Sunday, 28 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Para destrinchar os ‘mistérios’ do Doxa

Escrevo ao Observatório a fim de esclarecer seu leitorado sobre dúvidas levantadas pelo jornalista Sandro Vaia no artigo ‘Apontamentos sobre a `imprensa golpista´‘, aqui publicado. As dúvidas a que me refiro foram escritas por Vaia em tréplica de um debate sobre partidarismo político da grande imprensa que eclodiu entre o jornalista e o professor Gilson Caroni Filho.

Não quero entrar no mérito do debate entre eles, apesar de concordar com Caroni e discordar de Vaia. Contudo, o jornalista, na tréplica em tela, desqualificou importante e recente estudo do Laboratório de Pesquisas em Comunicação Política e Opinião Pública – Doxa, uma iniciativa do Iuperj – Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro, da Universidade Cândido Mendes (UCAM) – e isso não posso aceitar porque tratam-se de instituições conceituadas nacional e internacionalmente e porque as dúvidas levantas por Vaia são absolutamente improcedentes, mas não só por isso. Também escrevo porque na mesma edição do artigo de Vaia a que me refiro foi publicado artigo de minha autoria no qual comentei o estudo do Doxa que foi desqualificado pelo jornalista (ver ‘Pesquisa Doxa e a objetividade subjetiva‘).

Comportamento enviesado

Como parte dos leitores deverá se lembrar, o estudo do Doxa versa sobre o comportamento dos quatro mais influentes jornais do país – Folha de S.Paulo, O Globo, O Estado de S.Paulo e Jornal do Brasil – na eleição presidencial do ano passado. O que o estudo revela é que esses veículos chegaram ao paroxismo do partidarismo em favor de dois candidatos de oposição ao presidente Lula, Geraldo Alckmin e Heloísa Helena, pois publicaram um volume impressionante de críticas e notícias desfavoráveis ao petista ao mesmo tempo em que pouparam e/ou favoreceram escancaradamente o tucano e a psolista.

Em seu artigo-tréplica, Vaia levantou dúvidas sobre o estudo do Doxa que não têm o menor cabimento e que, em minha opinião, induziram a grave erro os leitores menos atentos. Disse que o professor Caroni apelou, ‘como não podia deixar de ser, a uma pesquisa do Iuperj para mostrar que a grande imprensa e os grandes jornais tiveram comportamento muito enviesado contra a candidatura do presidente Lula nas eleições de 2006’ e questionou tal pesquisa de forma incompatível com a profissão que exerce, o jornalismo, que obriga os que nele militam a se informarem sobre o que reportam e/ou criticam, o que Vaia não fez.

Critérios e metodologia

O jornalista quis saber o que significa a afirmação do Doxa de que ‘os grandes jornais tiveram comportamento muito enviesado contra a candidatura do presidente Lula nas eleições de 2006’. Perguntou se ‘os jornais mentiram, distorceram, inventaram escândalos que não existiam’ ou se ‘atribuíram ao presidente coisas que ele não fez’ e classificou como ‘mistérios’ os critérios e a metodologia do Doxa para classificar notícias e opiniões ‘negativas’, ‘positivas’ e ‘neutras’ para cada um dos postulantes à Presidência da República na eleição do ano passado.

Vaia não sabe que critérios e metodologia foram usados na pesquisa do Doxa? Então deveria ter se informado. Para tanto, bastaria acessar o site da instituição. Uma vez lá, elucidaria o ‘mistério’ que o assombra. E para poupar trabalho a Vaia e aos leitores, reproduzo a seguir a explicação do Doxa sobre os critérios e a metodologia que balizaram sua pesquisa – reproduzida da página ‘Eleições 2006‘. Nos links dos nomes dos jornais pesquisados contidos no texto abaixo, o leitor terá acesso à pesquisa detalhada do Doxa sobre cada um deles.

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Doxa – Eleições 2006 (Metodologia e Critérios)

Dando prosseguimento às pesquisas empreendidas em 2000, 2002 e 2004, passamos a divulgar a cobertura jornalística dos principais candidatos às eleições presidenciais em quatro jornais de circulação nacional. Para cada jornal, apresentamos os dados parciais em gráficos relativos à quantidade de vezes em que o nome de cada candidato aparece no noticiário (aparições) e à valência atribuída a cada um nas matérias (positiva, negativa ou neutra). Acompanhe aqui a evolução das candidaturas a presidente nos jornais:

O Globo (RJ)

Jornal do Brasil (RJ)

Folha de S.Paulo

O Estado de S.Paulo

Periodicidade. O objetivo de divulgação dos primeiros dados relativos à cobertura das eleições presidenciais de 2006 é disponibilizar quinzenalmente os registros de visibilidade (quantas vezes cada candidato foi citado em cada jornal, valores totais) e valência (proporção de matérias positivas, negativas e neutras na cobertura dada por cada jornal aos quatro principais candidatos).

Definição das valências. Optamos por classificar as valências de acordo com seu efeito potencial para a candidatura em questão, notando-se ou não intenção de viés ou parcialidade jornalística. Desta forma, os principais critérios para identificar a valência da matéria, em relação a cada candidato, procuram esclarecer se ela beneficia ou prejudica sua candidatura.

Positiva: matéria sobre ou com o candidato reproduzindo programa de governo; promessas; declarações do candidato ou do autor da matéria ou de terceiros (pessoas ou entidades) favoráveis (contendo avaliação de ordem moral, política ou pessoal) ao candidato; reprodução de ataques do candidato a concorrentes, resultados de pesquisas ou comentários favoráveis.

Negativa: matéria reproduzindo ressalvas, críticas ou ataques (contendo avaliação de ordem moral, política ou pessoal) do autor da matéria, de candidatos concorrentes ou de terceiros a algum candidato, resultados de pesquisas ou comentários desfavoráveis.

Neutra: agenda do candidato, matéria sobre ou citação de candidato sem avaliação moral, política ou pessoal do candidato. Do autor da matéria ou de terceiros, inclusive de concorrentes.

Orientação geral:

1. Quando uma matéria tem elementos positivos e negativos, prevalece: positiva, se há mais elementos positivos do que negativos; negativa, se há mais elementos negativos do que positivos; neutra, se há equilíbrio entre os elementos positivos e negativos.

2. Elementos editoriais de destaque, como títulos, subtítulos e legendas, por exemplo, prevalecem sobre o corpo da matéria.

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As mazelas tucanas

Como se vê, pode-se discordar da metodologia e dos critérios do Doxa para dizer se aquela notícia é ‘positiva’, ‘negativa’ ou ‘neutra’ para cada candidato, mas não se pode, sob pena de faltar com a verdade, dizer que tais metodologia e critérios seriam ‘mistérios’.

Vaia pergunta: ‘O que é uma notícia negativa?’ Ora, em primeiro lugar, o Doxa não abordou somente notícias em seu estudo; abordou também opiniões, e as dos jornais pesquisados se caracterizaram por um antilulismo esmagador. E notícias negativas são aquelas que desfavorecem a imagem que cada candidato pretende passar à opinião pública. Essas notícias podem sofrer interpretações. No ano passado, a imprensa martelou a tese de que Lula ‘sabia’ do tal ‘mensalão’, por exemplo. ‘Notícias’ que corroborariam tal percepção foram despejadas aos borbotões sobre o eleitorado ao mesmo tempo em que essas notícias ‘editorializadas’ não foram usadas para opinar subliminarmente contra Alckmin, que, a exemplo de Lula, também foi chefe do poder Executivo no período que antecedeu o processo eleitoral do ano passado. O governo Alckmin, como chegou a dizer o próprio ombudsman da Folha de S. Paulo àquela época, foi muito pouco fiscalizado pela imprensa paulista. E isso apesar de haver montanhas de suspeitas sobre esse governo – CDHU, Rodoanel, Febem, Nossa Caixa etc., etc. etc.

É tudo uma questão de escolha. A imprensa escolheu ignorar as mazelas tucanas e partiu para cima do governo Lula a partir de 2005. E continua atacando-o com fúria cada vez maior.

Imprensa atônita

Vale lembrar que o estudo do Doxa revelou uma avalanche anti-Lula nos jornais pesquisados, mas não foi só neles. A TV Globo, por exemplo, massacrou Lula e continua massacrando. No ano passado, conseguiu levar a eleição presidencial para o segundo turno. Negar esse fato é tentativa de ludibriar a opinião pública. Uma tentativa que fracassou miseravelmente no ano passado porque, como demonstrou cabalmente o Doxa, a campanha anti-Lula da mídia foi excessivamente evidente. Por isso ele se reelegeu por maioria tão esmagadora e, apesar da continuidade do bombardeio midiático, segue com a popularidade nas nuvens. E isso não se deve só aos ‘pobres e ignorantes’, como gosta de dizer a elite paulista e seus jornais. As recentes pesquisas CNT-Sensus e Ibope mostraram que o presidente da República e seu governo são bem avaliados por cidadãos de todos os níveis de instrução e faixas de renda, com exceção da estreita faixa superior a vinte salários mínimos.

Não é por aí (pelo método desqualificador do jornalista Sandro Vaia) que se chegará a algum consenso mínimo sobre o comportamento que deve adotar a imprensa brasileira. E esse consenso deve ser sobre como ela deve exercer sua missão natural de oferecer fatos precisos e amplitude de vieses opinativos à apreciação do público de forma a permitir que ele faça suas escolhas de forma totalmente consciente. É preciso, pois, que a imprensa entenda que a sociedade está muito mais atenta do que se pensa.

Por subestimar a capacidade de os brasileiros perceberem o que o estudo do Doxa apenas confirmou é que a imprensa fica atônita e revoltada com as sucessivas pesquisas de opinião que vêm mostrando o desprezo da sociedade pelo que ela diz sobre política.

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Comerciante, São Paulo, SP; http://edu.guim.blog.uol.com.br