Saturday, 27 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Jornalismo que mata

No primeiro fim de semana do ano, a mídia desencadeou uma histeria coletiva que já ameaça se transformar em tragédia. No sábado (5/1), o Jornal Nacional começou a alardear ‘suspeitas’ de casos de febre amarela no país. Durante a semana, jornais, telejornais e os grandes portais corporativos de internet começaram a disseminar o pânico reportando as ‘suspeitas’ que levariam o Brasil a mergulhar em uma catarse que, mais por conta dela do que devido à febre amarela em si, já ameaça criar uma tragédia de proporções inéditas.

A intensidade do noticiário sobre febre amarela gerou pavor na população, o que levou o país líder em produção de vacinas contra febre amarela e que, ano passado, vacinou 60 milhões de pessoas, a ver terminarem, em várias de suas regiões, os estoques do medicamento. Até que começassem a surgir reações de médicos infectologistas e autoridades sanitárias informando que a vacina contra febre amarela não era para ser tomada à toa, os meios de comunicação limitaram-se a reportar as suspeitas e confirmações de casos da doença em tom alarmista.

Até o meio da segunda semana deste ano, dezenas de milhares de pessoas acorreram aos postos de saúde para se vacinar. Mas foi em 9 de janeiro que uma colunista da Folha de S.Paulo, Eliane Cantanhêde, divulgou na primeira página do UOL, o maior portal de internet do país, um texto que colaborou fortemente para fazer subir de milhares para milhões o número de pessoas histéricas pela ameaça de ‘epidemia’ de febre amarela. Vejam o que ela escreveu:

‘Vacine-se contra a febre amarela! Não deixe para amanhã, depois, semana que vem (…) Vacine-se logo! Senão, Lula, o Aedes Aegypti vem, pica e mata sabe-se lá quantos neste ano – e nos seguintes.’

‘A turma do Planalto’

Notem bem: o texto não faz distinção sobre quem deve ou não deve tomar a vacina. Mesmo lendo na íntegra o que essa mulher escreveu – antes ou depois de ter contribuído decisivamente para gerar pânico na população –, não se encontra no texto qualquer explicação sobre os cuidados necessários para quem fosse se vacinar ou sobre quem deveria fazê-lo. A recomendação de as pessoas se vacinarem aleatoriamente, mesmo não vivendo em áreas de risco ou tendo organismo incompatível com a vacina, já ameaça tornar a vacinação inadequada um problema muito pior do que o da febre amarela em si, que médico nenhum aceita dizer que exista a menor possibilidade de se tornar epidêmica, ainda mais nos centros urbanos, onde a moléstia foi erradicada há mais de 60 anos.

O resultado era previsível. Devido aos meios de comunicação exortarem as pessoas a se vacinar aleatoriamente, já surgiram dezenas de casos de super-dosagem da vacina e de pessoas cujo organismo é incompatível com a doença e que foram internadas por terem-na tomado. Alguns tomaram várias doses de vacina em curto período de tempo e outros têm problemas de imunidade que fazem a reação da vacina se tornar risco de morte. Há, inclusive, até o momento em que escrevo, pessoas internadas em estado grave – uma delas, inclusive, está em coma – por tomarem a vacina sem necessidade ou em doses exageradas.

A despeito disso, a mídia continua exponenciando os casos confirmados e não confirmados de febre amarela e a colunista da Folha supramencionada continua estimulando as pessoas a se vacinarem aleatoriamente. Valendo-se de uma irresponsabilidade criminosa, por já estar consciente dos graves problemas gerados pela vacinação inútil, e movida por óbvios interesses políticos, no último domingo (20/1) Eliane Cantanhêde escreveu o seguinte em sua coluna na página A2 da Folha de S. Paulo:

‘As pessoas devem ou não se vacinar contra a febre amarela, que já fez pelo menos 11 vítimas, com sete mortes, em menos de um mês? Ou é melhor se trancarem em casa nas férias de janeiro e fevereiro, no Carnaval e na Semana Santa, para fugir do risco? E por que a turma do Planalto se vacinou?’

Trabalhinho sujo

Novamente, a colunista estimula a vacinação em massa sem alertar para quem deve ou não tomar vacina. Diz, de forma criminosa, que quem não tomar a vacina deve ‘se trancar em casa’ e faz uma afirmação que chegaria ser surreal se não fosse igualmente criminosa – a de que ‘a turma do Planalto se vacinou’ contra a febre amarela. Quem é a ‘turma do Planalto’? Lula viaja o país inteiro, inclusive a áreas de risco de se contrair febre amarela, que existem em qualquer parte do mundo. Os ministros de Lula, também. Mas para que alguém que viajará à praia, por exemplo, ou que nem viajará, deveria se vacinar contra a enfermidade?

Imagine-se uma família que vai passar as férias em Santos, no litoral paulista. A possibilidade de contrair febre amarela numa região daquelas é menor do que zero. Além disso, alguém dessa família, sem saber, está com a imunidade do organismo abalada. Não fez exames que detectassem essa imunidade baixa e, para tomar vacina, não é preciso exame médico. A família comparece em peso a um posto de saúde para se vacinar, ajudando a esgotar os estoques do medicamento e prejudicando quem realmente precisa se vacinar, e ainda atrapalhando o funcionamento já precário da saúde pública ao aumentar as filas e, o que é pior, aquela pessoa com a imunidade comprometida tomará uma vacina que, por inocular no vacinado o vírus da febre amarela, pode desencadear problemas que podem até levá-la à morte.

Nas primeiras páginas dos jornais, os casos de superdosagem da vacina ou de incompatibilidade com ela são minimizados; por isso, os problemas causados por tomar a vacina sem necessidade já superam os casos de suspeita e de confirmação de febre amarela. O Ministério da Saúde já começa a fazer uma campanha de informação em massa para evitar que a mídia crie uma tragédia – de pessoas adoecerem pelo país inteiro e até virem a morrer por tomarem a vacina à toa. Enquanto isso, a famigerada colunista da Folha continua seu trabalhinho sujo, disseminando pânico.

Responsabilidade pelo caos

Até o momento, não se vê autoridade alguma se pronunciando oficialmente contra o alarmismo da mídia, apesar de que esta já começa a noticiar os problemas gerados pela vacinação imotivada. Contudo, muitos problemas advirão da campanha alarmista da mídia veiculada na segunda semana de janeiro. A minimização do risco da vacinação imotivada, que persiste, e a continuidade do alarmismo por gente com espaço na mídia, como a tal Cantanhêde, poderão provocar mortes, enfermidades, desgraças e até meros contratempos para a sociedade.

Onde estão as autoridades? Onde está o Ministério Público? Ninguém vai fazer nada? Ninguém será responsabilizado pelos problemas que já foram causados pelo alarmismo da mídia? Esse alarmismo é crime. Está previsto no Código Penal. E se nenhuma autoridade se manifestar, a organização que coordeno, o Movimento dos Sem-Mídia, tentará fazer alguma coisa, como, por exemplo, provocar o Ministério Público para que analise o comportamento dos meios de comunicação no caso em tela e a responsabilidade desses meios pelo caos que está sendo gerado.

******

Comerciante, coordenador do Movimento dos Sem-Mídia, São Paulo, SP