Saturday, 27 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

O jogo dos bastidores

Por que O Liberal publicou matéria de um blog 10 dias depois que ela foi colocada na internet por sua própria repórter? Por que, num primeiro momento, a matéria não interessava e, depois, se tornou manchete de primeira página? E por que o assunto foi esquecido? Com as respostas, desvenda-se mais um lance no jogo do poder.

No dia 19/11 a repórter Ana Célia Pinheiro entregou ao diretor de redação de O Liberal, Walmir Botelho d’Oliveira, matéria denunciando relação promíscua que haveria entre o governo do Estado e a organização social Via Amazônia na gestão do Hangar – Centro de Convenções. Como a matéria não interessou para publicação no jornal, a repórter a divulgou no dia seguinte no seu blog, A Perereca da Vizinha. Dois dias depois a diretora do Hangar, Joana Pessoa, enviou uma carta de esclarecimento, que Ana Célia imediatamente postou, com rápidos comentários. Os dias transcorreram com mensagens de leitores, enviadas através da internet, mas sem nova manifestação das partes. A questão parecia encerrada quando a edição dominical de O Liberal do dia 30/11, que começou a circular na véspera, abriu a manchete de capa e uma página inteira dentro do jornal para a mesma matéria, reescrita e enriquecida, de Ana Célia Pinheiro.

No dia seguinte a direção do Hangar reagiu com uma ‘nota de esclarecimento’, que também ocupou uma página interna de O Liberal. Era a reprodução da nota enviada ao blog, ligeiramente modificada. As alterações foram introduzidas para lamentar a ‘falta de ética jornalística por parte da senhora Ana Célia Pinheiro, que fugiu à premissa básica do jornalismo que é dar voz a todos os lados envolvidos em uma matéria’. Também foi criticada a má-fé da repórter, ‘a partir do momento em que a matéria foi publicada originalmente em um blog para o qual, mesmo não sendo procurado pela jornalista, o Hangar democraticamente já havia tomado a iniciativa de encaminhar esclarecimentos’. A direção informou também ter convidado a repórter para visitar o centro de convenções ‘e, in loco, ter acesso às prestações de contas, mas ela não compareceu no dia e horário marcados’.

Critério editorial

A direção do Hangar manifestou na nota indignação pelo fato de que a repórter, ‘mesmo de posse dos dados e com o convite para obter mais informações’ no próprio local, ter republicado a matéria em O Liberal ‘sem o esclarecimento prestado pelo centro de convenções, o que demonstra, no mínimo, falta de escrúpulos, com interesse de levar à [a] público informações inverídicas e, portanto, direcionar o leitor para uma versão errônea e irresponsável’. Atitude que, segundo a nota, ‘abre caminho para se questionar: quem se beneficia e a quem pode interessar tamanha leviandade?’

Ao invés de dirigir a pergunta apenas à repórter, a direção do centro de convenções tinha a obrigação de partilhá-la com quem, no jornal, tem todo poder decisório: os seus proprietários. No jornalismo dos nossos dias no Pará se pode ver de tudo, até o inconcebível. Daí, talvez, as pessoas deixarem de questionar sobre os seus pressupostos. Certamente porque, ao ir às raízes, compram briga com antagonistas muito mais poderosos do que uma repórter.

Tudo que foi lançado sobre Ana Célia Pinheiro cabe, na verdade, e multiplicado, aos donos de O Liberal. Por que o diretor de redação, detentor do mais alto cargo editorial na empresa, não quis publicar uma matéria que, 10 dias depois, seria a manchete principal da edição do jornal? Ele tomou a primeira decisão em caráter pessoal e depois, reconhecendo o erro cometido no exercício profissional do seu ofício, voltou atrás, no âmbito da sua autonomia, ou tanto no primeiro quanto no segundo momento apenas cumpriu ordens superiores? Na segunda hipótese, o Maiorana que lhe deu a primeira ordem foi o autor da segunda determinação? Ou um Maiorana vetou a publicação da matéria, quando de sua apresentação original pela repórter, e outro a liberou depois? Qual a primeira razão? E qual a segunda?

Esse ziguezague inquisitorial não cabe num manual de jornalismo, mas faz parte da rotina do comportamento das empresas jornalísticas paraenses. O que determina a publicação de matérias polêmicas e sensíveis não é a redação, mas o setor comercial da empresa. A palavra final não pertence ao responsável pela redação, que, freqüentemente, pela mecânica das decisões (agravada pelas características pessoais do profissional), nem poder de mediação possui. Recebe ordens categóricas e limita-se a cumpri-las.

O critério meramente editorial foi deixado de lado porque a matéria de Ana Célia não interessou à empresa, quando de sua apresentação. O interesse jornalístico foi acatado no segundo momento, mas em função de outro interesse comercial, que às vezes nem é o interesse da empresa de comunicação: atende a um desejo pessoal de um dos seus donos.

Luta interna

O ‘melhor jornal do Norte e Nordeste’, segundo sua nunca provada propaganda, desceu das suas tamancas para reproduzir matéria de um blog 10 dias depois da sua divulgação original. Não foi o mesmo texto, claro: se fosse, seria a completa desmoralização. Duas novas informações foram acrescidas ao texto da internet, ambas anônimas ou apócrifas. A primeira suscitava a possibilidade de o Tribunal de Contas instaurar tomada especial de contas do Hangar, sem fonte identificada dessa informação. A segunda incorporava declarações de dois promotores não identificados, situação anômala o suficiente, por qualquer critério jornalístico, para motivar a observação: se um promotor, com todas as garantias e prerrogativas de função, não se sente em condições de assumir a própria opinião, mas a externa à larga, melhor não levá-lo em consideração. Para não suscitar suspeitas no leitor nem endossar covardia no exercício de função pública.

Publicada a matéria de denúncia no domingo e a latifundiária nota de esclarecimento na segunda, O Liberal esqueceu o assunto na terça. A repórter, atirada do lado do mar para o lado da rocha (e vice-versa), não teve o direito de resposta em relação à manifestação da direção do Hangar. O jornal não se sentiu atingido pelas críticas da OS nem obrigado a apurar o anunciado procedimento do TCE, ou checar as econômicas informações do Hangar. A matéria gerara seus efeitos e cumprira seu ciclo de existência. Não para o leitor, é claro, abandonado com a brocha na parede, mas para algum Maiorana. Qual deles?

Segundo foi possível apurar, Ronaldo Maiorana não foi consultado sobre a publicação da reportagem, embora seja, em tese, o responsável pelo conteúdo do jornal e o Maiorana que atua na área de entretenimento, com sua Bis (a promotora do Pará Folia). Ele só soube da matéria ao lê-la na edição dominical de O Liberal. Mas teria sido ele o intermediário para a saída da nota de esclarecimento do Hangar, que uma fonte disse ter sido feita gratuitamente (o que é, no mínimo, de duvidar, dada a dimensão excessiva do anúncio, com texto em tamanho grande e abuso de espaço em branco). Se a inserção foi risonha e franca, ela indica uma (mais uma) luta interna em O Liberal. Se foi paga, registra mais uma vitória do principal comandante do jornal, Romulo Maiorana Júnior.

Vitória de qual natureza, com que propósito? Ainda não se sabe. Mas se a segunda hipótese é a verdadeira, O Liberal saiu da mal ensaiada polêmica ganhando anúncio caro. E a OS pagou um preço exagerado por seus esclarecimentos.

Centro de poder

A Via Amazônia retificou alguns erros secundários da reportagem, mas passou ao largo do que ela sugere de essencial, com base nos termos da relação entre o governo estadual e essa Organização Social, fundada com o deliberado propósito de administrar o centro de convenções: de que há superfaturamento (ou, no mínimo, exagero) no volume das transações entre as partes. O Estado gasta em demasia no Hangar enquanto cliente do centro, abusando do seu uso e aceitando preços que podiam ser menores. Não bastasse essa enorme generosidade, o governo ainda subvenciona a OS, não só repassando-lhe recursos certos a cada mês como abstraindo o fato de que 105 milhões de reais saíram dos cofres públicos para a construção do centro, ainda na administração do PSDB. Pelas duas vias (sem trocadilho), a soma é de R$ 25 milhões até agora. Mas pode chegar a mais.

A direção da OS retruca que, por ser instituição sem fins lucrativos, o lucro crescente que tem registrado nos seus 18 meses de funcionamento é reinvestido em suas próprias instalações ou repassado ao Estado. Graças ao seu crescente faturamento, a OS vem reduzindo o montante do repasse estatal (de R$ 2 milhões em 2007 e de R$ 3,5 milhões no exercício atual), que será ainda menor no próximo ano. Tudo bem.

No entanto, permanece o questionamento: o Estado drena recursos em excesso para uma instituição difusamente híbrida (privada, mas sujeita a contrato de gestão com o governo) e que também funciona comercialmente, com clientes particulares. Com um caixa abastado, a Via Amazônia pode se permitir ao luxo de não economizar, de gastar com fartura, de funcionar com desenvoltura. E, em assim sendo, se tornar um agente político, da mesma maneira como outras instituições sem fins lucrativos pularam da filantropia para a pilantropia (sem precisar distribuir lucros aos acionistas, mas remunerando-os nababescamente enquanto seus dirigentes).

De um centro de convenções, o Hangar pode se tornar um centro de poder (inclusive eleitoral), com caixa fluente (que nem precisa ser dois). Algo como os hospitais regionais na administração tucana de Simão Jatene, segundo as acusações que os próprios petistas fizeram. Os seis hospitais representaram tal investimento que sobraria dinheiro para outros usos, considerando-se o porte dos recursos. O que não conseguiram provar na suspeição apresentada em relação aos tucanos, os petistas agora querem que não seja provocado em relação a eles. Estão suscetíveis à acusação, mas, ao que parece, o primeiro round desta pugna será cancelado antes que os lutadores subam ao ringue. Graças ao jornalismo que se pratica atualmente no Pará. O cifrão antes das palavras.

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Violência na imprensa: apenas um reflexo?

O juiz Marco Antonio Lobo Castelo Branco, da 2ª vara da fazenda pública de Belém, decidiu certo ao rejeitar a concessão de liminar para impedir os jornais O Liberal, Diário do Pará e Amazônia Jornal de divulgarem ‘fotos e imagens de pessoas vítimas de acidentes ou mortes brutais e demais imagens que não se coadunem com a preservação da dignidade da pessoa humana e do respeito aos mortos’. A medida preliminar lhe foi requerida em uma ação civil pública proposta pela Secretaria de Justiça e Direitos Humanos (através da Procuradoria Geral do Estado), Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (Cedeca/Emaús) e Sociedade de Defesa dos Direitos Humanos (SDDH). Antecipar a providência poderia, a pretexto de defender alguns direitos constitucionais, violar outros, como a liberdade de imprensa. Como o próprio magistrado observou na sua sentença, do dia 21, a discussão da questão está apenas começando. A liminar poderia atropelar a prova da verdade, a ser produzida durante a instrução do processo, que é necessária diante de um tema tão complicado e polêmico.

No entanto, a sentença também é contraditória. Se foi correta em evitar a precipitação de juízo, não foi cautelosa na sua fundamentação, que antecipou o julgamento do mérito, praticamente o prejulgando. O juiz Marco Antônio não esperou pela contestação dos representantes dos três jornais (sob o controle de duas empresas, das famílias Maiorana e Barbalho, que oligopolizam o segmento) nem as eventuais manifestações do Sindicato dos Jornalistas e da Associação Nacional de Jornais, que, um tanto incorretamente, mandou notificar para acompanharem o processo (indicando a ANJ, podia ter apontado também a ABI ou a Federação Nacional dos Jornalistas). Ou o parecer do Ministério Público, intimado a participar da lide. O presidente do feito emitiu logo juízos de valor, respeitáveis, mas passíveis de contestação. E inadequados para uma decisão liminar, que não devia avançar sobre o mérito da causa.

O juiz manifestou consciência sobre a ‘extrema relevância’ do assunto, que, não sendo simples, ‘exigirá um amplo debate que não pode ficar restrito à cognição sumária de uma decisão liminar’. Acredita que a questão principal ‘é saber os limites da liberdade de expressão, especialmente quanto a fatos, fotos e símbolos utilizados comercialmente pelas empresas jornalísticas’. Mas ressalva logo que essa discussão ‘não é nova no mundo todo’, avultando no momento diante da ‘banalização da violência que é apenas reproduzida pelos jornais no Brasil todo’.

Logo, acrescenta o magistrado, mesmo quando vencida ‘uma questão suprema, de análise de constitucionalidade de tais atos’, há ainda ‘questões éticas a serem discutidas, que transitam por uma cultura popular que lamentavelmente, independente da divulgação destes fatos por jornais que raramente podem ser comprados por pessoas mais simples, continuam a serem alimentadas pela bizarrice da morbidez de certos núcleos da sociedade’.

Interesse mórbido

O juiz não crê que a divulgação de tais fotos, como as que aparecem todos os dias nos três jornais diários de Belém, ‘embora chocantes, indignas, aviltantes, perversas, sejam a real razão da estimulação à violência’. Pergunta-se ele ‘se a mão forte do Estado ao impedir a divulgação de tais fotos inibiria tal violência’, e responde rapidamente: ‘A resposta não exige grande raciocínio no sentido de ser negativo’.

O juiz, em seguida, chama a família à responsabilidade pela proteção à criança e adolescência: ‘tão responsável quanto o Editor do jornal é aquele que carrega para o interior de sua residência o espetáculo mórbido e macabro sujeito a cair nas mãos de seus filhos, o mesmo se aplicando à falta de controle do acesso que estes filhos têm em relação a terceiros’. Argumenta que, se fosse suficiente a mão forte do Estado, ‘a infância e juventude não seria presa fácil nas mãos de traficantes’. Antecipa seu veredicto ao afirmar que, no caso específico, a ameaça não se concretiza. Já quanto à preservação da dignidade da pessoa humana à exposição das pessoas nas fotos de violência, remete os possíveis prejudicados às reparações previstas na lei cível por danos que considerarem que sofreram, ao invés da ‘limitação da liberdade de imprensa com a simples proibição da publicação das fotos’.

O juiz considera melhor ‘correr o risco de enfrentar tal liberdade com suas vicissitudes a limitar-se tal direito constitucional, sob pena de abrir-se um precedente que, em nome da dignidade, da moral e dos bons costumes, possa contaminar a ordem jurídica com repercussão no dia a dia da sociedade’.

A frase é bonita e para justificá-la contribuiu a própria ação civil pública, que padece de erros de concepção e de execução. Ela é, ao mesmo tempo, uma ação de fazer e de não fazer. Busca impedir a repetição exaustiva de fotos chocantes de acidentes de carro ou assassinatos. Ao mesmo tempo, quer que a justiça obrigue os jornais a veicularem mensagens consideradas positivas sobre a infância, a adolescência e a dignidade humana em geral. Esse propósito, para usar uma linguagem forense, é um despautério completo. Significaria intromissão indébita da justiça e violação à liberdade de expressão (e mesmo de negócio). Essa parte da ação terá que ser rejeitada, por insustentável.

Mas o fundamento da sentença do juiz é sofismático. Para poder rejeitar o raciocínio que sustenta a ação ele cria razões que facilmente desfaz. Na peça não é dito que a violência das ruas foi criada pela imprensa sensacionalista, mas que ela é um elemento a contribuir para essa situação. Não o único, nem se pode dizer que o principal, mas um dos componentes desse miasma social. Como pode o magistrado afirmar que é um fator secundário na ‘banalização da violência’, que teria seu estímulo na própria sociedade? O interesse às vezes mórbido pela violência e suas manifestações existe, mas qual é a base factual (ou científica) do magistrado para estabelecer um peso tão grande a esse item da Cultura popular ‘que lamentavelmente, independe da divulgação destes fatos por jornais’?

Cena escabrosa

É verdade que não será ‘com a força da caneta do Poder Estatal’ que se conseguirá estimular as necessárias políticas públicas ‘em busca da formação de leitores críticos’, como diz o juiz, recorrendo a Napoleão Bonaparte como prova histórica de que ‘a imprensa, embora tenha força suficiente para influir, foi uma das poucas Instituições que escapou ao assédio’ do grande corso. Mas talvez o magistrado esteja confundindo grandezas e situações que não se aplicam à miséria diária, explorada com avidez comercial e sem o menor escrúpulo ético ou moral pela grande imprensa paraense. Ela se lixa para as questões superiores suscitadas pela decisão do juiz: o que quer é vender e vender.

Se a justiça não se revelar a instância adequada para discutir e deliberar sobre esse tema urgente, é o caso de a sociedade buscar outra instância. Das próprias empresas jornalísticas, conforme elas deixaram bem claro ao noticiar (ou não noticiar) a questão, é que não virá uma luz sobre a escabrosa cena que provocou a ação civil pública, bem ou mal substituindo papel que devia ser dos próprios jornais.

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Aparência

A montanha pariu um rato. O Diário do Pará gastou vários dias com uma intensa campanha institucional pela cidade anunciando que no dia 23/11 protagonizaria uma revolução na imprensa do Pará, com a participação dos seus leitores. O que se viu foi uma reforma gráfica, que consolidou o perfil popular do jornal, em contraste com o desenho mais elitista de O Liberal. Com tantas cores, o Diário me fez lembrar o apelido que o torcedor carioca deu ao Flamengo quando o time de futebol surgiu com uma camisa berrante: cobra coral.

Talvez os criadores da nova imagem do Diário estejam muito mais certos do que eu. Aplicaram a já velha lição de combinar cores fortes para atrair a atenção de um cliente em potencial, mas que, de hábito, não é atraído para as linhas escritas. O comércio varejista, começando por Carlos Santos, está cheio de exemplos de lojas com amarelo e vermelho. Há um fundo de verdade nesse entendimento. Mas há também um tanto de preconceito. E de exagero, do qual dá mostra o caderno de classificados (populares mesmo) do jornal dos Barbalhos.

Revolução, o Diário a faria se aplicasse o dinheiro gasto com o artista gráfico internacional na melhoria do conteúdo do jornal. Mas para os barões da imprensa paraense parece que jornal é só moldura.

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Jornais em branco

Quem usar as coleções de O Liberal, do Amazônia Jornal e do Diário do Pará como fonte de pesquisa sobre a história dos nossos dias não ficará sabendo que em 2008 um quarto jornal passou a circular todos os dias em Belém. O Público já tem três meses de existência, mas ainda não existe para os outros três diários. Nenhuma nota a respeito, nem mesmo como cortesia entre confrades, que já foi regra de ouro na imprensa. Quando a conflagração é radical, até os bons modos são deixados de lado.

A omissão tem um gosto mais travo quando praticada na confraria. Mas é muito mais grave em relação aos temas maiores. Os grandes jornais belenenses deixaram de se preocupar com a sua função documental, com a história. Expurgam do seu registro fatos idiossincráticos ou agem assim por mero capricho dos seus donos, indiferentes ao valor informativo dos seus negócios. Comprometem a serventia do seu produto para a reconstituição da época na qual existiram. Pesquisadores mais atentos se desviarão de suas páginas ou as compulsarão com dose elevada de cautela para preservar a qualidade dos seus trabalhos. A lesão ao compromisso com a verdade é grave.

Não se trata de um mal apenas local, mas no Pará causa danos profundos. Os jornais parecem não acreditar mais que são a história de amanhã. Essa consciência foi profunda em O Estado de S.Paulo durante a maior parte do governo militar, sobretudo durante a censura direta do governo (1968 a 1975). Como parte da edição era extraída de suas páginas, o jornal compensava publicando na íntegra os documentos oficiais e outros atos relevantes. Esse material poderia ser recuperado depois por quem fosse cascavilhar nos arquivos. Não era com o leitor do dia que o Estadão se preocupava: criava a possibilidade de flashback para o leitor do futuro.

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Jornalista, editor do Jornal Pessoal (Belém, PA)