Monday, 06 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1286

Mauro Santayana

‘Enganam-se os que pensam que a oposição a Lula é mobilizada pelo combate à corrupção. Não é a corrupção que incomoda os varões do PFL e os intelectuais do PSDB. Eles sabem que se o assunto for levado a fundo, estarão falando de corda em casa de enforcados.

A direita pode valer-se de todos os argumentos, dos filosóficos aos policiais, para explicar a sua histérica articulação contra o governo Lula, mas os seus motivos são os mesmos de sempre. São os mesmos motivos que, em 1954, armaram a mais sórdida das campanhas contra um homem honrado, patriota e nacionalista, o Presidente Vargas, e o levaram ao suicídio. São os mesmos motivos que procuraram impedir a aliança de centro-esquerda, constituída pelo PSD de Minas e o PTB, criado pelo próprio Getúlio, para eleger Juscelino e Jango no pleito de 1955, e que depois tentou impedir a sua posse. A direita brasileira, ainda que haja os que se intitulam como seus teóricos, não passa de uma farofada de vaidade, ódio, hedonismo oligárquico, racismo, franco ou dissimulado, e profundo desprezo pelo povo.

É no desprezo pelo povo que está o caldo das articulações de áreas do PSDB com os ultramontanos do PFL, os corruptos do PMDB, e essa arraia de miolos chochos que são as legendas comerciais do Congresso. Enganam-se os que pensam que a oposição ao governo Lula é mobilizada pelo combate à corrupção. Só os parvos não sabem que tais expedientes são tão antigos no Brasil, quanto a própria política. No Império já havia a compra de jornalistas e a ‘ajuda’ aos parlamentares quebrados. Homens como Justiniano José da Rocha, de resto um excelente analista dos fatos políticos, chegou a confessar, com lágrima nos olhos, se ter valido de recursos do Tesouro a ele repassados por um ministro ‘generoso’.

Ao longo da História homens qualificados como virtuosos, como é o caso de Francis Bacon, o grande pensador e homem de Estado do século 17, que confessou haver recebido suborno, depois de acusado pelo seu grande rival, George Villers, duque de Buckingham (muitíssimo mais corrupto do que o filósofo e assassinado quando tentava fugir da Inglaterra). Era uma intriga da corte, tal como as que estamos assistindo agora, e com relação à medíocre corte da prefeitura de Ribeirão Preto.

Não é a corrupção que incomoda os varões do PFL e os intelectuais do PSDB. Eles sabem que se o assunto for levado a fundo, estarão falando de corda em casa de enforcados. Ainda que os petistas fossem os mais honrados homens do mundo, haveria neles o pecado capital, o de, em sua maioria, virem das camadas do povo. O que incomoda é a química do suor dos proletários, ainda que o governo, hoje, esteja mais próximo dos banqueiros do que dos trabalhadores. Mas – e esta é a razão da elevação febril da oposição – o povo está começando a pensar, e quando o povo começa a pensar, as coisas podem mudar.

O tempo parece curto para recuperar a imagem dos príncipes da sociologia e da economia paulista, a tempo de ganhar as eleições do ano que vem. É preciso jogar tudo, agora. Preparemo-nos. Depois dos dólares cubanos, provavelmente virão os euros de Chávez, a coca de Morales, os mísseis da Ucrânia e os isótopos da Coréia. Isso sem falar, é claro, nos exemplares do Alcorão, que, de acordo com tais xerloques da mídia, já devem estar sendo distribuídos nos acampamentos do MST, juntamente com as cartilhas da Teologia da Libertação e o manual dos terroristas suicidas do Islã.

Ao contrário do axioma famoso, não é Deus que enlouquece os homens, quando os quer perder; é o diabo que os alucina, quando os quer ganhar.’



Renato Rovai

‘O que a Veja quer esconder’, copyright Novae (http://www.novae.inf.br), 3/11/05

‘A melhor maneira para esconder uma forte notícia é produzir outra que cause maior impacto. Não à toa que o panfleto semanal dos Civita traz na capa desta semana um Fidel de olhos arregalados substituindo Benjamin Franklin no verso de uma nota de cem dólares. Franklin é reconhecido pelo papel que desempenhou na independência norte-americana, principalmente por ter construído o tratado de paz assinado em 1783. Mas também foi o inventor do pára-raios. Como se sabe, o distinto invento serve para atrair as danosas descargas elétricas oriundas dos céus. A revista Veja bem sabia que nesta semana cairiam raios sobre líderes da oposição. Para neutralizá-los, nada mais fulminante do que atrair Fidel para o centro do esquema petista de captação de recursos ilegais.

Mas o que Veja quer esconder? Em primeiro lugar, busca tirar de cena o caso do senador mineiro Eduardo Azeredo, revelado na semana passada (21/10) pela concorrente Isto É. A revista provou que Marcos Valério pagou o silêncio do ex-tesoureiro da campanha de Azeredo, Marcos Mourão, com um cheque de 700 mil. A denúncia da Isto É, que derrubou o senador da cadeira de presidente nacional do PSDB, ainda trazia revelações que ficaram sem explicações.

A ver: ‘Embora os caciques do PSDB argumentem que o dinheiro que abasteceu o caixa 2 de Azeredo não tinha origem em corrupção nem em verbas públicas, as provas indicam o contrário: boa parte dos recursos da campanha mineira teve origem em empresas estatais, como as Centrais Elétricas de Minas Gerais (Cemig).

Em 21 de outubro de 1998, por exemplo, saiu R$ 1,6 milhão dos cofres da Cemig como pagamento à SMP&B, uma das agências de Marcos Valério. O pretexto para o pagamento era a produção de uma campanha publicitária da estatal para convencer os mineiros a gastar menos energia. Segundo a investigação do MP, o dinheiro teve outro destino. No dia seguinte, R$ 1,2 milhão foi parar nas contas de políticos aliados de Azeredo.’

Jornalismo ‘inconveniente’

ACMinho e a ACMão se incomodam com Carta Capital. O reinado dos ‘neo moralistas’ cada dia mais perto do chão. Sem pudores para retornar ao poder.

Mas não era só aos amigos tucanos que a capa com Fidel na nota de cem dólares interessava. Desde o fim de semana passado comentava-se em Salvador que a revista Carta Capital desta semana (28/10) traria fortes revelações sobre o esquema da Bahiatursa, estatal de turismo local subordinada a Secretaria de Cultura e Turismo do governo do Estado. E trouxe. Mas a operação pára-raios de Veja parece ter dado resultado. O midiático poder ignorou a descarga elétrica que, se bem investigada, pode aniquilar com o esquema de ACM.

A denúncia publicada por Carta Capital tem origem em um relatório do Tribunal de Contas do Estado (TCE) assinado pelo conselheiro Pedro Lino. São 200 páginas que revelam como funciona um caixa 2 operado a partir de contratos do governo do Estado com a agência de publicidade Propeg e ONGs formadas por funcionários públicos do esquema carlista. O relatório de Pedro Lino fala de uma movimentação, entre janeiro de 2003 a abril de 2005, de R$ 101 milhões em uma conta bancária não registrada no sistema de controle do caixa oficial do Estado. Para se ter uma idéia da grandeza dos números é praticamente o dobro dos R$ 55 milhões movimentados pelo PT via Marcos Valério. Os 55 milhões que, segundo o deputado federal ACM Neto, um dos mais escandalosos acusadores, produziu o maior escândalo da história da República.

ACMinho sabia que a matéria seria capa de Carta Capital. Seu painho-avô também. E tudo indica que já tinham trabalhado para que a denúncia deixasse de circular em semanas anteriores. Carta Capital mostra que a revista Época trouxe destaque no índice para o caso por duas vezes. Na edição do dia 10/10, apontava que a denúncia contra o esquema carlista circularia na página 43. Nenhuma linha. Na edição de 17/10, a página anunciada era a 37. Outra vez, nada. O leitor que achar um caso como esse na história do jornalismo deve enviá-lo para redação da revista Fórum. Uma matéria por duas vezes anunciada em um índice e que ficou sem publicação. Com a Carta Capital, os carlistas sabiam que seria diferente. A matéria sairia. E dessa conclusão pode ter nascido a solução Fidel.

Se não fosse isso, Veja poderia apurar melhor o material coletado. A própria reportagem se justifica dizendo que há contradições nos números apresentados pelas duas testemunhas vivas e que a única pessoa que teria conhecimento total do caso está morta.

Mas não pense, leitor, que Veja faz isso tudo só porque não gosta da barba quase branca do presidente Lula.

Os laços entre os Civita e a família tucano-pefelê são sanguíneos e os interesses comerciais comuns. O atual vice-presidente de Finanças do grupo Abril foi presidente da Caixa Econômica Federal durante o governo FHC. Emílio Carrazai ficou na CEF até 2002. De lá saiu para ajudar a Abril a enfrentar a campanha presidencial vindoura. Deixou a presidência de um banco público, para dirigir o caixa de uma revista de banca.

Há outros irmãos de sangue tucano-pefelê na turma dos Civita. Claudia Costin, secretária de Cultura do governo Alckmin até maio deste ano, é a vice-presidente da Fundação Victor Civita. Costin foi também ministra de Administração Federal e Reforma do Estado nos tempos FHC. Lembram-se da reforma de Estado na era FHC?

O sorriso do criador

Ensina a cartilha que o ódio e o rancor não podem mover um publish. A criatura Veja se desmoralizou e virou símbolo de tudo que é atraso, manipulação e interesses ‘não jornalísticos’. Mais uma obra do Governo Lula.

Em Veja nada é por acaso. A revista é a matriz intelectual da elite bufona. Seus petardos têm objetivo claro, criminalizar a esquerda. E defender seus interesses políticos e econômicos. Agora, Lula e o PT que se expliquem. É assim que funciona. A revista sabe que para ela é difícil comprovar a veracidade da história. Para os acusados é tão ou mais difícil desmenti-la. Imaginem Palloci reconstituindo um caso de recebimento de garrafas de uísque ou de rum. Sendo assim, a reportagem ficará sempre ali, a postos, para ser tratada como algo sem explicação. O jornalismo de Veja é isso, covarde. E a elite brasileira, nojenta. Pena que Lula e o hoje chantageado Palloci tenham sido tão dóceis com esses escroques.’



Reinaldo Azevedo

‘Ainda a Veja’, copyright Primeira Leitura (www.primeiraleitura.com.br), 2/11/05

‘Um leitor daqueles que fazem a linha malcriada me pergunta se estou ‘puxando o saco’ (sic) de Veja porque interessado em arrumar um emprego por lá. Ainda não. Se um dia precisar, baterei à porta da revista. Sou razoavelmente alfabetizado. Também sei fazer faxina na redação e sou bom para cortar textos – para espichá-los, então, uma beleza! Ainda mais fácil. Acho certas análises curiosas: as pessoas podem ser ‘contra’ a matéria publicada sobre a remessa de dólares cubanos por bons motivos. Mas só podem ser favoráveis a ela por algum interesse menor, mesquinho, pessoal. Não considerasse eu a reportagem correta, esse tipo de procedimento já bastaria para me fazer sair em sua defesa. Se há quem se diz ungido pelo bem absoluto, não me resta alternativa a não ser optar pelo ‘mal’. Detesto essa canalha que fica rezando do lado de fora da fogueira para salvar a alma de suas vítimas. Ah, os santos inquisidores da isenção! Vão se danar!

Quero que os críticos de Veja venham a público para revelar que teriam omitido o conteúdo da entrevista concedida por Vladimir Poleto e por Rogério Buratti. Pois que venham, que aí vou lhes indagar o que é, então, que eles escondem em suas gavetas, com o conhecimento, espero, de seus respectivos chefes e, bem, como diria Marilena Chaui, dos ‘burgueses proprietários dos meios de comunicação’. Será muito bom saber que um grupo seleto de pessoas guarda só para si informações, contrariando a dimensão pública do trabalho jornalístico. Pelo visto, há uma verdadeira associação secreta decidindo o que temos ou não o direito de saber.

A reação à revista Veja diz muito mais sobre a degradação dos costumes políticos e a perdição ideológica a que estamos submetidos do que propriamente a corrupção, o valerioduto e a canalhice reinante. Em essência, trata-se de reconhecer que há grupos que, de tal sorte estão e devem estar acima de qualquer suspeita, que as notícias que os degradam aos olhos da opinião pública só valem se tiverem como prova um ato de ofício.

Essa gente toda, no fim das contas, é terrivelmente aborrecida. Querem uma comparação? Vejam o espaço destinado pelos jornais ao pastel com cerveja que Paulo Maluf comeu na segunda e o dedicado aos dólares de Cuba no domingo. A edição de Veja na internet estava disponível desde a sexta de madrugada. Dava pra tentar ouvir até o Vaticano… Ah, mas Maluf é ‘nosso’ (deles) inimigo nº 1, não é? Tratava-se de evidenciar que ele, vá lá, mentia sobre seus problemas estomacais (ou não comeria pastel com ovo); tratava-se de deixar claro que ele trapaceava quando se mostrava meio lelé ao deixar a PF – como se tivesse sido esse estado a determinar a sua soltura…

A regra de ouro é a seguinte: mandamos os inimigos para a forca sem pensar; preservamos os amigos até o limite do ridículo. E olhem que tenho na minha carreira, gloriosamente, um processo vencido contra o ex-prefeito. Minha simpatia por ele é zero, como ele sabe bem. Deixei isso muito claro num Roda Viva. Nunca ninguém me pegou aqui dizendo, por exemplo, que José Dirceu não tem direito de recorrer ao Supremo. Tem, sim – Nelson Jobim é que tem de se conter (isso é outra coisa). Dirceu tem esse direito, entre outras razões, porque o sistema que ele defendeu, o socialismo, perdeu. Tem esse direito porque o sistema que ele tentou implementar depois, quando o país já era uma democracia de novo, deu com os burros n’água.

Mas já me desviei um pouco. Quero retomar o fio. Além de a grita contra Veja estar relacionada ao fato de que há uma ilha no meio do caminho – uma das ditaduras mais violentas do mundo, mas amada pelas esquerdas e pelos abilolados que já renunciaram ao socialismo, mas ainda guardam boas (?) lembranças -, há a ressaca com a derrota do ‘Sim’ no plebiscito. Descobrimos que há gente confundindo ‘isenção jornalística’ com covardia editorial, como se a uma revista fosse vedado o direito de tomar uma postura editorial. Os jornais que essa gente tanto ama e cita com freqüência – New York Times, El País, Le Monde, Libération – morreriam de rir. Aliás, as publicações de esquerda, as mais virulentas contra a Veja, não têm nenhum compromisso com a tal ‘isenção’ – e raramente se preocupam com a verdade.

Querem que os veículos de que discordam sejam isentos, anódinos, inermes para que possam, então, fazer sozinhos a sua gritaria. O seu princípio moral é mais ou menos o seguinte: ‘A Veja tem de ser isenta porque esse é um valor dela; nós não precisamos porque esse não é um valor nosso’. Entenderam? As publicações ‘inimigas’ estariam proibidas de defender as convicções que garantem a sua existência, enquanto eles, os justos, se dedicariam à tarefa de solapá-las. Trata-se de uma gente ridícula.

E um recado à canalha que fica me torrando a paciência: se um dia eu precisar de emprego, encontrarei um meio mais discreto de procurar um. Não sei se Veja vai continuar na história. Não tem obrigação nenhuma de fazê-lo. Sei é que Márcio Thomaz Bastos e a Abin têm a obrigação de mobilizar seus homens para investigar se entrou ou não dinheiro ilegal no país.

Espero que nem todo mundo, afinal, esteja ocupado grampeando telefones alheios.’



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‘Da conspiração ou por que quero tombar Marilena’, copyright Primeira Leitura, 7/11/05

‘Ando preocupado com Marilena Chaui, a notória professora de filosofia da USP. Acho que, como se diz por aí, ela anda batendo biela. E, antes que entre em pane, sugiro que seja tombada pelo Patrimônio Histórico. Vamos criar pra ela um pavilhão na USP – uma tenda já estaria de bom tamanho -, onde ficaria exposta à visitação pública como exemplo do stalinismo tardio. Depois de ela ter percorrido os relevos mais acidentados de Espinosa, dos frankfurtianos, dos biscoitos mais finos do que aquela gororoba ideológica que era tradicionalmente servida pelo comunismo, a filósofa decidiu ser, enfim, uma mulher simples, com pensamento simplório. Aliás, com pena própria, sem glosar ninguém, ela nunca passou disso. Um certo anarquismo larvar, que esteve subjacente a seu texto, era nada mais do que a contaminação de seus escritos pelo espírito do tempo.

Os anos 1980, pós-ditadura, assistiram a um, como vou dizer?, arreganho de sensibilidades divergentes. Marilena as abraçava. Mas o seu projeto, bem entendido, era e sempre foi o stalinismo vulgar. Foi preciso que a democracia plena chegasse, contra a vontade e os esforços do PT, para que ele brotasse inteiro. Daí, então, a necessidade do tombamento. Essa mulher já é um documento histórico. Estou entre aqueles que defendem que a múmia de Lênin continue exposta como símbolo de um período e que o pensamento mumificado de Marilena ganhe a sua tenda. Não vamos cobrar ingresso. A dose de sacrifício será ouvi-la. ‘Tenda da Madame Chaui. Entrada Franca. Se você conseguir’.

Por que escrevo isso? Leio na Folha que a mulher concedeu uma palestra no Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo – reparem que ela está começando a caminhar para os arrabaldes da militância – e voltou a denunciar a conspiração da imprensa, que comparou à Inquisição. Madame acha a Inquisição, que matou ao longo de alguns séculos, pouco mais de mil pessoas, uma coisa muito feia. Ela gosta do comunismo. Que precisou de apenas algumas décadas para matar uns 200 milhões. Afinal, ela é uma especialista em ética. Grande pensadora!

Marilena citou um certo texto de uma jornalista que revelaria como essa trama contra o governo Lula estaria sendo urdida. Fiquei curioso. Tentei saber do que se tratava. Não tinha a menor idéia. Só leio a literatura de esquerda de Gramsci para trás porque preservo meu tempo das palavras de energúmenos – só não tiro o revólver quando falam em Chomsky porque sou contra armas.

Liliana Pinheiro, a redatora-chefe do site, tirou a minha dúvida. Enviou-me um texto intitulado ‘Como se constroem as notícias’, de autoria de Marina Amaral, que é editora-executiva da Caros Amigos, uma revista de esquerda. Ele está reproduzido também no site Observatório da Imprensa e foi comentado por Chaui, a tombada, no programa homônimo de TV, comandado por Alberto Dines, transmitido pela Cultura. É um texto que merece ser lido (clique aqui) por várias razões. Antes que o comente diretamente, algumas observações.

Teorias conspiratórias

Vocês já ouviram falar, certamente, dos Protocolos dos Sábios de Sião, uma farsa criada pela polícia secreta russa para culpar os judeus por todas as mazelas do país e do mundo. Veio à luz em 1897 e ganhou o mundo em 1905. Vale a pena pesquisar a respeito para acompanhar como se constrói uma teoria conspiratória. Os Protocolos, vocês verão, teve origem na literatura. Os anti-semitas – Hitler também, é claro – sempre fizeram (e ainda fazem!) referência aos ditos-cujos. O que mais impressiona é que a peça é muito bem redigida, plena de situações tão falsas como verossimilhantes. Aliás, a boa mentira, aquela que funciona, tem, antes de tudo, de ser coerente e de seduzir.

Precisamos achar, nem que seja por autodefesa, que o mundo faz sentido. Independentemente de nossas crenças, de nossa fé. A religião responde, por exemplo, a uma necessidade e a um desejo de ordenamento do mundo. Os grandes sistemas têm de oferecer respostas críveis, verossímeis – olhem a palavra aqui de novo – para nos tirar no isolamento e da perplexidade. Por isso o fascismo seduziu tanta gente. Por isso o comunismo seduziu tanta gente. Ambos tomaram o lugar que estaria reservado à religião. Se Deus ou o mistério da criação já não podem responder às nossas angústias, algo há de fazê-lo.

Avanço um pouco aqui. Pensemos na tal ‘dialética’. Sugiro, um dia, que vocês peçam a um comunista desses de quatro costados, alfabetizados (cada vez mais raros, mas os há ainda), que tente lhes explicar o que é a dita-cuja. Ele não sabe. É o mistério. Ninguém entendeu até hoje. A ‘dialética’ é a ‘eucaristia’ de um comunista. Por meio dela, os fatos históricos, mesmos os mais inexplicados, acidentais, inscrevem-se numa trajetória de previsibilidade. A esquerda, afinal, precisa acreditar em alguma coisa. O fatalismo histórico é o seu mistério. E ele sempre se realiza, nem que seja pelo contrário: afinal, sabem?, trata-se dessa tal dialética…

Leiam o texto de Marina. Segundo seu relato, ela chegou àquele que seria o ‘centro’ da conspiração antilulista. E Marilena, claro, comprou a sua versão. Quase tenho preguiça de lembrar aqui que Umberto Eco já criticava a esquerda na década de 70 (!) porque ela supunha que o ‘Estado burguês’ tinha um ‘centro’. Marina conta o seu encontro com um sujeito – a fonte foi mantida prudentemente em off – que parece ser um misto de lobista e jornalista, cuja tarefa seria plantar informações/boatos contra o governo Lula. Sua rede de interlocutores seria, numa ponta, gente interessada em depor o presidente e, na outra, jornalistas mancomunados com esse intento, ainda que não quisessem. E isso explicaria, depreende-se, o atual estágio das coisas.

No longo texto, que vocês podem ler, não há um fato em particular sendo relatado. Não se antecipa nenhuma denúncia que tenha vindo a público posteriormente. Como um bom ‘Garganta Profunda’, este também tem de se manter na obscuridade. Como não há fatos a cotejar com a ‘reportagem’ para conferirmos a seriedade da fonte, a gente é obrigado a acreditar na jornalista. Ok, vá lá, acredito. Bem entendido: dou de barato que alguém lhe contou aquelas coisas todas, que ela não as tenha inventado.

A exemplo dos Protocolos, há um permanente clima de mistério, trama e personagens se movendo nas sombras. A exemplo dos Protocolos, quando sua ‘fonte’ ataca mais duramente o PT, é justamente quando faz a sua defesa mais candente. Naquele texto anti-semita, um ‘judeu’ revela mazelas da sociedade que, no fim das contas, são reais. Mas ele o faz não porque queira um mundo melhor, e sim porque quer dominá-lo.

Marina deve ter-se encontrado com algum Napoleão de hospício. A outra hipótese é que seja algum agente do PT se passando por lobista para, ao falar mal do partido, cantar as suas glórias. Mas Por que alguém faria isso com Marina? Reparem no trecho que segue. Diz a personagem secreta para a nossa repórter investigativa: ‘Você pode não acreditar, mas, mesmo sendo de direita, defendo a necessidade de existir um partido de esquerda, um partido que esteja fora do esquema, como era o PT antes de assumir o governo. Claro, o PT roubou muito menos do que os outros governos. Em uma única jogada, o governo Fernando Henrique ganhou três vezes mais, comprando ações lá fora da Petrobras, por exemplo, dias antes de comunicar ao mercado a exploração de mais um campo de petróleo, vendendo os papéis logo depois de fazer o anúncio oficial da descoberta, o que triplicou o valor das ações. Cada notícia de que uma estatal seria privatizada era precedida da mesma operação: o Sérgio Motta anunciava que a empresa seria leiloada, as ações subiam vertiginosamente, e eles vendiam no primeiro dia da alta. Nada de tentar ganhar mais e se arriscar ao flagrante. Os caras sabiam o que faziam.’

Vê-se que Marina não entende nada do funcionamento de Bolsas ou teria desmoralizado a história de sua fonte. O conhecimento do Garganta Profunda do mercado de ações se equipara ao de um asno. Marina não tem culpa de seu lobista ser uma besta, é claro. Quem seria, por exemplo, o sujeito doverbo ‘comprando’? Quem comprava ações? O governo? O tucanato? Já que a fonte de Marina fala em off, por que não revela ao menos alguns nomes? Nada! Ninguém! O relato é de tal sorte boçal, que os ditos ladrões, para esconder sua roubalheira, compravam ações um pouco antes do anúncio dos ‘campos’ (sic) de petróleo e as vendiam um pouco depois. Isso porque eles não queriam que ninguém soubesse de nada… Santo Deus! É de chorar! Não existe anúncio de ‘campo’ de petróleo. O que existe é a confirmação de uma reserva. Um processo que costuma ser demorado, que jamais colhe o mercado de surpresa. O cretino não sabe o que fala. E Marina lhe dá voz, vê-se, sem ter a menor idéia do que está reproduzindo. Ou ela muda de fonte ou não vai aprender nada nem sobre as Bolsas.

A história dos leilões anunciados por Sérgio Motta, então, são de rolar de rir. Imaginem se chegou a haver coisas como: ‘Bom, pessoal, amanhã a gente leiloa a Telebrás!’ Foi, como sabem, uma batalha longa, cheia de dificuldades e entraves legais. Ademais, Marina, quantas foram as ‘empresas leiloadas’ por Sérgio Motta? Acho impressionante que a editora executiva de uma publicação publique um troço desses sem nem sequer recorrer ao arquivo. Motta foi ministro das Comunicações de FHC e morreu antes da privatização da Telebrás.

De todo modo, a editora-executiva da Caros Amigos julgou estar falando com um homem muito sábio e influente, num bairro ‘de elite’, com ‘quadros verdadeiros’ na parede. Curiosidade: viu o certificado? Eu não acreditaria nesse cara… E Madame Marilena achou o máximo. Não sei se o Observatório da Imprensa também gostou. O texto está lá reproduzido. Talvez só tenha querido abrir o debate…

Mas vamos voltar ao lobista antigoverno. Num outro rasgo de ‘hostilidade’ ao partido, ele diz, prestem atenção: ‘(…)o PT não sabe nem pode roubar. A esquerda tem de ser franciscana, não pode se corromper, tem que fazer como os partidos comunistas europeus, administrar as prefeituras e ser oposição em âmbito federal. Quem quer ser governo tem de conhecer o esquema, ter aliados reais, cúmplice de muitos negócios. O PT não sabe nem como operar: imagine esse Delúbio, que é um caipirão goiano, um sindicalista militante do PT, e esse outro Silvinho, que não consegue nem falar português decentemente, operando esquema! Isso aí é coisa pra quem sabe, pra Sarney, ACM, Sérgio Motta. Estava na cara que eles iam ser apanhados.’

Não é mesmo comovente? Pobre PT! Os rapazes tão despreparados para a lambança! Nem roubar eles sabem! O maior esquema de corrupção da história da República, que deve ter movimentado, por baixo, uns R$ 3 bilhões, como a gente vê, foi coisa feita por um ‘caipirão goiano’ e pelo ‘Silvinho (Land Rover) que nem fala português direito’. Em suma, são, em vez de protagonistas da maracutaia, como diria aquele, vitimas de gente má como este lobista com o qual Marina topou.

Ele é de direita

Um rapaz que faz tantas maldades, é claro, confessa-se a Marina um ‘homem de direita’. Ora, gente: se ele não fosse de direita, de onde conseguiria tirar tanto mau-caratismo? Como a gente sabe, um esquerdista legítimo jamais agiria por motivações menores. Aliás, é o direitista rancoroso quem confessa para a nossa repórter investigativa: ‘Eles [os petistas] não merecem confiança, são bolcheviques, roubam para a causa. Claro, tem gente ganhando pra si também, mas não é essa a cabeça deles, pensam que estão acima do bem e do mal, que têm o monopólio da ética. São arrogantes, tratam todo mundo como se fossem melhores do que os outros, só podia acontecer isso mesmo’ Entenderam? O que a direita rejeita no PT é o fato de o partido roubar por uma causa (logo, entende-se, se a direita não gosta disso, a esquerda, creio, deva gostar, não é?). Não há, como se vê, nenhuma restrição de natureza ética ou moral à sem-vergonhice. Gente de direita é assim mesmo. A esquerda pegou toda a ética só para si, a gulosa. Aliás, para onde quer que a gente vire rosto, só topa com notáveis monumentos morais do esquerdismo: Lênin, Stálin, Mao Tse Tung, Pol Pot, Fidel Castro, Brecht, Diego Rivera. Gente incapaz de fazer mal a uma mosca. A uma mosca, entendem?

Marina, como a gente intui, não é, claro, de direita. Ou não seria a editora-executiva na principal publicação de esquerda do país. Cada esquerda tem a New Left Review que merece. A nossa merece a Caros Amigos. Não sei se Marina perguntou por que razão a sua fonte, ‘de direita’, empenhada em ‘depor Lula’, lhe contaria os bastidores de suas ações sórdidas. Afinal, quero crer, se alguém desse bola – Marina, eu e Marilena Chauí estamos fazendo a fama da ‘reportagem’ – à denúncia, creio que o objetivo tanto ideológico como, vá lá, funcional de nosso ‘Garganta Profunda’ estaria prejudicado. Por que ele se revelaria à repórter. Vaidade? Mas que vaidade é essa que faz questão de se manter nas sombras? Que ‘vaidade’ é essa que prefere falar a uma publicação quase clandestina em vez de, sei lá, à revista Veja? Ah, sei, a Veja também está envolvida na conspiração… Também terei o meu ‘Garganta Profunda’ na esquerda. Ele vai me contar tudo.

Num outro trecho de sua matéria investigativa, Marina escreve: ‘Cito o nome de um repórter, apontado como ‘contratado’ de um grande grupo privado para plantar matérias do interesse do cliente na revista em que trabalha, cujo dono também é acusado de vender matérias de capa a empresários em dificuldades. Acrescento que há conversas gravadas e e-mails por trás das denúncias publicadas por outra revista semanal, essa fora de seu círculo de relações. Ele afirma ser amigo de ambos os denunciados e acrescenta, irônico: ‘Foi nessa revista que saiu? Então não faz mal. Essa ninguém lê’. Ele sentencia isso, embora a tiragem de ambas as revistas – denunciada e denunciante – seja praticamente a mesma.’

Se bem entendi, uma revista é enxovalhada ali, e outra vira depositária praticamente única da dignidade – já que o tal ‘lobista’, nela, não tem vez. Prefiro não chutar o nome da revista má, já que Marina preferiu ser oblíqua. Mas me parece que o elogio indireto vai para Carta Capital. Não vejo por que a autora possa se privar de falar bem de uma publicação. Elogiar, que eu saiba, não rende ações na justiça. E já que estamos no reino dos ‘bons’, que não conspiram, e dos ‘maus’, que conspiram, que ao menos possamos distinguir os ‘decentes’, né, Marina?

E, por falar em decência…

Não sou dado a ver conspirações. Que considero o PT um mal para o país, ninguém que me lê duvida. Quando lhe aponto o perfil totalitário, não o vejo, como a personagem saída da pena de Marina, tramando nas sombras. Os petistas são como a Al Qaeda: células de mal em rede, em malha, sem necessariamente um centro, o comando. Já interiorizaram todos os procedimentos que têm a democracia como inimiga. Por isso não caço petistas. Não adianta. Aquele que a gente não vê é pior do que aquele que a gente vê. Um petista é mais eficiente quando enrustido. Está nas redações dos jornais, nas TVs, sempre camarada com seus chefes ‘reacionários’ ou ‘vendidos’, sempre muito preocupados com a isenção… Qualquer hora, faço o perfil do petista no armário. Me aguardem.

De resto, se eu quisesse, seria fácil opor à conspiração denunciada por Marina a ‘contraconspiração’, que seria conspiração também. A já aludida Carta Capital, por exemplo, está nas bancas com uma matéria de capa (clique aqui para ler um trecho) em que denuncia um esquema envolvendo Marcos Valério e o governo FHC. É coisa antiga, que está sob investigação na Justiça, à espera de provas. Por critérios editoriais que não debato – cada um tem o seu; a Carta é que, certa feita, resolveu questionar os de Primeira Leitura -, a revista achou isso mais importante do que, por exemplo, as evidências de que dinheiro do BB irrigou o valerioduto. Cada um na sua.

Carta Capital, que eu saiba, chegou às bancas neste sábado, dia 5 de novembro – a matéria estava na Internet desde sexta à noite, 4. No mesmo dia, no site do Diário do Grande ABC (Clique aqui) , estava publicada denúncia idêntica. O Diário é o jornal de Ronan Maria Pinto, uma das personagens de destaque investigadas pelo Ministério Público sob acusação de participar de um propinoduto em Santo André. Segundo ainda o MP, o tal propinoduto está na origem da morte do prefeito Celso Daniel. Não é por causa disso que devo ler com suspeição a matéria de Carta Capital, certo, Marina? Ou será que devo?

Não é por isso que vou sair por aí a sugerir que a Carta Capital e o jornal do Ronan decidiram publicar a mesma denúncia porque, mancomunados, estariam empenhados em defender o governo Lula, atacando, com denúncia requentada, o governo FHC. Não. Acho que ambos têm a seriedade jornalística que conseguem ter. Se alguém vier me contar que uma mesma fonte pautou os dois veículos, não atribuirei a tal informação a menor importância. Os lobistas tentam mesmo pautar a imprensa. Cabe a cada veículo filtrar o que presta e o que não presta. Já houve tentativas de fazer um jornalismo que só interessava ao ‘povo’. Em Cuba, ainda existe tal modalidade. Chávez tenta implementá-lo na Venezuela.

Na matéria de Marina, senti falta de uma avaliação sobre a qualidade das acusações contra o governo Lula. Afinal, elas estão ou não se provando? Afinal, havia ou não corrupção nas estatais? Havia ou não um esquema com Marcos Valério? Havia ou não pagamento irregular a Parlamentares? Lendo o texto, entendi que há muitos homens maus que agem contra o PT. Só não entendi se, segundo Marina, isso torna o partido uma coisa boa e pura por definição. Mas também não estou interessado em saber. Acho, reitero, que ela gastou papel dando asas a um Napoleão de hospício.

De todo modo, já temos os ‘Protocolos dos Sábios Tucanões’ com o roteiro para depor o governo popular. Marina o encontrou. E a gente tem de admitir uma coisa: se existem mesmo esses ‘conspiradores’, seus maiores aliados são os petistas e suas lambanças, né, Marina.

A coisa boa da democracia é que existem publicações como Caros Amigos, Carta Capital e o jornal do Ronan Maria Pinto que podem armar a resistência. Se o PT já tivesse conquistado tudo o que almeja, só seria permitido conspirar a favor.’



O Estado de S. Paulo

‘Secom diz em nota que não beneficiou agências’, copyright O Estado de S. Paulo, 6/11/05

‘A Subsecretaria de Comunicação Institucional (Secom) da Presidência da República respondeu ontem, em nota, ao relatório da Controladoria-Geral da União (CGU) que classificou de indevida a interferência da Secom na escolha de agências de publicidade pelos Correios. De acordo com a nota, a subsecretaria não beneficiou nenhuma agência específica ao mudar os critérios de licitação.

O texto da CGU diz que foi determinação da Secom baixar de 25 para 20 pontos o peso do critério ‘idéia criativa’ e autorizar a redução do valor do patrimônio líquido exigido das empresas para participar da licitação, de R$ 3 milhões para R$ 1,8 milhão. Essa alteração beneficiou a SMPB, de Marcos Valério.

A Secom afirma que não houve necessidade de analisar o patrimônio das empresas, pois todas ‘atenderam aos requisitos de liquidez e solvência, cuja análise precedia a do patrimônio líquido’. A principal reclamação da Secom é a de não receber o relatório da CGU antes de sua divulgação e por seus técnicos não serem procurados.’