Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

O que falta à imprensa



A notícia da decisão do Supremo Tribunal Federal de liberar as pesquisas científicas com embriões é manchete nas edições de sexta-feira (30/5) do Estado de S.Paulo e Folha, e destaque no Globo. Também deverá ser tema de destaque nas revistas semanais. Mas a decisão, por um apertado placar de seis votos a cinco, mostra como o tema ainda levanta polêmica.


Uma sociedade secular e moderna merecia um placar no Supremo Tribunal Federal menos apertado do que o de quinta-feira (29/5), que decidiu por 6 a 5 pela constitucionalidade das pesquisas com células-tronco embrionárias humanas no país. De qualquer forma, ganhou a opção humanista e humanitária com a manutenção da autorização para as pesquisas com células-tronco.


Diante de um Legislativo resignado com a sua desmoralização e de um Executivo empenhado apenas em legitimar-se através de sondagens de opinião pública, nossa Suprema Corte mantém-se no cenário institucional como um bastião moral.


Inspirado no exemplo do STF, o Ministério Público saiu da letargia e retoma o seu papel de fiscal rigoroso. Na quarta-feira (28), o procurador-geral da República pediu ao Supremo a abertura de um inquérito sobre a atuação do deputado Paulo Pereira da Silva (PDT-SP), presidente da Força Sindical. Antecipou-se assim à pizza que os colegas do sindicalista preparam em sua homenagem na Câmara dos Deputados.


Na quinta (29), o Ministério Público Federal anunciou que vai enquadrar o ex-governador Anthony Garotinho por formação de quadrilha armada. Sinal de que a República está viva e não se deixa intimidar.


Agora só falta uma imprensa vigilante, diversificada e corajosa para interromper a maré montante de vexames e indignidades. Só assim devolve-se à sociedade a sensação de que alguém cuida dos seus interesses.


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Supremo autoriza continuidade de pesquisas com células-tronco embrionárias


Marco Antônio Soalheiro, Ana Luiza Zenker e Mariana Jungmann (*) # Agência Brasil, 29/5/2008


O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, proclamou oficialmente o resultado do julgamento que liberou, sem restrições, a continuidade das pesquisas com células-tronco embrionárias no Brasil. Por 6 votos a 5, os ministros da corte julgaram improcedente ação direta de inconstitucionalidade contra o Artigo 5º da Lei de Biossegurança. A decisão mantém a esperança de cura, alimentada por pacientes com doenças degenerativas ou portadores de deficiência, a partir do resultado dos estudos.


A tese favorável à liberação das pesquisas, defendida pelo relator da ação, ministro Ayres Britto, foi acompanhada também pelos ministros Celso de Mello, Marco Aurélio Mello, Joaquim Barbosa, Cármen Lúcia e Ellen Gracie. Prevaleceu o entendimento do relator de que ‘um embrião congelado, que jamais será gerado, não pode gozar dos direitos de proteção da vida e da dignidade da pessoa humana’.


A Lei de Biossegurança foi aprovada em 2005 e o seu artigo 5º permite que embriões congelados há mais de três anos sejam usados para pesquisas.


O ministro Celso de Mello disse que a decisão ‘representa a aurora de um novo tempo, a celebração solidária da vida e da liberdade’, que garante a esperança de uma vida com dignidade aos portadores deficiência.


Entre os votos vencidos, os do ministro Ero Graus e do presidente do STF, ministro Gilmar Mendes, recomendaram reparos técnicos à legislação. Ricardo Lewandowski e Menezes Direito se manifestaram por restrições às pesquisas, que, segundo especialistas, na prática as inviabilizaria.


Após idas e vindas, o voto do ministro Cezar Peluso ficou como parcialmente procedente.


Os votos de quinta-feira


O ministro Marco Aurélio, primeiro a votar nesta quinta-feira, argumentou que a vida pressupõe não só a fecundação, mas a viabilidade, ‘e essa inexiste sem a presença do que se entende por gravidez, ou seja, gestação humana’.


Ele destacou que o texto legislativo traz restrições ao uso de embriões, considerando apenas o uso de embriões produzidos por fertilização in vitro, inviáveis, congelados há mais de três anos e com o consentimento dos pais, que forneceram o material.


‘Ficando assim descartada, quer sob o ângulo da utilidade, quer sob o ângulo da vontade do casal, a viabilidade de implantação no útero’, disse.


‘A questão é saber se serão destruídos fazendo o bem a outras pessoas ou não; ao meu ver, a resposta é óbvia’, disse.


Na opinião do ministro, a função dos ministros, neste julgamento é ‘definir o destino dos óvulos fecundados, que fatalmente seriam destruídos e podem, devem ser utilizados sempre na tentativa inesgotável do progresso da humanidade’.


Ele afirmou que não cabe ao Supremo Tribunal Federal (STF) apresentar sugestões de modificação da norma.


‘É de todo impróprio o Supremo julgar fazendo recomendações, ele não é órgão de aconselhamento’, afirmou.


Segundo Marco Aurélio, ‘a lei [de Biossegurança] foi aprovada por 96% dos senadores e 85% dos deputados, o que demonstra razoabilidade’.


Para o ministro, as premissas que levam à interpretação de que a lei é ambígua ‘não se fazem presente’.


De acordo com Marco Aurélio, apresentando recomendações à lei, há um risco de se redesenhar o texto legislativo, ‘assumindo o Supremo o papel de legislador positivo’.


Ao finalizar o seu voto pela improcedência da ação de inconstitucionalidade contra ao artigo 5º da Lei de Biossegurança, o ministro afirmou que o ‘tema da vida’ continua sendo ‘alvo de grande expectativa no Brasil’, o que dá responsabilidade ao Supremo.


‘Cumpre a esta corte a guarda da Constituição Federal, julgando improcedente a ação e mantendo a esperança sem a qual a vida do homem se torna inócua’, disse.


E completou: ‘Que se aguarde o amanhã, não se apagando a luz que no Brasil surgiu com a Lei 11.105/2005 [Lei de Biossegurança]’.


Celso de Mello: pela liberação


O ministro Celso de Mello também considerou constitucional o Artigo 5º da Lei de Biossegurança, que trata das pesquisas com células-tronco embrionárias. Mello baseou o voto, em parte, em documento apresentado por um grupo de trabalho da Academia Brasileira de Ciências.


No documento, os cientistas afirmam que a vida do futuro feto está ‘irremediavelmente condicionada’ ao desenvolvimento do embrião no útero. Eles dizem ainda que as pesquisas com células-tronco adultas, por enquanto, indicam que elas não são mais promissoras que as embrionárias.


O ministro também fez uma longa consideração sobre a laicidade do estado brasileiro, e frisou que, ‘nesta república laica, o Estado não se submete a religiões’.


Celso de Mello concluiu o voto afirmando que, após esse julgamento, que ele classificou de ‘efetivamente histórico’, ‘milhões de pessoas não estarão mais condenadas à desesperança’.


Presidente do STF vota por reparos


O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Gilmar Mendes, votou pela constitucionalidade, mas com ressalvas, da lei que autoriza pesquisas com células tronco-embrionárias.


Segundo Mendes, a legislação brasileira sobre o assunto carece de maior rigor, se comparada com a regulamentação feita por outros países que já se utilizam das pesquisas. ‘Na análise comparativa, a lei brasileira contém algum tratamento ineficiente em relação às pesquisas, podendo ensejar violação a princípio da proporcionalidade’, disse.


Entretanto, ao condicionar a permissão das pesquisas à aprovação de um comitê central de ética, o presidente do STF ressaltou que declarar a inconstitucionalidade causaria um vício legislativo mais danoso do que a manutenção da sua vigência’, através de uma ‘solução reparadora’.


Celso de Mello e Peluso discutem após sugestão de votação adicional


Uma sugestão do ministro Cezar Peluso para que os ministros da corte pudessem deliberar sobre a conveniência do tribunal em apontar expressamente a Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) como órgão fiscalizador de todos os estudos – e assim criar um sistema de responsabilidade sobre as pesquisas na área – provocou reação do ministro Celso de Mello.


Aos gritos, ele repreendeu Peluso e cobrou a declaração do resultado do julgamento com 6 votos favoráveis à autorização das pesquisas com células-tronco embrionárias sem nenhuma restrição ao texto da Lei de Biossegurança.


‘Há seis votos claríssimos que rejeitam a pretensão de inconstitucionalidade da lei. O senhor [se dirigindo a Peluso] está em posição minoritária’, disse Mello.


Como Celso de Mello se estendeu por alguns minutos em suas palavras, Peluso provocou: ‘Vossa Excelência [se dirigindo a Mello] gastou uma hora para falar isso?’.


Pesquisadora diz que, agora, ciência brasileira vai ‘correr atrás do tempo perdido’


Logo depois do voto do ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento da ação de inconstitucionalidade que questiona o uso de células-tronco embrionárias em pesquisas científicas, a pesquisadora da Universidade de São Paulo (USP) Mayana Zatz disse que agora é o momento de ‘correr atrás do tempo perdido’.


A pesquisadora se disse feliz com os sete votos a favor da continuidade, sem restrições, das pesquisas. ‘Mas com um senso imenso de responsabilidade’, acrescentou.


Ela também disse que há que se respeitar o posicionamento dos que são contrários ao uso de células-tronco de embriões. ‘Eu espero que dentro de alguns anos, quando nós tivermos os resultados, aqueles que votaram contra nos dêem razão’, concluiu.


(*) Da Agência Brasil