Friday, 01 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1312

Nelson de Sá

‘Da TV ao site, passando por rádio e jornal, os comentaristas das diversas versões da Globo decretaram que Lula levou a semana, nas duas frentes. No JN, Franklin Martins decretou:

– Os bombeiros entraram em ação. Resultado: o clima mudou.

Com ele concordaram Alexandre Garcia, na TV, Merval Pereira, na CBN e em ‘O Globo’ (oglobo.globo.com/jornal), e Tereza Cruvinel, também no jornal. Esta identificou ‘outros tons’, quer dizer:

– Sinais objetivos de mudança na conjuntura… José Dirceu recuperou a combatividade… A reforma do Judiciário passou pelo último gargalo… O tom médio da oposição baixou.

Louve-se o PSDB por quase tudo. O discurso de Tasso Jereissati, após ‘aval’ de FHC, foi o foco da mudança.

E ainda tem a frente econômica. Míriam Leitão, na CBN, sobre o corte nos juros e, depois, a recuperação no comércio:

– Queda da Selic é indicação de que o governo retomou a redução dos juros… Alta nas vendas no comércio indica o início da recuperação econômica…

A paixão do padre

Enquanto o presidente da CNBB defendia pela enésima vez o filme ‘A Paixão de Cristo’ no Jornal da Band, a América descobria o ‘padre popstar’ Marcelo Rossi. De Miami a Nova York e San Francisco, jornais reproduziram despacho da agência Associated Press sobre ‘Mary, Mother of the Son of God’, ‘Maria, Mãe de Deus’, o filme do padre.

A distribuidora Columbia ‘está planejando’ lançar a obra na América Latina e nos Estados Unidos.

Juízo tucano

O discurso de Tasso confundiu os arautos. Reinaldo Azevedo, no site Primeira Leitura (primeiraleitura.com.br), mudou o tom ao fechar a semana:

– Ninguém, ninguém que tenha juízo ao menos, pode apostar no ‘quanto pior, melhor’.

O que não quer dizer que os tucanos devam ceder à ‘pusilanimidade’. E assim José Serra e Jorge Bornhausen se encontram amanhã na casa de FHC para preparar um encontro da ‘frente de oposição’.

Já está prevista uma nota conjunta no fim do encontro, a ser assinada por Serra, Bornhausen e… Leonel Brizola.

País do futuro

Em meio a ameaças de mais imposto, o Brasil privado vai bem, pelo mundo.

O ‘Los Angeles Times’ (latimes.com) afirmou em reportagem que ‘as empresas do Brasil impressionam globalmente’.

O ‘Wall Street Journal’ (wsj.com) e o ‘Financial Times’ (ft.com) parecem concordar, com cobertura quase diária de Ambev, Embratel, Embraer, além de entrevistas com o chanceler Celso Amorim.

O ‘WSJ’ foi além na boa vontade, em reportagem sobre os planos do Citigroup, que passou a priorizar 14 países. O jornal não diz quais, mas acrescenta na sequência:

– Em menos de 40 anos, as economias de Brasil, Rússia, Índia e China –as economias BRIC– poderiam se tornar maiores do que as economias combinadas dos EUA, Grã-Bretanha, Alemanha, França e Itália.

Negócio da China

Mas o país paga o preço, pelo mundo.

O ‘Diário do Povo’ (english.people.com.cn), do PC chinês, destacou que, em nota, o Brasil se disse ‘contra a ação unilateral’ de Taiwan –de convocar o referendo de ontem. E que ‘o governo brasileiro afirma seu apoio à reunificação’.

Por sorte, o referendo caiu nas urnas, ontem em Taiwan.

Pesadelo

A forma como os argentinos se referem a Anne Krueger, diretora-gerente interina do FMI, segundo o ‘Estado’:

– A irmã mais malvada de Freddy Krueger.

Eleição planetária

Esta coluna estréia diante da constatação, entre outras, de que ‘a primeira eleição planetária já começou’. É o que diz a ‘Newsweek’ (newsweek.com):

– A cobertura hoje é global. Desde 11/9 que eu venho checando regulamente sites da Al Jazeera ao ‘Guardian’.

Na eleição planetária, Bush fez o discurso de sexta ao vivo pela americana CNN, a britânica BBC e a brasileira Band News.

Showbizz

Rupert Murdoch, dono de Fox News, ‘Times’ de Londres e, por aqui, de Sky e DirecTV, encerra hoje em Cancún uma convenção de seus grandes executivos.

O evento tem dois temas: política e showbizz. Participou a assessora de Bush Condoleezza Rice, anteontem.

Segundo o ‘Guardian’ (guardian.co.uk), Rice ‘sublinha a importância das operações de Murdoch para a administração Bush’.

Lá como cá. A Globo faz amanhã um evento em São Paulo. A abertura corre por conta do ministro José Dirceu.

Botequim

Quando as coisas pareciam esfriar, eis que o ministro Roberto Rodrigues surge na capa de ‘O Globo’, dizendo à coluna ‘Nhenhenhém’:

– Mandei o vagabundo do (também ministro) Guido Mantega para a PQP.

‘Agora, ele nega’, diz o jornal.

MITO E REALIDADE

Em longa entrevista à ‘Carta Capital’ (cartacapital.terra.com.br), destacada por Boris Casoy na Record, Carlos Costa, que ‘chefiou o FBI no Brasil’, diz:

– A Polícia Federal está infiltrada… A DEA (Drug Enforcement Agency) contribui com milhões na conta privada de delegados.

Mas ele também cita um ataque aos EUA que interceptou, planejado por um certo ‘Padilha’ e que destruiria a Casa Branca com uma ‘bomba atômica’.

Diz, por fim, que acaba de escrever suas ‘memórias’, com o título ‘FBI: o Mito e a Realidade’.

VENDENDO A CIA

Como noticiou o ‘NYT’, o novo vídeo de recrutamento da CIA está no site da agência. Nele, a atriz Jennifer Garner, da série ‘Alias’, do canal pago Sony, promete:

– A CIA tem empregos importantes e excitantes para cidadãos dos EUA, especialmente aqueles com domínio de língua estrangeira. A coleta de inteligência internacional nunca foi tão vital para a nossa segurança nacional.’

***


"Cores tucanas", copyright Folha de S. Paulo, 23/03/04


"No fim da semana passada, José Serra disse ao ‘Estado’ que os governadores tucanos estão fora do encontro da ‘frente de oposição’, quinta que vem, porque ‘eles não têm que cuidar do cotidiano do embate partidário’.


Pode ser, mas se evidenciou um conflito que era preciso amenizar. E ontem ‘O Globo’ trouxe Serra negando a divisão e dizendo concordar até com o discurso pró-Palocci de Tasso Jereissati. Dois líderes serristas no Congresso ecoaram.


No mesmo ‘O Globo’, uma avaliação diferente, de Tereza Cruvinel, dizia que ‘a unidade tucana está turvada.


Tanto é assim que o velho amigo de Tasso, Ciro Gomes, pode estar a caminho do PTB, que já convidou o governador tucano Aécio Neves. E outro governador tucano, Cássio Cunha Lima, já teria até data de filiação prevista.


Daí talvez o retorno à cena de FHC -que a CBN descrevia ontem como ainda ‘a grande referência para a oposição’, ele que fez jantar preparatório do encontro, ontem à noite.


Mas o que é a ‘frente’ que vem aí, sob as asas de FHC? Jorge Bornhausen traz a lista dos convidados, no site do PFL: ele mesmo, Serra, Brizola e Espiridião Amin. Não fala de Tasso ou Aécio.


Entre os confirmados, faltou apenas citar Paulinho, recém-brizolista, mas sobretudo o chefe da Força Sindical -que, coincidência ou não, convoca em seu site manifestações pelo país todo, na véspera da estréia da ‘frente de oposição’.


COMBATE Enquanto a Radiobrás anunciava que Lula e o ‘núcleo duro’ passariam ‘toda a manhã no palácio’, José Dirceu surgia ao vivo na Globo News em palestra sobre ‘inclusão social’. Com o logotipo do canal ao fundo, esforçou-se num espetáculo de ‘combatividade’ que ecoou por Rede Globo, CBN, Globo.com, etc.


Problemas


Chico Buarque opinou sobre o governo Lula, e dias depois Caetano Veloso também.


Ricardo Noblat, de ‘O Dia’, perguntou ao músico, que diz ter votado em Lula, ‘como vai o governo’. Resposta:


– Com grandes problemas, no momento… Claro que Serra começaria de cara com uma política menos ortodoxa.


Mas não é Serra a alternativa de que ele mais gosta, ao que parece -e sim o ex-guru de Ciro Gomes e Brizola:


– Gosto é das observações e das sugestões de Mangabeira Unger. Ele aponta saídas.


Futebol


Corre por televisão, rádio e internet uma nova metáfora futebolística, agora para tentar explicar a ‘indisciplina’, como descreveu Boris Casoy, que grassa no governo Lula:


– Falta capitão e técnico.


Ou ainda:


– O capitão sofreu contusão e o time perdeu o rumo.


Cala-boca


Não é capitão nem técnico, mas sobrou para o ministro Luiz Gushiken falar grosso, no Jornal Nacional:


– A liberdade de opinião dos ministros, dos assessores que o presidente escolheu, se restringe às reuniões internas.


Lula lá


Mas Lula ainda tem os seus fãs, pelo mundo afora.


O ‘Financial Times’ trouxe reportagem com o título ‘Lula planeja ajudar pobres do Brasil a estudar em universidades’.


E o ‘El País’, no meio dos choques do atentado e eleição, arrumou tempo para destacar ‘O sonho de Lula’ no caderno ‘Babelia’, com uma crítica de dois livros sobre o presidente, ‘Tengo un Sueño’, do próprio Lula, e ‘Por fin, Brasil’, de duas jornalistas espanholas.


Autorizada


Pedro Bial, apresentador do ‘Big Brother Brasil 4’, divide o tempo com tarefa diferente -ou não. Dele, no ‘Diário de São Paulo’, que é da Globo:


– Estou escrevendo o perfil biográfico do doutor Roberto Marinho. E a pesquisa está sendo fascinante: tive acesso a uma documentação guardada desde o início do século 20 e entrevistei diversas pessoas.


Será, de acordo com Pedro Bial, ‘uma história do Brasil contada através da biografia do maior empresário do país’.


Empregos lá


É corrente, nos comerciais de empresas brasileiras, apelar para o nacionalismo.


O ‘Wall Street Journal’ de ontem ironizava uma situação insólita, mencionando uma propaganda que dizia:


– Muito da América vai nas aeronaves que construímos.


E o slogan, no final:


– Fortalecendo a aviação americana. Criando empregos americanos.


Era da Embraer, que está competindo com empresas americanas por contratos de defesa dos Estados Unidos.


CONTRA TODOS


Não foi o assassinato do líder do Hamas que concentrou a atenção nos EUA, mas um novo livro, lançado ontem, ‘Against All Enemies’ (à dir.), contra todos os inimigos, que jogou George W. Bush nas cordas.


‘A Casa Branca está em esforço concentrado de controle de danos’, descrevia o ‘Washington Post’. Richard Clarke, ex-assessor de Bush, escreveu (e falou à CBS) que:


– O presidente falhou ao não agir antes do 11/9 contra a ameaça da Al Qaeda, apesar de ter sido avisado.


E mais: já em 12/9 ele teria estimulado o ataque ao Iraque.


O ‘controle’ ocupou a assessora Condoleezza Rice o dia todo, com artigo no ‘WP’ e ao vivo na Fox News, CNN, CBS, ABC e NBC. Como nada funcionava, o porta-voz de Bush saiu acusando Clarke de ‘ligação com a campanha Kerry’."





Milton Coelho da Graça


"Fico com Moreno. Ministro mentiu.", copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 23/03/04


"O ministro Roberto Rodrigues está mentindo ao país, quando afirma, em nota oficial: ‘É verdade que fiz um desabafo na quarta-feira a um grupo de parlamentares da bancada do Nordeste que foram tratar de questões de interesse do setor sucroalcooleiro. Não é verdade, no entanto, que tenha proferido palavras de baixo calão ao me referir ao ministro do Planejamento.’ Várias testemunhas confirmam que o ministro da Agricultura chamou o ministro do Planejamento, Guido Mantega, de ‘vagabundo’ e, com todas as letras, mandou seu colega de governo ‘à p… que o pariu’.


Nem sequer haveria necessidade testemunhas. Jorge Bastos Moreno é um dos mais respeitados e confiáveis jornalistas de Brasília. Roberto Rodrigues deveria saber que seu cargo num governo democrático impõe, de um lado, que diga a verdade à opinião pública e, de outro, que respeite a imprensa responsável.


O Ministro deveria engolir a revelação de seu ‘desabafo’ grosseiro e confirmá-lo pelo silêncio. Ou pedir desculpas públicas a Mantega. Mas nunca acusar um jornalista sério de estar inventando uma situação ocorrida diante de dezenas de parlamentares.


Você acredita em alguma coisa que esse ministro venha a dizer de hoje em diante? Eu não. Moreno é uma pessoa confiável, Roberto Rodrigues não é.


Podemos ter esquecido, Zandanela não


Rogério Zandamela, o sorridente representante do Fundo Monetário Internacional, está deixando o Brasil. Numa interessante entrevista de despedida (O Globo de domingo, 21/3), ele confirma que todos os candidatos à Presidência benzeram o acordo do País com o Fundo. Vale a pena recordar com atenção duas das perguntas feitas pela repórter Flávia Oliveira.


Jornalista : ‘…Todos os candidatos tiveram que aprovar o acordo?’


Zandamela: ‘Foi uma questão de pragmatismo. O acordo só serve se tiver credibilidade. E ela depende do apoio da sociedade, dos movimentos políticos.’


Jornalista: ‘O apoio dos partidos de oposição foi um sinal de maturidade democrática?’


Zandamela: ‘Certamente. Nenhum partido questionou o acordo. O FMI não foi uma questão da eleição.


Acompanhei todos os debates e a discussão sobre cumprir ou não o acordo nunca esteve em pauta.’


É só um lembrete, quase dois anos depois, de que metas de inflação, superávit fiscal etc. etc. foram aceitos por FHC, com plena aprovação de Lula, José Serra, Anthony Garotinho e Ciro Gomes. Que eu me lembre só o pessoal do PSTU e do POC gritou contra o FMI.


Coluna mudou mas errou no título


Nelson de Sá ampliou sua ótima coluna na Folha, passando a tratar não só de televisão, mas também de outros meios de comunicação. O diabo é que o título ficou errado e esquisito. Media (assim mesmo, sem acento), como se sabe, significa ‘meios’ em latim. Os americanos passaram a usar a palavra como significativa do conjunto dos meios de comunicação e nós criamos o neologismo com a aceitação da pronúncia em inglês. Portanto, mídia significa o conjunto dos meios de comunicação e TODA MÍDIA, novo título da coluna, até demonstração em contrário, é um contra-senso. Aguardamos, caro Nelson."



PF EM GREVE
Janio de Freitas

‘Insuportável’, copyright Folha de S. Paulo, 18/03/04

‘A trégua generosamente concedida pelos agentes da Polícia Federal em greve, ou que assim se dizem, não se dá no embate que travam com o governo, como supõem os próprios concedentes. A trégua é dada à parcela da população compelida a embarcar ou desembargar nos aeroportos de São Paulo e Rio, e que já precisava reabastecer a passividade para mais humilhações policiais.

Jornais, TV e rádios estão próximos do silêncio, quando não de todo omissos, diante das anormalidades provocadas pelo que chamam de greve dos agentes da PF. Há variados motivos para o escapismo mal disfarçado, mas não errará muito quem queira atribuí-lo a medo de represálias individuais, a meio de um imprevisto sempre possível.

Desde o dia 9, quem chegou a um daqueles aeroportos, em saída ou em chegada, foi submetido ao mais antidemocrático dos preceitos: todos são suspeitos até prova em contrário. Um a um – idosos, mulheres, crianças e homens – todos passaram por processos de identificação minuciosamente provocadores, cujo único intuito foi o de martirizá-los com cansaço físico e ansiedade exasperante, por horas insondáveis, duas, quatro, cinco, de pé nas filas sem fim.

A esse tratamento os agentes da PF deram o nome de greve. Greve para que lhes seja dado, e aos escrivães e papiloscopistas, ‘vencimento de nível superior’. Greve? Não. O direito de greve é reconhecido dentro de condições determinadas, que não incluem a arbitrariedade, muito menos a arbitrariedade praticada com uso do poder de autoridade.

Por intermédio de representantes sindicais, os agentes da PF afirmam que a verificação rigorosa da identidade de passageiros, em embarque ou desembarque, está em suas atribuições. Sim, mas em termos. Servidores públicos só podem fazer o que a lei autoriza. E nenhuma autoriza a exorbitar a pretexto de verificação de identidade ostensivamente morosa. Lentidão intencional contra os cidadãos, como está dito com clareza pelo vice-presidente da Federação dos Policiais Federais, João Valderi, ao falar da trégua: ‘Se o ministro [da Justiça] continuar a falar esses absurdos, vamos retomar a operação ainda lenta’.

Além de contrariar o princípio legal básico do serviço público, o tratamento dado aos passageiros constitui constrangimento físico e moral com propósito de alcançar benefício. Todo agente federal sabe o que é isso, porque tem a obrigação de prender quem o pratique sem ser agente federal ‘em greve’.

O benefício buscado está posto, com todas as letras e números, nas explicações das lideranças sindicais dos ‘grevistas’. O constrangimento de indivíduos como meio, se não bastarem as evidências fotografadas e filmadas, também conta com palavras. Por exemplo, na frase exaltada do presidente da Federação Nacional dos Policiais Federais, Francisco Carlos Garisto, um líder muito representativo, anteontem, sobre a dificultação de embarque e desembarque: ‘Vamos aumentar a cada dia até que fique insuportável’.

O líder policial da PF se deu conta? O que Francisco Garisto enunciou é o princípio mesmo da tortura: aumentar o constrangimento físico e moral ‘até que fique insuportável’.

É fora de dúvida que policiais devem ser tão bem pagos quanto possível, e até além disso. Mas policiais atuam contra os malefícios da sociedade, não são eles a violentá-la.’



STF, CONGRESSO & MÍDIA
João Domingos e Mariângela Gallucci

‘Liminar do STF abre crise com Legislativo’, copyright O Estado de S. Paulo, 19/03/04

‘O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Cezar Peluso acabou provocando uma crise entre os Poderes Judiciário e Legislativo ontem, ao dar liminar proibindo os meios de comunicação de gravar imagens e voz do chinês naturalizado brasileiro Law Kin Chong nas dependências da Câmara. Irritada com a censura, a Mesa da Câmara pediu reconsideração. E a partir das 14 horas, antes mesmo do início da sessão do STF que examinaria o recurso, passou a transmitir ao vivo, por suas emissoras de TV e rádio, o depoimento de Law à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Pirataria.

Além disso, liberou todos os veículos privados para que fizessem as gravações que quisessem.

‘A Câmara agiu dentro de sua legitimidade ao permitir a transmissão da sessão da CPI’, disse o presidente da Casa, João Paulo Cunha (PT-SP), ao anunciar a fórmula que burlou a determinação da Justiça. ‘A decisão do ministro do STF valia para a sessão das 10 horas. Nós obedecemos. Para a sessão das 14 horas não havia mais os efeitos da liminar.’

João Paulo disse que a decisão de Peluso foi exagerada, mas procurou evitar o clima de confronto com o Judiciário. ‘Há paz entre nós’, garantiu. Perto dali, porém, o presidente do STF, Maurício Corrêa, acusava o Legislativo de descumprir a decisão judicial. ‘Houve o descumprimento de uma decisão por parte de outro Poder e isso é lamentavelmente um episódio desagradável.’

Os deputados da CPI, que acham Law o maior contrabandista do País, irritaram-se com a liminar. O líder do PP, Pedro Henry (MT), disse que era uma tentativa de protegê-lo. ‘É uma decisão inadmissível. Desconfio que seja uma decisão protecionista e de interesses não declarados e inconfessáveis desse ministro autor desse desprezível despacho’, atacou. O presidente da CPI, Luiz Antonio Medeiros (PL-SP), afirmou que não permitiria que a Câmara fosse silenciada e classificou a liminar de uma ‘arbitrariedade’.

O presidente do PPS, deputado Roberto Freire (PE), que nem é da CPI, correu para a sala para engrossar o coro dos discursos pesados contra o Judiciário.

‘É censura. E isso é proibido pela Constituição. O Supremo está censurando a Câmara. Isso é inadmissível. Vamos desconsiderar esse despacho inconstitucional’, pregou. ‘Só quem fechou o Congresso foi o governo militar, mandou fuzis e tanques aqui. Quero ver se o Supremo vai fazer isso.’

Crime – O STF acabou cassando a liminar de Peluso no fim da tarde. Mas Corrêa insistiu na crítica e argumentou que o descumprimento de decisão judicial pode configurar crime de responsabilidade. Ministros do STF pediram ao procurador-geral da República, Claudio Fonteles, que analise o caso.

A crise entre Judiciário e Legislativo começou um dia após dois senadores pedirem ao STF que determine ao presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), que instale a CPI dos Bingos. Na mesma quarta-feira a Comissão de Constituição e Justiça do Senado aprovou a criação de um órgão de controle externo do Judiciário.

A decisão do STF de não referendar a liminar de Peluso reduziu o impacto da crise. Mas ministros do Supremo reclamaram das declarações dos deputados, que consideraram agressivas. ‘Devo manifestar repúdio mais veemente às agressões de baixa estatura partidas de alguns parlamentares com relação a Cezar Peluso, figura exemplar da magistratura’, reagiu Sepúlveda Pertence.

Peluso explicou que deu a liminar porque receava a volta à época do faroeste, onde se publicava a foto do investigado com a palavra ‘procura-se’. Ele disse que, em 38 anos de magistratura, nunca viu juiz humilhar uma testemunha. ‘Não gostaria de estar numa situação dessa.’ No julgamento, porém, a maioria dos ministros entendeu que o direito da coletividade deve se sobrepor ao do indivíduo, e a sociedade tem o direito de acompanhar os depoimentos.’