Tuesday, 30 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

‘Roubolation’ ou autofagia eleitoral

Agora foi, de fato, para assustar. Começa o período eleitoral, supostamente mais criativo, de natureza, entretanto, mais virulenta. Com a impunidade que ronda a nossa Justiça, pode-se imaginar que a campanha de 2010 corre o risco de desandar para uma violência jamais pensada ou, quem sabe, praticada até então. ‘Meu ouvido não é penico’ é muito pouco para o que se insinua como passível de acontecer.

Acompanhei campanhas em estados, e senti arrepios com o que vi, por exemplo, no Pará, onde amigos de infância, companheiros, confidentes, correligionários, circunstancialmente colocados como candidatos aos cargos estaduais em oposição, invadiam a intimidade do outro, revelando publicamente detalhes grotescos e até moralmente comprometedores.

Vi estampado em páginas inteiras de jornais o nome e a imagem de muitos candidatos, pessoas respeitadas na comunidade, transformados em ‘ladrões’, ‘corruptos’, ‘mau caráter’, ‘cornos’, ‘depositários de dinheiro na cueca, na meia, na mala’ e, em alguns casos, chegou-se mesmo a atentados e assassinatos. Provocações não faltavam em qualquer comício público, com o sentido de gerar tumulto e agressões gratuitas, com o uso sistemático da polícia pelo partido de plantão no governo.

Em Brasília mesmo, capital da República, fiquei assustado com os pares elaborando uma cartilha religiosa clandestina, ilustrada, comparando o candidato da oposição ao ‘Diabo’ e identificando-o, por meio da citação de fatos da vida cotidiana e privada do opositor, com a condição de mensageiro do caos e até das ‘maldições’ e previsões catastróficas do Apocalipse. Nostradamus era pinto.

Vírus perigoso

Estamos no aproximando novamente do que está sendo chamado musicalmente de ‘Roubolation’, a volta por cima de candidatos com processos na Justiça, corpo a corpo, grandes shows, faixas e cartazes mal produzidos e afixados em postes, muros, paredes, pontos de ônibus, cobrindo, inclusive, informações de interesse público.

Passamos também pelo rádio, veio a televisão e agora está aí a internet. Uma solução sofisticada, mas também uma imprevisível ameaça. Pelos dados disponíveis da Companhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan), mais de 30% da população vai acompanhar a campanha pela internet: não precisará ouvir e nem falar. Ela virá silenciosa, matreira, maldosa e rasteira. Chegará ao internauta na residência, no escritório, no trabalho, ou mesmo na rua, diretamente e em tempo real por meio do twitter e outros recursos eletrônicos que as novas tecnologias estão disponibilizando, invadindo privacidades, como se estivéssemos todos participando de um grande Big Brother – não o da Globo, mas o do George Orwell.

As amostras do que tem circulado sobre os políticos e candidaturas são de assustar. E só estou escrevendo este texto porque entrou no meu laptop um spam, envolvendo o presidente da República, com o seguinte teor:

‘Fiquem atentos nos próximos dias!

‘Não abram nenhuma mensagem e/ou arquivo que fale mal do Presidente com o nome `BRASILEIRO IDIOTA´, independente de quem a enviou. A mensagem é um vírus que `abre´ uma tocha olímpica que `queima´ todo o disco rígido do computador. Este vírus virá de uma pessoa conhecida que tem seu nome em sua Lista de endereços . É preferível receber 25 vezes esta mensagem do que receber o vírus e abrí-lo. É o pior vírus anunciado pela CNN e classificado pela Microsoft como o mais destrutivo que já existiu . Ele foi descoberto ontem à tarde pela McAfee e não existe anti-vírus para ele. O vírus destrói o sector zero do disco rígido, onde as informações vitais de seu funcionamento são guardadas’

Novas tribos

Insinua-se com algo tecnologicamente devastador. É o que se poderia chamar de eleitor autofágico, de fazer inveja a criatividade de Oswald e Mário de Andrade. O cidadão não vai ter a opção de recusar mensagens. Mais grave é o fato de que se um candidato fizer esse tipo de ameaça, o outro vai tentar agir da mesma forma. Será a guerra digital no ‘Roubolation’, agora assaltando computadores, corações, mentes e até a memória artificial. Salve-se quem puder.

O Tribunal Superior Eleitoral tem se mostrado excessivamente vacilante ao discutir as regras para a campanha política de 2010 via internet. Ora, se ainda não pensou adequadamente sobre isso, é hora de agir – e imediatamente.

Não se pode entrar numa campanha e ficar à mercê dos spammers, hackers, trackers, ‘galáticos’ e das novas tribos que podem se multiplicar por aí impunemente à luz da campanha eleitoral.

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Jornalista, professor de Jornalismo Político e Econômico da Universidade Católica de Brasília.