que obtiveram licenças graças à Lei de Mídia), os paraestatais (grupos privados que subsistem graças às verbas públicas), os cooptados (empresas de mídia adquiridas por empresários amigos do governo) e os dependentes (existentes antes do governo Kirchner, mas que mudaram de tendência em troca de generoso financiamento estatal).

De acordo com estes analistas, “os meios independentes deixaram de ser a regra e passaram a ser raras exceções” na imprensa argentina.

Martín Etchevers, gerente de comunicações externas do Grupo Clarín, disse que as perspectivas para o jornalismo em 2012 “não são estimulantes”.

“Os sinais indicam que ocorrerá uma radicalização na ofensiva do governo contra todas as vozes que não estejam alinhadas ao discurso oficial. As ações de confisco encobertas com máscaras legais ou medidas administrativas são os outros riscos”, disse Etchevers.

O executivo afirma que o Grupo Clarín pedirá a impugnação de “todas as regulações e atos administrativos que deixam vulneráveis as garantias constitucionais”. Segundo Etchevers, “aumenta dia a dia o uso cada vez mais arbitrário dos fundos públicos ou a aplicação seletiva de regulações para castigar meios de comunicação críticos e premiar os aliados do governo”.

Pagni ressalta que os poucos funcionários do governo que aceitam falar com a imprensa “morrem de medo de ser descobertos pela presidente, que ordenou que não falem com os jornalistas fora da lista aceita pelo governo”.

O colunista relata que, recentemente, para poder falar com um integrante do governo, teve de encontrar-se com ele clandestinamente dentro de uma loja de eletrodomésticos na Rua Florida. “Ele me pediu para encontrá-lo às 9 horas, quando não havia clientes, no terceiro andar, atrás das geladeiras, para não ser visto.”

Internet

Além de controlar a mídia impressa, o governo Kirchner pretenderia estabelecer controles sobre o mundo virtual, já que a fiscalização e os registros de domínios de internet passarão ao recém-criado Departamento Nacional de Registros de Domínio de Internet.

O organismo ficará na órbita da Secretaria Legal e Técnica da Presidência da República, comandada por Carlos Zanini, o “cérebro” jurídico do pequeno círculo de estrategistas da presidente Cristina.

***

Perón tentou “asfixiar” mídia

Definido em 1945 pela revista Time como um dos mais respeitados jornais do mundo na primeira metade do século 20, o portenho La Prensa tornou-se o símbolo do confronto que o presidente Juan Domingo Perón protagonizou nos anos 40 e 50 contra a imprensa não alinhada ao seu governo. O jornal foi atacado pelas rádios ligadas aos peronistas e enfrentou uma campanha oficial que promovia o boicote da compra de seus exemplares. Os anunciantes também eram pressionados a não colocar publicidade nas páginas do La Prensa. Na sequência, Perón implementou um racionamento de papel que fez o jornal encolher das 40 páginas costumeiras para apenas 12. Em 1950, o governo confiscou as rotativas importadas pelo jornal e as destinou para o Democracia, publicação editada pelo Estado. Com a aprovação do Parlamento, com maioria peronista, o jornal foi confiscado e entregue à Confederação-Geral do Trabalho (CGT).

***

[Ariel Palacios é correspondente do Estado de S.Paulo em Buenos Aires]