Saturday, 05 de October de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1308

“Julian Assange está bem, com bom humor”

 

“Eu fiquei chocado”, conta por telefone o jornalista americano Gavin MacFadyen, amigo de Julian Assange, diretor do Centro de Jornalismo Investigativo da City University, em Londres (CIJ) e conselheiro da Pública. “Julian não contou para ninguém que iria pedir asilo, para não nos colocar em dificuldades.” Segundo o jornalista, que dirigiu alguns dos mais famosos programas de jornalismo investigativo da televisão britânica, Assange recebeu uma carta de apoio à sua luta pela não extradição do cineasta Michael Moore e outras manifestações de nomes de peso, como os jornalistas Philip Knightley e John Pilger.

Uma delegação de movimentos sociais da Aliança Bolivariana das Américas (Alba) – da qual o brasileiro MST faz parte – entregou um documento na quinta-feira (20/6) pedindo que o presidente equatoriano Rafael Correa dê asilo a Assange. João Pedro Stedile, líder do MST, explicou durante o encontro: “Assange lidera a batalha contra os americanos e o monopólio da informação. Então, nós pedimos, em nome dos movimentos sociais, que o Equador possa recebê-lo”.

Para MacFadyen, porém, mesmo se o Equador conceder asilo diplomático, “Julian vai ficar por lá [na embaixada] durante muito tempo”. Leia a entrevista.

Você esteve ontem [20/6] na embaixada no Equador em Londres. Como está a situação? Tensa?

Gavin MacFadyen– A atmosfera é muito boa, até de maneira surpreendente. Julian está bem, com bom humor. E os funcionários da embaixada são muito solícitos, mais do que eu esperava. O quarto onde Julian está dormindo é um escritório muito pequeno. Ele dorme em um colchão inflável, desses de acampamento, no meio de algumas mesas. Mas durante o dia ele está com a sua equipe o tempo todo, trabalhando normalmente.

Por que o Equador?

G.MF. – Nada disso aconteceu de uma hora para outra, eu acredito que muitas coisas devem ter pesado na escolha. Mas Julian recebeu uma oferta de residência no Equador há dois anos, e o mensageiro disse que se ele estivesse em dificuldade poderia ir para a embaixada. Na entrevista que Correa deu a Julian para o programa O mundo amanhã, ficou claro que ambos compartilhavam críticas à política externa americana, eles até riram juntos ao falar disso.

Mas foi uma decisão que te surpreendeu? Foi repentina?

G.MF. – Olha, obviamente deve ter havido discussões anteriores, não é algo que se faz assim de uma hora para outra. Mas nós, os amigos mais próximos, não sabíamos de nada. Julian preferiu não contar a ninguém porque qualquer um que soubesse que ele planejava pedir asilo político seria obrigado por lei a entregá-lo às autoridades. Se alguém soubesse, poderia ser responsabilizado legalmente, então ele decidiu não avisar a ninguém – nem aos que deram dinheiro para a sua fiança – para protegê-los.

A imprensa tem noticiado que aqueles que pagaram sua fiança, como Michael Moore, o jornalista Philip Knightey e a socialite Jemima Khan, ficaram surpresos e decepcionados com o ato. Eles podem perder seu dinheiro.

G.MF. – Olha, eu falei com muitos deles. Todos ficaram surpresos, mas, no momento em que entrou na embaixada, Julian mandou uma carta a todos eles se explicando. Eu também fiquei chocado quando soube disso, como todo mundo. Mas se você pensa um pouco, percebe que houve uma reflexão séria que antecedeu esta decisão. Tanto que todos os apoiadores deles que pagaram a fiança, pelo menos os com que falei, mandaram cartas de apoio depois de receberem a carta de Julian. O jornalista Philip Knightley mandou um email, e o Michael Moore enviou uma carta de apoio.

Mas diversos jornais têm afirmado que os apoiadores estão se afastando de Julian.

G.MF. – Isso não é verdade. Michael Moore enviou uma carta oferecendo seu apoio e dizendo que entendia por que Julian tinha tomado esta decisão. Eu li essa a carta. A questão é: se há perigo de Julian ser entregue aos EUA, então a decisão que ele tomou foi correta.

Gavin, você é americano. Você acredita que existe este risco?

G.MF. – Eu acho que há um perigo potencial. E eu vou te dizer por que. Há um júri secreto que está se reunindo no estado da Virgínia há mais de um ano, e todas as decisões tomadas pelo júri são secretas. O governo dos EUA admitem que ele existe, mas não fala o que está sendo decidido ali. Basicamente eles estão testando uma acusação formal que deve ser feita contra o Julian. Estão buscando um tribunal que concorde em emitir um pedido de extradição. É esse o propósito do júri secreto. Advogados costumam dizer que um júri deste tipo, que existe nos EUA, consegue incriminar até um sanduíche de presunto. E o pior é que há muito segredo sobre o que está acontecendo, ninguém sabe o que se passa. É sinistro. Outra coisa: quatro membros do Comitê Nacional Republicano pediram a morte de Assange, dizendo que ele deveria ser caçado e assassinado. Eu nunca ouvi falar em algo assim em toda minha vida. E o próprio [Barack] Obama, em um evento público, disse que Assange violou as leis, que ele é culpado. Como alguém pode ser considerado culpado antes de ter havido qualquer julgamento?

Mas daí a buscar de fato a extradição…

G.MF. – Veja, os Estados Unidos são a única potência mundial que admite sequestrar pessoas. Eles têm uma política de assassinar pessoas no exterior quando são consideradas inimigas. Afinal, eles fazem sequestros, rendições extraordinárias quando é o caso. E todos sabem que os EUA gostariam de vê-lo preso. Algumas das acusações que estão cogitando fazer contra ele são a prisão perpétua ou pena capital. Estão cogitando acusá-lo de espionagem, ou de assessorar o inimigo – já se chegou a dizer que ele teria auxiliado a Al Qaeda, por exemplo, com os vazamentos no Afeganistão, o que é uma loucura completa.

A cobertura da batalha judicial de Assange mudou muito de tom desde o vazamento dos documentos diplomáticos. Hoje em dia grande parte da cobertura é bastante negativa. Qual a sua visão sobre isso?

G.MF. – Os veículos que decidiram ser hostis a Assange continuam sendo. Hoje [21/6] de manhã, por exemplo, alguns veículos reportavam que ele estavam com a barba por fazer. É terrível. Há grandes e importantes exceções, mas grande parte da mídia tem sido hostil à figura do Julian. Os jornais falam pouco dos documentos, não analisam seriamente o papel do WikiLeaks, o jornalismo do WikiLeaks, eles sugerem que Assange é um homem horrível, que tem maus hábitos, uma bobajada.

Não há uma sensação de que ele deveria ir encarar a justiça sueca de uma vez?

G.MF. – Sim, há um sentimento de que ele deveria ir à Suécia, mas muitas pessoas não se sentiram confortáveis com o fato de que ele deter muitos documentos secretos. Muitos jornalistas acham que ele é um anarquista, um homem louco, uma pessoa difícil de lidar. Mas uma parte disso é porque ele fez a grande imprensa a fazer coisas que ela não queria fazer.

Como por exemplo?

G.MF. – Como, por exemplo, sentarem todos na mesma mesa e colaborarem. O Guardian e o New York Times em particular, queriam exclusividade sobre os documentos, eles acharam que Julian era um nerd que eles iam conseguir dobrar, mas mudaram quando perceberam que ele é inteligente, e que manteve a mesma linha desde o começo. Eles não o convenceram, e ficaram muito bravos, todo mundo começou a acusar todo mundo… Em alguns casos, é uma questão de inveja mesmo. É um cara que não é um jornalista conhecido e respeitado, e de repente dá mais furos em alguns dias do que toda a imprensa ocidental em um ano. Eles odiaram isso. Além disso, Julian não segue as regras e normas deles, ele tem seu jeito de fazer as coisas.

Você considera Julian Assange um jornalista?

G.MF. – Claro, por qualquer critério que você quiser medir. Há algumas semanas ele recebeu o maior prêmio de jornalismo na Austrália, e é membro da associação australiana de jornalistas há muitos anos. Não há a menor dúvida que alguém que recebe documentos, que publica informações, que defende a liberdade de informação, que escreve sobre elas e produz material jornalístico é um jornalista. Mas essa é uma falsa discussão. Porque o problema é que quem diz que ele não é jornalista está retirando a proteção que a Constituição americana dá aos jornalistas. E isso é muito perigoso não só para o Julian, mas para todos os jornalistas.

Se o Equador der asilo político a Julian, o que acontece?

G.MF. – Está claro que se ele colocar o pé para fora da embaixada ele será preso, então vai ficar por lá durante muito tempo. Eu acredito que casos assim levam algum tempo para ser esquecidos, depois pode haver um acordo baseado em algum aspecto técnico, mas no final os britânicos vão concordar em deixá-lo ir se ganharem algo com isso. Depende de o Equador decidir se estão dispostos a pagar um preço por isso.

Você acredita que Rafael Correa vai garantir asilo a Julian?

G.MF. – Eu não sei. Espero que sim. O que ficou claro durante a minha visita à embaixada é que o pessoal lá tem sido muito amigável, caloroso e generoso. Eles estão tratando o Julian muito bem, então há uma postura obviamente amigável. Mas é claro que eles terão que procurar todo o auxílio jurídico necessário. Alguns jornais estão dizendo que deve sair uma resposta hoje [quinta, 21], mas eu acho impossível. O governo do Equador já disse que terá que conversar com o Reino Unido, a Suécia e os Estados Unidos – o que é uma prova de como eles estão conscientes de que o governo americano tem interesse em extraditá-lo.

O governo de Obama iria até o fim na busca da extradição? O próprio governo é acusado de vazar documentos para a imprensa…

G.MF. – Olha, o governo de Obama é ainda pior do que o governo Bush neste aspecto. Ele processou mais whistleblowers (informantes) do que qualquer presidente americano, e endureceu as regras internas do governo para quem vaza informações. Até o New York Times criticou duramente Obama por isso. E é claro, o caso de Bradley Manning é responsabilidade do governo Obama. É um caso terrível, se você pensar. Um jovem rapaz que já está sofrendo uma punição não usual e brutal, pela administração Obama. O que eles estão fazendo com Manning é tão sério que um membro do alto escalão do Departamento de Estado pediu demissão em protesto.

 

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[Natália Viana é jornalista]