Monday, 29 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Foto de Mário de Andrade ainda causa polêmica

Leia abaixo a seleção de segunda-feira para a seção Entre Aspas.


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Folha de S. Paulo


Segunda-feira, 26 de novembro de 2007


 


POLÊMICA
Mônica Bergamo


É ou não é Mário de Andrade?


‘A revelação, pela coluna, de que o governo de SP colocou em banners nas ruas uma foto do escritor Mário de Andrade que não era reconhecida como sendo dele por especialistas acendeu a polêmica nos meios literários. ‘Essa foto já está virando questão ideológica. O que incomoda é o Mário ser afrodescendente!’, diz o poeta Oswaldo de Camargo, do Museu AfroBrasil, que cedeu a foto. Ele diz que extraiu a imagem dos arquivos do jornal ‘O Estado de S. Paulo’, onde trabalhou. O presidente do museu, Emanoel Araújo, defende Oswaldo:


FOLHA – O que acha da polêmica?


EMANOEL ARAÚJO – É uma das coisas mais provincianas que eu já vi na minha vida. A foto estava num arquivo de um jornal há tantos e tantos anos… O retrato parece Mário, quando muito jovem, né? Todo mundo muda quando velho. Vai fazer o quê, né? Se quiserem levar às últimas conseqüências, é preciso chamar o Instituto Médico Legal [gargalha].


FOLHA – Você acha que é ele?


ARAÚJO – Eu acho que sim. Se não for ele, é o Jards Macalé.


FOLHA – Não tem importância?


ARAÚJO – Nenhuma. Eu não sei se não existe uma outra leitura por debaixo disso.


FOLHA – Qual?


ARAÚJO – Essa coisa de branquear as pessoas no Brasil não é novidade, né? Machado de Assis era absolutamente mestiço e no fim da vida ficou branco. A Academia Brasileira de Letras faz questão de pô-lo branco.


FOLHA – O secretário da Cultura, Carlos Augusto Calil, perguntou ‘quem é’ Oswaldo de Camargo diante de outros especialistas.


ARAÚJO – É um tipo de agressividade inócua, inoportuna, deselegante. Quem é ele por quê? Só porque é negro? Poderíamos perguntar quem é ele também. Quem é Carlos Augusto Calil?’


 


TODA MÍDIA
Nelson de Sá


Tupi e o terceiro mandato


‘Na entrevista em que ‘Lula diz que sem gastar não consegue governar’, manchete de ‘O Globo’, o que ecoou foi o terceiro mandato. Postada por ‘New York Times’, ‘Washington Post’ etc., a Reuters deu que ‘Lula defende Chávez perto do referendo’ com a frase ‘cada país determina o regime que quer’. AFP e Ansa destacaram a recusa de terceiro mandato próprio, mais a frase ‘quem defendeu o terceiro mandato foi FHC’ -em ‘O Globo’, mas evitada no Globo Online.


Por aqui, nas manchetes de Terra e UOL, o destaque foi o espanhol ‘El País’ e sua reportagem ‘Brasil toma as rédeas na América Latina’ com o campo Tupi, que deixa Lula ‘em posição de muito mais força’ para o encontro com Hugo Chávez. Também sobre o Tupi, Andres Oppenheimer, no ‘Miami Herald’, opina que o teste para saber se a descoberta vai levar o país ao ‘petropopulismo’ é Lula não buscar o novo mandato.


CRISTINA VS. TUPI


Já Cristina Kirchner deu entrevista ao ‘Página 12’, para a manchete ‘Argentina real não é a da mídia’. Sobre ‘Chávez ou Lula?’, disse que não tem que optar por um ou outro e segue com ambos.


Defendeu a Venezuela no Mercosul, até pelo petróleo, e questionou a importância do campo Tupi, por estar ‘a sete mil metros’. Longa coluna no mesmo ‘Página 12’ duvidou dos efeitos econômicos do Tupi e sublinhou seu uso por Lula, interna e externamente.


EVO VS. TUPI


O boliviano ‘La Razón’ deu editorial sobre as relações com o Brasil -em função da visita de Lula, que é precedida por acordos entre a Petrobras e a estatal YPFB. ‘À margem dos êxitos com a plataforma submarina, o Brasil precisa do gás’, diz, e Evo Morales deve ‘aproveitar’. Mas também precisa resgatar ‘o equilíbrio geopolítico regional perdido’.


Da visita, o chinês ‘Diário do Povo’ destacou que ela vai encaminhar a ‘interconexão bioceânica’ -até o Pacífico.


AS PALAVRAS


O final de semana levou o caso de L., a menina de 15 anos mantida em prisão masculina, às manchetes do ‘JN’, como ‘O escândalo do Pará: adolescente que sofreu abuso deixa o Estado sob proteção da Polícia Federal’.


Mas o que ecoou on-line foram as reportagens de Laura Capriglione e Marlene Bergamo, na Folha. E a de Rafael Guedes em ‘O Liberal’, com o ‘curto depoimento’ de L. Entre as palavras da menina, ‘eles me castigavam quando não fazia o que queriam’. Antes, ‘o melhor dia é quinta, quando as mulheres deles vêm e aí eu fico livre’, ‘uma vez o B. me levou pro banheiro à força, eu gritei, gritei, mas a gente grita e dá uma raiva, porque não vão ouvir’.


VÍTIMAS OCULTAS


No exterior, a repercussão foi sobretudo com despacho da AP e os correspondentes do ‘Guardian’ e do ‘El País’. Neste, com o título ‘Presas brasileiras, as vítimas ocultas do sistema carcerário’. Ecoou ainda a Anistia Internacional e o post ‘Estupro expõe abuso cada vez maior de mulheres’.


ESQUARTEJAMENTO


E ontem sobreveio, pelos jornais do Uruguai e agências, outro caso de violência contra uma mulher, agora na Bahia, onde foi encontrado o corpo de voluntária uruguaia que atuava em áreas carentes. Ela foi ‘esquartejada’, destacou o ‘El Espectador’. ‘Violentada e decapitada’, no ‘El País’.


BAIXARIAS


Na ‘+ lida’ da Folha Online, ontem, ‘Globo tira roupa de atores para aumentar Ibope de ‘Duas Caras’. Ao longo de toda a programação, desde a manhã e não só na novela, o apelo da emissora já dura duas semanas.


Sexta, saiu ‘de férias’ o autor de ‘Duas Caras’, que está ‘no ar há apenas um mês e meio’, como sublinhou o Globo Online -que, para que se ‘entenda’ o caso, cita o ‘mal-estar’ na emissora com o blog do autor. Mais importante, diz que ‘o Ibope é outro ponto: a média está abaixo da expectativa e, no dia 17, foi de 29 pontos’.


O autor já reagiu em seu blog, hospedado no mesmo portal, Globo.com, contra as ‘colunas de baixarias’.’


 


TELEVISÃO
Daniel Castro


Ana Maria vai para o Rio; Xuxa pode sair


‘O programa de Ana Maria Braga deixará de ser produzido em São Paulo e será gravado em uma casa cenográfica no Rio. Já o ‘TV Xuxa’ poderá sair da programação da Globo. Essas são as principais mudanças que a Globo ensaia para 2008 em sua grade matinal, que vem perdendo no Ibope para a Record.


A mudança do ‘Mais Você’ para o Rio de Janeiro está praticamente certa. A apresentadora já aceitou trocar de cidade. Só falta a direção da Globo aprovar o orçamento e liberar uma área no Projac (a central de estúdios da emissora) para a construção da casa cenográfica.


A idéia foi apresentada por J.B. de Oliveira, o Boninho, nomeado há um mês diretor de núcleo do ‘Mais Você’. Boninho também é responsável por ‘Big Brother Brasil’ e ‘Estrelas’.


Se a operação for aprovada, a estréia do novo cenário ocorrerá em março. Os principais argumentos pela mudança são que a Globo não tem em São Paulo tão boa estrutura para programas de entretenimento quanto no Rio e a abundância, no Projac, de artistas.


O programa, já no início de 2008, terá material gravado no Projac, buscando maior proveito do elenco da Globo.


A mudança na programação infantil será mais complicada. A cúpula da Globo ainda terá que convencer Xuxa Meneghel de que será melhor para ela ter programa só no final de semana. Se ela topar, Boninho também assumirá a grade infantil.


NAMORO 1 Silvio Santos e José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, voltaram a negociar acordo em que o segundo compraria, se associaria ou assumiria parte da programação do SBT. As conversas ocorreram há quatro meses e não evoluíram.


NAMORO 2 Boni teria o apoio informal da Globo, que hoje torce para que o SBT se recupere, interrompendo o crescimento da Record. Cogitou-se até na cessão de um alto executivo da Globo para o comando do departamento comercial do SBT.


NAMORO 3 Boni e Silvio Santos já tiveram uma ‘paquera’ semelhante, há dez anos. Na época, o contrato de Boni com a Globo não permitia que ele fosse trabalhar na concorrência.


ALTA DEFINIÇÃO 1 Capa da revista ‘G Magazine’ deste mês, o modelo Alexandre Albertoni trabalhou como recepcionista em um evento promovido pela Globo na última quinta-feira. O evento, no WTC de São Paulo, apresentou a TV digital a agências e produtoras de publicidade.


ALTA DEFINIÇÃO 2 O modelo jura que não recebeu nenhuma ‘cantada’.


CALDEIRADA É muito crítica a situação da novela das seis da Globo, ‘Desejo Proibido’. A cúpula da emissora descobriu na semana passada, ao ver os relatórios do Ibope, que a produção rendeu no sábado, 17, apenas 16 pontos. A desculpa de que era feriado não colou: naquele mesmo dia, o vespertino ‘Caldeirão do Huck’ cravou 18 pontos.’


 


Aguinaldo Silva afirma estar em férias da novela


‘O autor da novela ‘Duas Caras’, Aguinaldo Silva, disse, ontem, em seu blog, que pediu férias e desmentiu que tenha sido demitido pela Rede Globo.


‘Pois eu pedi férias, apresentei minhas razões e eles, como pessoas generosas que são, entenderam o quanto elas eram fortes e aceitaram o meu pedido. Simples assim’, escreveu.


Na última sexta, a Globo anunciou, em comunicado por e-mail, o afastamento de Silva da novela das oito.


A baixa audiência e declarações polêmicas do autor em seu blog foram aventadas como razões para a saída. No dia anterior, ele havia criticado o pedido de cidadania italiana de Gilberto Gil. O autor disse que não pretende tirar férias do blog.


De acordo com Silva, os capítulos que vão ao ar até o dia 26/12 são de sua autoria e os posteriores a essa data serão revisados e supervisionados por ele.’


 


Alváro Pereira Júnior


A TV moderna está na internet


‘VOU TE contar que a TV mais inovadora sendo feita hoje no mundo (pelo menos que eu conheça) você encontra -é claro- na internet.


É a VBS TV (www.vbs.tv), obra do mesmo povo que edita a revista ‘Vice’, sobre a qual já escrevi muito aqui. Fazia tempo que eu não conferia a ‘Vice’ e portanto nem sabia que eles tinham uma TV. Uma série de reportagens na imprensa americana sobre a VBS me tirou do atraso.


Na VBS, a ‘modernidade’ não está nos efeitos, nas câmeras nervosas, naquela edição clipada que a MTV americana, nos anos 80/90, instaurou como o formato padrão quando se pensa em TV ‘moderna’.


A VBS é uma TV da era da internet, essa era em que se busca uma linguagem mais espontânea e na qual o foco está muito mais no conteúdo do que nos truques ou maneirismos de edição.


Num momento, os repórteres da VBS podem estar numa bocada sinistra em Kingston, Jamaica, para mostrar festas gigantescas de dancehall. Em outro, em um acampamento casca-grossa do Hezbollah, no Líbano. Podem estar assistindo a um discurso do líder desse mesmo Hezbollah na periferia de Beirute. Podem surgir trocando idéias com iraquianos comuns, em bairros de Bagdá onde o chumbo come solto. Ou ainda metidos em encrenca em um perdido vilarejo sudanês.


Nos repórteres, nenhuma roupa especial, nada de pente ou maquiagem. Se estão suados, é assim que aparecem no vídeo. Se estão de ressaca, idem. Mas não só de noticiário internacional barra-pesada vive a VBS.


Que tal uma entrevista de meia hora com Kevin Shields, líder do My Bloody Valentine? E que tal o entrevistador ser o dandy rocker Ian Svenonius, que os indies mais radicais devem conhecer como cantor do Nation of Ulysses e do Make-Up? E ainda videoclipes -vamos chamar assim- de uma banda muçulmana de surf music em Níger, oeste da África? Não perca mais tempo: vbs.tv.’


 


LITERATURA
Eduardo Simões


Em casa com Freyre


‘O Museu da Língua Portuguesa abre hoje, para convidados, e amanhã para o público, sua terceira exposição temporária. Depois de homenagear Guimarães Rosa e Clarice Lispector, o museu abriga, até o dia 4 de maio de 2008, ‘Gilberto Freyre – Intérprete do Brasil’, seu tributo ao sociólogo e antropólogo brasileiro Gilberto Freyre, morto há 20 anos.


Freyre é autor, entre outros, de ‘Casa-Grande & Senzala’ (1933), que já está em sua 48ª edição. A obra tornou-se um marco na historiografia brasileira, opondo-se ao mero registro cronológico de feitos grandiosos, para se debruçar sobre hábitos nacionais até então vistos como insignificantes, do ponto de vista da interpretação do país, e ainda sua história oral, manuscritos de arquivos públicos e privados etc.


A mostra é uma visita metafórica à ‘casa’, à obra de Freyre. Ela reúne, pela primeira vez em conjunto, 27 pinturas, entre aquarelas e telas a óleo, feitas por Freyre, que retratam temas que lhe eram caros, como a religiosidade, a família e os sobrados. Assinadas apenas com ‘Gil’, as obras não são datadas, mas, segundo a curadora Julia Peregrino, foram feitas durante as décadas de 1940 e 1950.


Peregrino -que já havia feito a curadoria da mostra de Clarice Lispector- divide o trabalho agora com Pedro Vásquez, o cenógrafo André Cortez e a professora Elide Rugai Bastos, da Universidade de Campinas.


‘Há recantos que lembram os engenhos, os sobrados, as raízes da obra de Freyre. A idéia é que o espectador viaje na cenografia, conhecendo sua obra ao abrir gavetas, armários etc.’, adianta Peregrino.


A visita


Todo o material em exibição pertence à Fundação Gilberto Freyre ou foi garimpado das coleções particulares da família do escritor. Logo à entrada da exposição, um conjunto de paredes divididas ao meio traz frases do autor em vitrines e nichos com seus quadros.


A casa de Freyre no museu abriga ainda cinco criados-mudos com registros de recepções a que ele compareceu na década de 50, em Portugal. Duas malas com seus passaportes. E uma grande mesa, dividida em duas. Numa parte estão livros de receitas dos engenhos, material de pesquisa que usou para os livros ‘Açúcar’ e ‘Casa-Grande & Senzala’. Noutra, 26 correspondências trocadas com, entre outros, o pintor Portinari, o compositor Heitor Villa-Lobos, o educador Anísio Teixeira e o sociólogo Florestan Fernandes.


Dois destaques da mostra são a exibição de documentos originais e a reprodução, em áudio, de trechos dos questionários que Gilberto Freyre fez com brasileiros de ambos os sexos, de diferentes classes sociais, nascidos entre 1850 e 1900, para a escrever outro de seus clássicos, ‘Ordem & Progresso’, de 1959. Os fones estão espalhados em 27 maquetes de sobrados, que novamente remetem à obra do sociólogo.’


 


Mostra exibe questionário de Freyre


‘A professora Elide Rugai Bastos, 70, titular do departamento de sociologia da Universidade de Campinas, também participa da curadoria da mostra sobre Gilberto Freyre que abre hoje no Museu da Língua Portuguesa, em SP.


Para a acadêmica, que já escreveu dois livros sobre Gilberto Freyre -’Gilberto Freyre e o Pensamento Hispânico – Entre Dom Quixote e Alonso El Bueno’ (2003, Edusc) e ‘As Criaturas de Prometeu’ (2006, Global Editora)-, seria impossível esgotar toda a temática da obra do sociólogo. Mas a mostra tenta dar conta de sua contribuição sobre a formação da sociedade brasileira e a família patriarcal e ainda moda, cozinha, desenvolvimento urbano etc. Leia seguir trechos da entrevista à Folha.


FOLHA – A exposição ilumina, de forma particular, alguma faceta da obra literária de Gilberto Freyre?


ELIDE RUGAI BASTOS – A apresentação está ordenada segundo o eixo principal da obra de Gilberto Freyre, composto pelos livros ‘Casa-Grande & Senzala’, ‘Sobrados e Mucambos’ e ‘Ordem & Progresso’, que constituem o conjunto que o autor denominou ‘Introdução à História da Sociedade Patriarcal no Brasil’. No entanto, sua produção literária é muito mais vasta, compreendendo muitos outros livros, ensaios, artigos, entrevistas, poesias, romances, que, ao modo espanhol, ele denomina novelas. Essa elaboração estende-se por muitas décadas, pois Freyre começou a escrever muito jovem e continuou até o fim da vida.


A exposição procura dar conta dessa multiplicidade de temas apresentando documentos originais, manuscritos, frases importantes cunhadas por ele, as primeiras edições de seus livros e parte do material da vasta pesquisa que ancora a obra.


Aqui ressalto um aspecto totalmente desconhecido do público. Parte dos questionários que Freyre utilizou no inquérito feito com brasileiros de ambos os sexos, pertencentes a diferentes classes sociais, nascidos entre 1850 e 1900, para a escritura de ‘Ordem & Progresso’, será apresentada através de áudio e também dos próprios documentos originais. A linguagem elegante e precisa de um dos maiores escritores da língua portuguesa aparece através dos diversos textos e frases apresentados.


É certo que, diante da vasta obra de Freyre, seria impossível esgotar toda sua temática. Assim, a exposição pretende apresentar apenas alguns aspectos de sua produção.


FOLHA – Vinte anos após sua morte, qual o peso da interpretação do Brasil segundo Freyre?


RUGAI BASTOS – Sem dúvida, Gilberto Freyre está inscrito com destaque na área das ciências sociais a partir do peso da interpretação da sociedade brasileira, expressa em seus livros pioneiros: ‘Casa-Grande & Senzala’, ‘Sobrados e Mucambos’ e ‘Nordeste’, publicados nos anos 1933, 1936 e 1937, respectivamente.


Esses trabalhos enfrentaram temas centrais da sociedade brasileira daquele decênio. Neles, Freyre aborda a anticientificidade das teses racistas e do determinismo geográfico, mostra a especificidade das civilizações desenvolvidas nos trópicos, aponta a contribuição aos usos, costumes e linguagem nacionais das diferentes etnias que compõem o povo brasileiro. E ainda lembra a importância dos regionalismos para a formação nacional, levanta problemas sobre a destruição da natureza e alteração do clima via mau uso do solo etc.


É certo que várias das interpretações apresentadas provocaram polêmicas nos meios intelectuais e políticos da época e várias de suas explicações serão questionadas no desenrolar dos estudos sociológicos. Isso não retira a importância de seu pioneirismo, que abordou nos anos 1930 problemas que nos preocupam até hoje.


FOLHA – Qual o tamanho de sua influência em diferentes campos do conhecimento e cultura do país?


RUGAI BASTOS – A sociologia, a antropologia, a história, os estudos literários não podem desconhecer a obra de Freyre e sua interpretação do país, mesmo que seja para opor outras explicações. Muitos trabalhos acadêmicos foram e estão sendo desenvolvidos em torno de sua obra em diferentes universidades brasileiras e estrangeiras. E as inúmeras edições de seus livros atestam a importância de seu debate no campo da cultura brasileira.’


 


Biografia busca ‘genealogia’ das idéias de Freyre


‘A editora Civilização Brasileira acaba de lançar ‘Gilberto Freyre – Uma Biografia Cultural’, em que os autores Enrique Rodríguez Larreta e Guillermo Gucci tentam traçar uma espécie de genealogia intelectual na obra do sociólogo e antropólogo, buscando diálogos entre os livros e os contextos culturais em que foram escritos.


Para os autores, a produção de Freyre se insere na tradição de ensaístas brasileiros como Joaquim Nabuco, Euclydes da Cunha, Sérgio Buarque de Holanda e Caio Prado Júnior, entre outros. Mas tem como marca registrada o tratamento à época audacioso de temas como raça e sexo.


GILBERTO FREYRE – UMA BIOGRAFIA CULTURAL


Autores: Enrique Rodríguez Larreta e Guillermo Gucci


Editora: Civilização Brasileira


Quanto: R$ 80 (714 págs.)’


 


Günter Grass processa biógrafo por uma palavra


‘O escritor alemão Günter Grass entrou com um processo contra seu biógrafo, Michael Jürgs, por ele ter registrado, em biografia lançada em 2006, que o Nobel de Literatura de 1999 alistou-se voluntariamente na tropa de choque do regime nazista, a Waffen-SS, aos 17 anos, durante a Segunda Guerra. Grass contesta a expressão ‘voluntariamente’. Ele alega ter sido obrigado pela SS.’


 


Autor chileno ganha prêmio Mario Vargas Llosa


‘O chileno Rodrigo Germán Díaz Cortez, 30, foi o vencedor da 12ª edição do Prêmio Mario Vargas Llosa, realizado pelo banco Caja de Ahorros del Mediterráneo e pela Universidade de Murcia, na Espanha. ‘Tridente de Plata’ venceu 378 obras de 32 países, entre os quais Cuba, Argentina e Israel. Cortez receberá 12 mil (R$ 32 mil) e terá seu livro lançado pela editora Seix Barral.’


 


CINEMA
Silvana Arantes


‘Cleópatra’, de Bressane, divide platéia em Brasília


‘Em duas horas de projeção (na noite de sexta) e em duas horas e 20 minutos de debate (na tarde de sábado), no 40º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, o novo longa-metragem de Julio Bressane, ‘Cleópatra’, produziu o mesmo efeito: uma leva de opiniões radicais e antagônicas.


A sessão competitiva de ‘Cleópatra’ terminou sob vaias e aplausos simultâneos. Enquanto alguns espectadores gritavam ‘bravo!’, outros reagiam com ‘que bosta!’.


No dia seguinte, o diretor atribuiu à ‘fenomenologia do milagre’ a numerosa presença de interessados em debater o filme -o auditório reservado à discussão estava lotado.


Como faz com recorrência, Bressane tratou a si mesmo e à sua obra como elementos isolados no panorama atual do cinema brasileiro.


‘A coisa artística ficou esterilizada no cinema brasileiro. Ficou isso que está aí -um cinema esterilizado artisticamente’, disse. O diretor atribuiu ao ‘processo de bossalização’ o fato de que seu filme ‘talvez pareça novidade’, quando, na verdade, se trata de ‘uma narrativa simples e convencional’.


Dos debatedores, Bressane ouviu avaliações tão distintas de ‘Cleópatra’ como ‘sublime’ e ‘orgasmo estético’ ou ‘constrangedor’ e ‘patético’.


Ao jornalista Marcos Petrucelli, da rádio CBN, que adjetivou o filme como ‘patético’, Bressane respondeu: ‘Nada do que você gosta é bom. A força está no que é bom e você não gosta. O esforço é [necessário] quando você não gosta. A força está na ignorância. Pelo menos se curve’.


Antes, o diretor classificara o cinema como ‘um instrumento radical de transformação’, que exige do artista ‘um esforço de contradição consigo mesmo, de esquecer a sua mediocridade’.


Intérprete de Cleópatra, Alessandra Negrini disse que o filme é ‘um exercício de linguagem’ e falou do aspecto kitsch. ‘Cleópatra virou uma figura mítica e kitsch. Isso tinha de estar lá, na figura de um ator global fazendo [a personagem].’


Quando tomou a palavra, o cineasta Edgar Navarro (vencedor em Brasília em 2005 com ‘Eu me Lembro’) identificou Bressane como um dos ‘três imortais’ do cinema brasileiro -sendo os demais Glauber Rocha e Rogério Sganzerla-, mas disse perceber em sua atitude ‘certo pedantismo’ e desejar que ele ‘descesse do Olimpo’.


Navarro disse não fazer ‘uma crítica acintosa’ e arrematou: ‘Você é tão podre quanto o sol’. Ele citava o próprio Bressane, que falara do efeito cegante do sol, se olhado diretamente, do qual Ísis/Cleópatra seria uma representação metafórica.


Bressane evitou responder a Navarro. Preferiu comentar a intervenção anterior, da ex-professora universitária Ana Holland, que afirmou ter saído da sessão sentindo-se ‘meio tonta, sem fôlego’ e disse que levará ‘dez anos’ para entendê-lo. ‘Esse filme é para você’, concluiu Bressane.’


 


José Geraldo Couto


Filme é provavelmente a grande obra do festival


‘‘Cleópatra’, de Julio Bressane, é provavelmente o grande filme do 40º Festival de Cinema de Brasília. Como nas últimas obras do diretor, trata-se aqui de retrabalhar um signo central do imaginário ocidental numa dicção especificamente brasileira. A rainha egípcia tem significado há dois milênios a confluência entre Ocidente e Oriente, ou entre ‘o ordenamento grego e a fantasia oriental’, como diz a própria Cleópatra (Alessandra Negrini) a certa altura.


As fontes histórico-biográficas sobre a personagem se resumem a poucas páginas de Plutarco, no século 1. Bressane trabalha sobretudo a contínua construção do mito Cleópatra ao longo dos séculos, dos afrescos antigos a Hollywood, de Shakespeare aos nossos dias.


Um caminho possível de fruição desse filme inesgotável talvez seja o de perceber como as polaridades básicas que a personagem suscita na sua relação com os romanos Júlio César (Miguel Falabella) e Marco Antônio (Bruno Garcia) -Oriente e Ocidente, tirania e sedução, Eros e logos- se constroem plasticamente na contraposição entre dois espectros cromáticos que se comunicam, mas não se fundem.


Há, por um lado, uma escala que vai do dourado uterino (do sol, do fogo, do ouro) ao vermelho sangüíneo. Por outro, todos os matizes do azul (do mar, do luar, da luz filtrada por diáfanas cortinas). Mundos que só se entrelaçam no amor carnal, no erotismo que por um momento faz da natureza e da cultura uma coisa só.


Avaliação: ótimo


O crítico José Geraldo Couto viajou a convite da organização do festival de Brasília’


 


Diretor de ‘Tropa de Elite’ é tema de reportagem no ‘NYT’


‘O cineasta José Padilha, diretor do filme ‘Tropa de Elite’, foi tema de longa reportagem na edição de sábado do jornal ‘The New York Times’. Escrito pelo correspondente Alexei Barrionuevo, o texto foi publicado na seção fixa de perfis do diário.


Sob o título ‘Um cineasta e um desafiador da consciência do Brasil’, a reportagem narra a trajetória de Padilha no cinema, a partir do documentário ‘Os Carvoeiros’, de 1999, até o debate em torno da atuação da polícia suscitado por ‘Tropa de Elite’.


O filme, que estréia nos EUA no dia 25 de janeiro, já havia sido tema de reportagem no ‘New York Times’. Em 14 de outubro, dois dias depois da estréia no Brasil, o jornal publicou matéria sobre o longa, tratando inclusive da pirataria do filme.


‘Eu não sei o que isso significa, mas nunca esperei criar este grande fenômeno social’, afirmou Padilha na reportagem de anteontem.


O diretor disse ainda que o filme foi ‘grosseiramente mal-entendido por alguns, especialmente no Brasil’.’


 


ARTE
Silas Martí


Artista do Líbano volta a SP com vídeo sobre a guerra em seu país


‘Na noite da última sexta, em que o presidente do Líbano abandonou o cargo, deixando a segurança interna do país nas mãos do Exército, o artista libanês Ali Cherri, premiado por sua obra sobre a guerra, falou à Folha, por telefone, de Beirute.


Ele se preparava para voltar a São Paulo, onde desembarca agora, oito meses após uma temporada que passou na cidade editando seu vídeo ‘Slippage’, principal obra da mostra aberta hoje pelo Museu de Arte Brasileira da Faap, que o convidou para trabalhar no Brasil.


Nos primeiros segundos do vídeo, o artista prende a respiração. Pouco depois, uma nuvem de papel picado aparece sobrevoando Beirute -são mensagens de ameaça do Exército israelense contra os libaneses, que o país vizinho fez chover sobre a cidade durante a guerra de julho do ano passado.


Rodado em plena guerra que impediu a saída de Cherri de seu país, ‘Slippage’ acaba com a imagem de um buraco numa parede bombardeada, com vista para os escombros do conflito. Eles contrastam com o rosto do artista que quase se afoga no ar da guerra que registrou.


‘A tensão ainda existe. As ruas estão cheias de viaturas de polícia, as pessoas não saem de casa. O trabalho exprime essa vontade de fuga, que permanece mesmo depois da guerra’, conta Cherri, que se inspirou na instalação ‘The Man who Flew into Space from His Apartment’, do russo Ilya Kabakov, para fazer o vídeo.


O trabalho de Kabakov mostrava um ambiente da era soviética repleto de objetos ligados à exploração espacial, com um buraco no teto, por onde teria fugido o homem do título. Cherri, que nasceu e cresceu com guerras intermitentes, não teve a mesma sorte e diz agora que chegou a hora de romper com a terra natal.


Ele é convidado especial da 39ª Anual de Arte da Faap, mostra que reúne obras de 26 alunos da faculdade. A maioria deles apresenta fotografias, com destaque para o trabalho de Fran Parente e Alice Ricci.


39ª ANUAL DE ARTE FAAP


Quando: abertura hoje, às 20h; de ter. a sex., das 10h às 20h; sáb. e dom., das 13h às 17h; até 13/1


Onde: Museu de Arte Brasileira da Faap (r. Alagoas, 903, SP, tel. 0/xx/ 11/3101-1776)


Quanto: entrada franca’


 


MÚSICA
Bruna Bittencourt


‘Kiss My Ass’ é pura excentricidade


‘Está tudo lá: a maquiagem, as plataformas, as roupas que mais pareciam fantasias, a língua de fora, a pirotecnia dos shows. O Kiss é uma das bandas mais excêntricas do rock, como comprova -ainda que não restasse alguma dúvida sobre isso- ‘Kiss: Kiss My Ass’ (1994),que o canal pago VH1 exibe nesta noite.


Lançado na seqüência do álbum homônimo, o documentário compila trechos de (boas) apresentações nos EUA durante a década de 70 -apogeu da banda- aos anos 90, intercalados por depoimentos do guitarrista Paul Stanley e do baixista Gene Simmons, dono da língua mais famosa do rock.


Sem se preocupar em reconstruir com detalhes a trajetória da grupo -ex-membros são lembrados, mas a primeira aparição em público do grupo sem maquiagem, por exemplo, passa em branco-, ‘Kiss My Ass’ diverte quando traz exemplos da popularidade que o Kiss alcançou nas convenções de fãs, os inúmeros produtos licenciados (de maquiagem a bonecos), o quadro no programa de humor ‘Saturday Night Live’, a capa da revista ‘Mad’, uma apresentação na TV italiana.


Para quem não simpatiza com a banda, o documentário pode ser uma overdose de excentricidades, mas, com um pouco de bom humor, toda a teatralidade é bem-vinda.


KISS: KISS MY ASS


Quando: hoje, às 23h


Onde: VH1′


 


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