Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Segregação espacial e preconceito de classe

O Brasil possui uma das maiores desigualdades sociais do planeta. Sendo assim, temos, consequentemente, uma sociedade extremamente verticalizada. De um lado, está uma minoria que possui os meios (materiais e imateriais) necessários para realizar praticamente todas as suas aspirações e desejos. De outro lado, excluídos pelo sistema vigente, estão os indivíduos que levam uma existência deletéria, caracterizada por todo tipo de privação. Enquanto ricos e pobres estão espacialmente segregados (estes, morando em favelas, e aqueles em seus luxuosos condomínios), as relações entre as classes são aparentemente “estáveis” e “normais”, cada um ocupando seu “devido lugar” na cidade. Entretanto, a partir do momento em que há a mínima probabilidade de a população de baixa renda dividir os mesmos espaços que as classes altas, os preconceitos elitistas, escamoteados pela hipocrisia cotidiana, tendem a aflorar.

Nesse sentido, uma reportagem intitulada “Moradores de área nobre temem ‘mistura de classes’ com prédio popular”, publicada na Folha de S.Paulo no último domingo (7/6), demonstra emblematicamente até que ponto pode chegar o preconceito de classe no Brasil. De acordo com a matéria, boa parte dos moradores da Vila Leopoldina, bairro da capital paulista em franca ascensão social, é contrária à construção de um conjunto de moradia popular em um terreno localizado entre dois condomínios de luxo, com apartamentos avaliados em até R$ 3 milhões. “Colocar moradia popular vai facilitar a entrada de criminosos. A mistura [de classes] aumenta a inveja”, concluiu a analista de marketing Telma Prats, fazendo uma associação entre pobreza e criminalidade. Para Adaucto Durigan, atual coordenador do Fórum Social da Vila Leopoldina, “moradia popular é que nem feira livre: a maioria dos paulistanos acha importante que exista, mas ninguém quer uma na porta de casa”. Em outros termos, a prefeitura da maior cidade do país pode até continuar sua política habitacional destinada aos pobres, desde que estes fiquem distantes das classes privilegiadas. Já a Associação Vila Leopoldina defende que o terreno seja destinado à construção de um parque ou uma biblioteca.

A convivência com as diferenças

Todavia, não são apenas os moradores da Vila Leopoldina que demonstram seu repúdio em relação à construção das moradias populares. Na seção de comentários do jornal paulista, muitos internautas, sob o anonimato proporcionado pelo meio virtual, não se intimidaram em destilar seus preconceitos de classe. “Ninguém tem receio pela mistura de classes, as pessoas de maior cultura não querem que um bando de pessoas (que por comodismo ou por ‘pobreza cultural’) fique gritando palavrões no meio da rua ou fique chutando sacos de lixo pela rua (como já vi diversas vezes). A pobreza que incomoda não é a monetária, mas sim a mental”, apontou um comentário. Não obstante, outro internauta asseverou que “o pior de tudo será ter que ouvir funk [ritmo geralmente associado aos pobres] ou qualquer outra porcaria desse tipo”.

Por outro lado, de acordo professora da USP Paula Santoro, em uma cidade muita segregada social e territorialmente, como São Paulo, a mistura de perfis de moradores pode produzir uma “sociedade mais diversa e tolerante, em que uma classe se beneficia da outra”. Porém, infelizmente, os membros de nossa elite econômica preferem que a ocupação do espaço urbano das grandes metrópoles continue sendo norteada pela lógica dos tempos de casa grande e senzala. Em pleno século 21, muitos brasileiros, talvez saudosos do período escravocrata, ainda não conseguem conviver com as diferenças.

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Francisco Fernandes Ladeira é especialista em Ciências Humanas: Brasil, Estado e Sociedade pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e professor de Geografia em Barbacena, MG