Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Jornalismo independente não incomoda

Poucos reparos a fazer na intensiva cobertura dos Jogos Pan-Americanos pelas emissoras de TV brasileiras. Todas destacaram equipes imensas para a tarefa, e até esportes menos populares têm tido destaque.


Um eterno problema é a mesmice e a bobice das perguntas feitas aos atletas. As do Sportv são ‘festeiras’, vá lá: levantam a bola para o atleta chutar. Mas de doer foi um repórter da TV Globo perguntando ao semimorto Thiago Pereira, na quarta ou quinta medalha de ouro: ‘É fácil pra você, né, Thiago?’ Puro de alma, o nadador não protestou. Disse o óbvio: estava sendo muito difícil. Já as perguntas da ESPN Brasil exigem um pouco mais do atleta e as respostas às vezes complicam a vida dos organizadores do Pan – cheio de falhas.


O que chamou muito a atenção em cada modalidade foi o fato de os repórteres não entrevistarem os estrangeiros, medalhistas ou não. O telespectador adoraria saber como o atleta de fora viu a vitória, a derrota ou a competição. Entre as americanas, por exemplo: as nadadoras riam felizes com os aplausos, as ginastas sorriam amarelo sob as vaias; entre as cubanas, a judoca quase chorava, mas o semblante das jogadoras de vôlei de praia desafiava… então, foi uma omissão incompreensível.


Por isso, um ponto alto foi o Sportv reunir, na noite de segunda-feira (23/7), o pugilista Teofilo Stevenson, a jogadora de vôlei Regla Torres, a corredora Ana Quirot e o ginasta Erick López, lendas do esporte cubano, no programa Momento Pan. As melhores reportagens, porém, estavam, como sempre, no concorrente. Numa das mais sensacionais, uma equipe acompanhou quatro jogadoras de hóquei na grama cortadas da equipe antes do Pan. Fizeram muitas denúncias, de assédio moral a tratamento desrespeitoso por parte do antigo técnico, filho do presidente da confederação, e, revoltadas, apareceram no estádio de beisebol para um jogo entre brasileiras e cubanas vestindo camisas do Brasil, mas torcendo por Cuba. A matéria mostrou a revolta de torcedores sentados perto das meninas, que acabaram no choro, mas levaram seu protesto até o fim. A reportagem terminou ouvindo o outro lado, o técnico atual que, sem desmentir as denúncias, disse que a nova gestão vem tentando mudar as coisas.


À imprensa cabe apurar


Outro diferencial da ESPN: o papo com os brasileiros medalhados não fica no oba-oba de sempre que se vê na Globo ou no Sportv. O pessoal do canal telefona para parentes distantes dos atletas, e durante as conversas todo mundo acaba em choro – até o assinante. O próprio apresentador, João Palomino, avisa: ‘Quem não chorou no pódio chora aqui!’ E não é para menos: alegria e orgulho surgem em todos os sotaques e jeitos de ser brasileiros. Muito emocionante, como também a reportagem com as mães dos vitoriosos Thiagos (Camilo, do judô, e Pereira, da natação). De qualquer modo, uma questão que merece estudo sociológico: o que leva um medalhista de ouro a desperdiçar a noite e até a madrugada da grande vitória num programa de TV?


O episódio do corte do levantador Ricardinho da seleção de vôlei teve tratamento incompleto em todos os canais. Talvez por um respeito excessivo ao melhor jogador da Liga Mundial, ninguém teve coragem de imprensá-lo o suficiente por respostas objetivas. Se ele estava sendo cauteloso, talvez para preservar uma possível futura convocação, o repórter não tem nada com isso, tem que perguntar na bucha – foi a questão dos prêmios? Ou seus atrasos? Ou as brigas com o treinador? Todos o deixaram falar à vontade, e ele enrolou bem as respostas.


No domingo (22/7), a ESPN acabou injustamente criticada pelo técnico Bernardo Rezende, que, além de embromar a imprensa nas respostas, entendeu que a emissora condenara a convocação de seu filho, o levantador Bruno. O que absolutamente não aconteceu, pelo contrário, mas um dos canais Globo insinuou esta inverdade. ‘O jornalismo independente incomoda’, resumiu o diretor de Jornalismo do canal, José Trajano.


A imprensa nada pode fazer quando um craque é cortado por treinadores controladores e obcecados por resultados. O que lhe cabe é apurar métodos e práticas desses técnicos, ainda mais numa época em que o duvidoso critério do bom-mocismo parece estar de volta ao esporte, deixando de fora talentos ‘rebeldes’. De outro lado, sem nenhuma alusão a um sempre melancólico time de vôlei feminino, também cabe à imprensa questionar métodos e práticas de técnicos lenientes, que se eternizam nos cargos sem que os resultados o justifiquem.


Que chatura!


A organização do Pan vem falhando feio, e esses erros aparecem mais na ESPN. Aí, alguém mais conformado com o modelo do esporte brasileiro poderia dizer que a ESPN exagera na crítica, que o Pan está uma beleza etc. A chefe de reportagem, por exemplo, chegou a dar depoimento dramático sobre as dificuldades da imprensa na cobertura – em certo dia até caiu a energia no centro de imprensa por mais de meia hora. Mas este é o perfil do jornalismo da ESPN, contraponto necessário ao ‘canal oficial do Pan’ –’jornalismo independente incomoda’…


Não incomoda não. Enriquece a cobertura. Nenhum repórter do canal jamais se dirigiria ao técnico brasileiro como ‘professor Dunga’. Pois isso aconteceu na entrevista coletiva do treinador da seleção de futebol ao fim da Copa América. Um ‘jornalista’ sabe-se lá de onde disse com todas as letras que agradecia a Dunga, ‘em nome da imprensa brasileira’, pela vitória que ‘elevou bem alto nosso espírito pátrio’ (ou uma bobajada parecida).


Para quem detestou o futebol chinfrim dos brasileiros e apenas curtiu muito vencer os hoje ‘fregueses’ argentinos, que vinham jogando muito bem – José Trajano até disse que abandonaria a carreira de comentarista de futebol e passaria a analisar o badminton –, fica a pergunta: quem delegou ao tal ‘colega’ essa representação? Eu, hein?! Para completar o vexame, um grupo – pequeno, diga-se! – aplaudiu o técnico…


No mais, faltam duas iniciativas à mídia: em primeiro lugar, e isso é muito sério, ajudar na educação do público brasileiro de esporte. Dá vergonha ver a torcida brasileira vaiar atletas de ginástica ou atletismo. Em segundo, algo mais prosaico: criticar energicamente a estampa de nomes de países (e de alguns clubes de futebol) na traseira do short. É o caso de nosso uniforme de basquete. Que coisa horrorosa! Quem é o responsável por esse tremendo mau gosto? E quem teve coragem de aprovar? Finalmente, para quem não suporta a cobertura do Pan nos jornais – que chatura! –, uma dica: o blog do jornalista Aydano André Motta, do Globo, é bem gostoso.

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Jornalista