Wednesday, 04 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1316

O humor como aliado na consciência ambiental

O grande boom da mídia brasileira sobre as questões ambientais acontece na década de 90, com a realização, no Brasil, da Conferência Mundial para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, realizada pela Organização das Nações Unidas, e que ficou conhecida internacionalmente como Rio-92. Duas décadas depois, o Rio de Janeiro foi sede da Rio+20 (data que marca o vigésimo aniversário da conferência), que teve por meta renovar o compromisso político para o desenvolvimento sustentável. Mais uma vez, as questões ambientais passaram a ter maior destaque na grande mídia, porém, depois de vinte anos, a situação tornou-se mais séria. O aquecimento global, a perda da biodiversidade, as chuvas ácidas, a destruição da camada de ozônio, a desertificação, a escassez de água potável e o excesso de lixo agravaram-se consideravelmente desde então.

Os recursos naturais não renováveis mostram claros sinais de esgotamento diante do consumismo desenfreado que se restringe a uma minoria concentrada nos países ricos. Em seu livro Mundo Sustentável, o jornalista André Trigueiro afirma que a demanda por matéria-prima e energia cresce, apressando o mundo na direção de um impasse: ou a sociedade muda seus hábitos e procura alternativas de consumo sustentáveis ou os recursos naturais explorados incansavelmente por este modelo suicida de desenvolvimento irão chegar ao fim.

Em depoimento publicado no mesmo livro, Adalberto Marcondes, da Rede Brasileira de Jornalistas Ambientais, afirma que “os grandes desafios do desenvolvimento passam pelo conhecimento. Ele é fundamental para que os cidadãos possam, em seu cotidiano, tomar decisões de consumo conscientes de seus impactos ambientais e sociais. Cada um tem de compreender que é parte de um todo e que qualquer solução deve necessariamente envolver cada indivíduo. A cidadania passa, também, por um jornalismo sem adjetivação. Não é jornalismo ambiental, econômico ou esportivo. É apenas jornalismo”.

A lógica de sustentabilidade

A fala de Adalberto Marcondes atesta claramente que o jornalismo, independente de sua vertente, tem um compromisso com o social. Mais do que narrar fatos, é dever do jornalista denunciar, questionar, esclarecer e auxiliar nas discussões de temas que são pertinentes à sociedade. Porém, devido a uma pressão fundamental, o tempo (deadline), grande parte das matérias apenas risca superficialmente o “X” do problema, criando um texto narrativo com pouco, ou nenhum, conteúdo reflexivo.

Todavia, os grandes problemas ambientais exigem que esta forma de fazer jornalismo, tão engessada na estrutura do lead, assuma uma nova postura. Os meios de comunicação em massa, por seu enorme alcance e poder de mobilização, desempenham um grande e ainda crescente papel na disseminação e conscientização dos problemas ambientais. Mesmo assim, contrariando a devida importância que lhe deve ser atribuída, a pauta ambiental ganha espaço na imprensa de forma lenta, aparecendo, por vezes, como pauta secundária nos meios de comunicação.

Desta forma, é necessário que se busquem alternativas que fujam ao padrão jornalístico tradicional e que se traga ao debate novas formas de olhar estes problemas. Antes disso, porém, é necessário que o jornalista perceba que o cenário ambiental não é apenas mais uma dimensão social, mas sim, um contexto pelo qual se desenvolve todo o restante. Sendo agregador de conhecimentos, o jornalismo possui também seu caráter pedagógico pelo qual é possível arraigar uma lógica de sustentabilidade na sociedade, através da educação ambiental.

As principais concepções

“Um dia sem rir é um dia desperdiçado”, já disse Charles Chaplin. O riso é um ato típico da espécie humana, ele demonstra felicidade e prazer, atenua as tensões e hostilidades, desarma as pessoas, fortifica vínculos, cria uma ponte de aproximação entre os semelhantes. Em outras palavras, o riso é um fenômeno tipicamente social. Em meio ao bombardeamento incessante de informações dos jornais, as tensões diárias são atenuadas através do humor contido nas charges, cartuns e tirinhas. O desenho cômico nos jornais diários – especialmente por meio das charges –, para além de divertir e aliviar tensões, também tem a função de informar.

Como gênero jornalístico opinativo de humor, a charge é a representação caricatural de algum acontecimento atual com uma ou mais personagens envolvidas. O humor da charge é fruto crítico do real, das várias facetas sociais, do flagra das expressões mais hilariantes do cotidiano. A charge, além de entreter e fazer rir, também instiga a reflexão. Através do humor, crítica ou ironia, capta a atenção do leitor, levando-o à compreensão dos fatos e interpretar os acontecimentos cotidianos.

Na introdução do seu livro A Leitura das Charges, a pesquisadora Onici Flôres traduz bem a relevância desse gênero jornalístico: “A importância da charge enquanto texto decorre não só do seu valor como documento histórico, como repositório das forças ideológicas em ação, mas, também, como espelho de imaginário de época e como corrente de comunicação subliminar, que ao mesmo tempo projeta e reproduz as principais concepções sociais, pontos de vista, ideológicas em circulação”.

“Um futuro sem fome”

A charge traduz acontecimentos do cotidiano, ressemantizando-os, criando novas possibilidades de olhar o fato. Assim, ela afasta o leitor do hábito de ler passivamente e o provoca a refletir sobre a realidade à sua volta. No meio jornalístico, a charge atua como um tradutor, dirigindo a leitura. Ela sintetiza e traduz ideias e formas, esclarecendo acontecimentos que os jornais trazem de forma fragmentada. Deste modo, a charge levanta discussões sobre os vários temas, cria um diálogo com os vários campos do conhecimento e se torna peça-chave na compreensão do assunto. Nesse sentido, devido ao seu caráter reflexivo, informativo e interpretativo, a charge pode servir de ponte entre o humor que atrai e instiga a reflexão e assuntos que mereçam uma atenção maior, como a temática ambiental.

No jornalismo ambiental, muitas pautas merecem um maior destaque devido à gravidade dos problemas ambientais. Nesse sentido, as charges também podem atuar como tradutor do discurso científico-ambiental, trazendo ao público a informação que interprete o conhecimento da realidade.

Por meio do humor, as charges desempenham importante papel da formação ambiental da sociedade, não por tratar apenas de temas sobre as catástrofes ambientais, mas, principalmente, por versar assuntos do cotidiano. Por conter traços da realidade, a charge também assume o papel do jornalismo, o de informar, formar, fiscalizar e cobrar atitudes dos órgãos de poder. As discussões sobre os temas ambientais são humanizadas, traduzidas e aproximadas do leitor, revelando suas dimensões reais e convidando-o para participar do debate.

Desta forma, o uso do humor gráfico diário como aliado na conscientização ambiental e social mostra-se como uma opção viável diante do holocausto de problemas que acomete nosso planeta. Faz-se necessária a busca de alternativas que suavizem este quadro – afinal, toda ajuda é bem-vinda. E, como citou Ban Ki-moon, secretário-geral da Organização das Nações Unidas, na fase final do Rio+20, “em um mundo de muitos, ninguém, nem mesmo uma única pessoa, deveria passar fome”. E acrescentou: “Convido todos vocês a se juntarem a mim para trabalhar em um futuro sem fome.”

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[Thiago Ramos de Melo é acadêmico do Curso de Comunicação Social]