Monday, 29 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

O tempo é o senhor da razão

A audiência pública convocada pelo Supremo Tribunal Federal sobre a Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin), movida pelo Partido Democratas (DEM), relativa às cotas nas universidades, mostrou-se positiva para as lideranças negras e anti-racistas. Para quem acompanhou o debate da adoção da política de cotas – transmitido pela TV Justiça entre os dias 3 e 5 de março últimos – ficou a sensação de que os argumentos dos grupos que preferem não adotar ações afirmativas para negros e afrodescendentes são, no mínimo, inconsistentes. Na verdade, pareceu um imbróglio formado para a manutenção do status quo de uma elite que pensa que pode ser escravocrata.


A falta de conhecimento histórico – para não falar em manipulação dos fatos – do senador Demóstenes Torres (DEM-GO), presidente da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal, foi indigna para alguém que ocupa esta posição. Sua insensibilidade – ao afirmar que mulheres negras não foram estupradas e que mantinham relações sexuais consentidas com os senhores de fazendas, no tempo da
escravidão – às vésperas dos cem anos do Dia Internacional da Mulher, revelou o descaso do parlamentar em relação as lutas de milhares de pessoas ao redor do mundo. Homens e mulheres que lutam por justiça e por cidadania, além de direitos e reparações necessárias.


Pretos e pobres


Outros opositores às políticas de ações afirmativas, que nos faz lembrar os negacionistas, não compareceram ao debate. Alguns nem chegaram a apresentar justificativas. Foram eles que deixaram os únicos negros que faziam parte da campanha do ‘contra’, sozinhos. Essa é uma manobra que as elites sempre utilizaram. Usam negros contra seus próprios irmãos e depois os abandonam.


A ausência desses setores talvez também tenha ligação com o impacto causado pelas declarações da secretária de Estado dos EUA, Hillary Clinton, que dias antes, na Faculdade Zumbi dos Palmares, em São Paulo, reafirmou a importância das ações afirmativas para combater as desigualdades.


Reconhecer a origem de um problema é o passo mais importante para superá-lo, já dizem as diversas escolas de psicanálise. Os grupos políticos e acadêmicos que se opõem à política de cotas nas universidades não conseguiram justificar, de forma mínima, os motivos que os levam a pensar desta forma. Os argumentos utilizados ou foram indecorosos – como no caso do senador Demóstenes – ou desprovidos de qualquer sentido histórico e sociológico.


Esses grupos tiveram contra si os argumentos do fato do Brasil ter vivido 363 anos de escravidão de milhares de africanos, sem preocupar-se com a adoção de políticas públicas que efetivamente cuidasse de pretos e pobres, que garantisse equidade de acesso aos sistemas oficiais de ensino, ‘que promovesse a reforma agrária e escola para todos’, como queria Joaquim Nabuco há 122 anos. Aí, sim, não precisaríamos de cotas.

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Pedagogo, militante do Movimento Negro e secretário-executivo do Centro de Articulação de Populações Marginalizadas (CEAP)