Wednesday, 09 de October de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1308

É cedo para primavera cubana

Yoaní Sánchez é a mais conhecida blogueira de Cuba e, para muitos de fora da ilha de Fidel Castro, é também a voz mais importante de oposição ao regime comunista. Ela é ao mesmo tempo, no entanto, uma filóloga cuja recusa em lesar a língua espanhola só é comparável a seu amor pelos tweets de 140 caracteres.

A solução dessa contradição é um dos menores desafios com que se defronta Sánchez como ativista cibernética num país que, segundo alguns critérios, dispõe de conectividade à internet menor do que o vizinho Haiti.

“Tento tuitar com a brevidade e a elegância do espanhol clássico, usando ao mesmo tempo apenas palavras inteiras”, brincou ela consigo mesma em recente noite em Havana.

Esse humor é característico dessa moça de 36 anos, cujos esboços literários cáusticos e altamente peculiares do tédio cotidiano de Cuba há muito enfurecem o governo – apesar de o mérito literário e político de seus textos terem-na transformado numa estrela internacional.

Limites do sistema

Seu blog, Geração Y, começou por impulso em 2007, mas atualmente, com até 14 milhões de visitas por mês, migra desde observações mordazes sobre episódios de escassez de limão até as implicações, sobre a esfera dos direitos humanos, da visita a Havana da presidente Dilma Rousseff, na semana passada.

A cubana tem 200 mil seguidores no Twitter. No ano passado, a revista “Foreign Policy” elegeu-a como um dos cem maiores pensadores mundiais.

A mídia estatal cubana, por seu lado, acusa Sánchez de realizar uma guerra virtual. O líder Fidel Castro a qualificou de chefe de um grupo de “enviados especiais do neocolonialismo, mandados para minar” o governo, hoje liderado por seu irmão Raúl.

Num restaurante estatal de Havana, em companhia do jornalista independente Reinaldo Escobar, seu companheiro e colaborador de longa data, Sánchez, com sua compleição corporal franzina e seu sorriso largo, dificilmente lembra uma personagem contrarrevolucionária.

“Considero-me uma cidadã independente”, diz a blogueira, destacando que no sistema de partido único de Cuba “não existem crimes contra a liberdade de pensamento ou de opinião – só contra o Estado”.

A meticulosa atenção à língua é uma marca registrada de sua conversa. Sánchez faz um trocadilho ao dizer que os irregulares congressos do Partido Comunista de Cuba são “menos um Parlamento do que um ‘escutamento’: não houve um único voto ‘não’ em 50 anos”.

Mas talvez o maior enigma em torno de sua obra seja a tecnologia. Como será que a mídia social opera em Cuba, diante do monopólio estatal da informação, do fato de apenas 2% da população ter acesso à internet e de que o envio de um tweet pode custar até US$ 1 – 20% do salário médio estatal semanal?

Os críticos dizem que isso explica por que o fragmentado movimento de oposição de Cuba é mais conhecido fora do que dentro da ilha. Mesmo a versão cubana do site que tenta copiar o Facebook é uma intranet administrada pelo governo.

Sánchez, que ganha a vida com a coluna que escreve regularmente para o jornal “El País”, o de maior tiragem da Espanha, diz que a tecnologia da telefonia celular e a “caixa de ressonância do exterior” amplificam o impacto local da mídia social.

“Envio um texto de SMS para 70 pessoas, elas mandam para outras 70, e assim por diante. Os textos também podem ser transferidos diretamente para a internet. É tuitar às cegas, mas os tweets são mencionados em matérias do noticiário internacional, que são divulgadas pela TV hispânica e assistidas por cubanos por meio de antenas parabólicas ilegais aqui. A caixa de ressonância é crucial.”

Ela escreve o blog apenas uma vez por semana, acrescenta, “para poder respirar”.

Essa engenhosa rede funciona tanto para captar quanto para divulgar notícias. “Fomos os primeiros a saber da morte de Gadafi”, diz ela. “Meu telefone ficou congestionado de tantos textos.”

Uma vez que a Etecsa, a telefônica estatal, acaba de reduzir as tarifas de telefonia, ela acrescenta que seu “jornal de textos” pode ganhar em eficácia.

Mesmo assim, o sistema tem limites. Sánchez se impacienta com as sugestões dos candidatos do Partido Republicano, em campanha nas primárias do Estado da Flórida, no mês passado, de reverter o afrouxamento das restrições a viagens a Cuba, aprovado pelo presidente Barack Obama, e de enrijecer o embargo americano e promover uma “primavera cubana”.

Amargurada, jamais

“É cedo demais para isso”, diz ela. O mundo árabe “passou anos integrando a tecnologia à vida dos cidadãos. Nós ainda estamos em estado embrionário.” Cerca de 10% dos cubanos usam celular; na Tunísia, são mais de 75%.

“Eu aprendi também que, quanto mais restrições houver, menos as pessoas têm e mais subservientes se tornam a quem lhes dá [essas poucas coisas] – o governo”, diz ela. “Estamos muito longe da banalidade da onipresença da internet, embora eu seja a favor de um pouco mais de frivolidade.”

A visita do papa Bento XVI, agendada para março, a recente libertação por Havana de prisioneiros políticos e o próprio perfil internacional de Yoaní ajudam a protegê-la. A determinação e o senso de humor, por outro lado, parecem manter seu otimismo.

A blogueira diz que não esperava, na prática, que a presidente brasileira manifestasse qualquer preocupação na esfera dos direitos humanos em sua visita a Cuba – ou que Havana lhe concedesse um visto de saída para visitar o Brasil, na 19ª vez em que essa autorização lhe é negada.

“Não quero ficar amargurada jamais”, diz Sánchez. “Tuíto, faço blog, escrevo. Acordo mais feliz do que nunca. Todo dia é um novo cenário.”

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Posts de Yoaní

31 de janeiro: Havana está cheia de jornalistas brasileiros hoje. Compare seu profissionalismo arrojado com a dócil imprensa oficial de Cuba.

3 de fevereiro: sem surpresas. Negaram-me o visto — foi a 19ª vez. Respire, conte até dez. Não responda a uma ofensa com uma ofensa, digo a mim mesma. Melhor um abraço! Dilma: que sentido tem termos um porto como o de Mariel se não podemos usá-lo para ir e vir?

4 de fevereiro: Fidel Castro apresentou os dois primeiros volumes de suas memórias. Muitíssimos mais ameaçam vir…

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[[John Paul Rathbone, do Financial Times, em Havana]