Saturday, 02 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1312

Propaganda de alimentos é prejudicial

Quase 80% dos pais de crianças de até 11 anos acreditam que a publicidade de fast food e outros “alimentos não saudáveis” prejudica os hábitos alimentares de seus filhos. Os resultados são de pesquisa do Instituto Datafolha feita com 596 pessoas de todo o País.

Os entrevistados também afirmam que esse tipo de propaganda dificulta os esforços para ensinar os filhos a ter uma alimentação saudável (76%) e leva as crianças a amolar os pais para que comprem os produtos anunciados (78%).

O levantamento foi encomendado pelo Instituto Alana, ONG que luta pela regulamentação da publicidade dirigida à criança. Isabela Henriques, coordenadora do projeto Criança e Consumo, explica que foram considerados como “alimentos não saudáveis” aqueles com alto teor de gordura, sódio ou açúcar.

“Estamos vivendo uma epidemia de obesidade e existe um esforço da sociedade para ensinar as crianças a se alimentarem melhor”, afirma Isabela. Mas a indústria de alimentos, diz ela, vai na contramão ao estimular as crianças a consumir produtos ricos em calorias e pobres em nutrientes. “A pesquisa mostra que os pais estão pedindo ajuda. Sozinhos, não conseguem frear esse bombardeio.”

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) discute desde 2006 a regulamentação da publicidade de alimentos não saudáveis. No ano passado, a agência publicou uma resolução determinando que esse tipo de propaganda fosse acompanhado de alertas para possíveis riscos à saúde, no caso de consumo excessivo. Mas essa regra foi suspensa graças a uma liminar concedida pela Justiça Federal em favor da Associação Brasileira das Indústrias da Alimentação (Abia).

O presidente da Abia, Edmundo Klotz, afirma que “discutir a publicidade de alimentos é uma coisa do passado”. A indústria, diz ele, está trabalhando para deixar seus produtos mais saudáveis em vez de discutir teorias. “Praticamente eliminamos a gordura trans. Agora estamos reduzindo o teor de sódio. Até 2020, devemos atingir um ideal de “saudabilidade”“, diz. Mas Klotz não comenta como deveria ser publicidade de alimentos até que esse “ideal” seja atingido.

Carlos Monteiro, da Faculdade de Saúde Pública da USP, explica que “por mais que você substitua a gordura trans de uma barra de cereal por gordura saturada, ela ainda terá grande densidade energética”. O pior, continua, é que as pessoas acabam substituindo uma fruta por esse tipo de industrializado supostamente saudável.

Evidências

Em 2005, o Instituto de Medicina dos Estados Unidos revisou 123 estudos que investigavam a ligação do marketing com as preferências alimentares das crianças. A conclusão foi de que “a ideia de que algumas formas de marketing aumentam o risco de obesidade não pode ser descartada”.

Em 2009, pesquisadores da Universidade Yale fizeram uma experiência para avaliar o impacto da publicidade de alimentos na TV sobre crianças em idade escolar. Lanches foram oferecidos a dois grupos de estudantes enquanto eles assistiam a desenhos animados. Os pesquisadores verificaram que no grupo exposto à publicidade de alimento, o consumo de lanches foi 45% maior. O estudo foi publicado na revista da American Psychological Association.

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Empresas não cumprem pacto

Em agosto de 2009, as 24 maiores empresas do setor alimentício firmaram um compromisso público para limitar a publicidade dirigida às crianças. Elas deveriam detalhar, até o fim daquele ano, de que forma colocariam a ideia em prática.

Mas, segundo levantamento do Instituto Alana, até dezembro de 2010 apenas 12 das 24 empresas envolvidas no acordo haviam detalhado seu compromisso no site. Destas, apenas 8 possuíam a descrição dos critérios nutricionais que serviriam de base para determinar o que poderia ser considerado um alimento saudável ou não saudável.

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“Se digo não, ela chora e esperneia”

O sossego da publicitária Keity Martins acaba quando começa a passar na TV propaganda de pizza, hambúrguer ou bolacha recheada. “Minha filha, Katlyn, olha e fala: “Mamãe, eu quero.” Se digo não, ela chora e esperneia.”

Katlyn tem apenas 2 anos, mas já tem forte queda por doces. “Sempre que eu chego do trabalho, ela me pergunta se comprei chiclete”, diz Keity.

Apesar disso, a publicitária afirma que a filha tem uma alimentação saudável. “Ela adora salada. Come até jiló.” Keity conta que antes de ser mãe era contra a regulamentação da propaganda. “Agora vejo o quanto certos tipos de mídia não são saudáveis para minha filha.”

O advogado Xavier Vouga, pai de Nina, de 7 anos, acredita haver uma superproteção desnecessária à criança e defende a importância da educação dada pelos pais. “Nina come de tudo e muito bem. Em casa sempre tivemos o hábito de cozinhar e de ir à feira. Isso cria na criança o interesse pela comida”, diz ele.

O advogado admite que a filha já teve a fase de querer ir a lanchonetes só para ganhar o brinquedo que vem com o lanche. “Hoje isso acontece cada vez menos. Agora ela diz: “Os brinquedos não são grande coisa e eu não gosto da comida.” Para Nina, esse tipo de passeio saiu da pauta.” (Karina Toledo)