Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Um continente em silêncio

2 de março de 2015, 19h: Edgar Quintero López, 57, terminou seu programa diário, Noticias y Algo Más (Notícias e Algo Mais) na Rádio Luna, em Palmira, interior da Colômbia. Como de costume, o programa incluiu críticas a políticos locais e investigações de casos de corrupção da região. Poucos minutos depois de deixar a rádio, Quintero entrava em uma padaria na cidade quando tomou sete tiros de um desconhecido em uma moto.

“Quintín”, como era conhecido em Palmira, tornou-se o segundo jornalista assassinado em menos de 20 dias na Colômbia. Mais: passou a ser símbolo da crescente violência contra jornalistas e do aumento de casos de violação da liberdade de imprensa na América Latina nos últimos meses. Neste ano, dez jornalistas de sete países – dois na Colômbia, dois na Guatemala, dois no México, dois no Brasil, um no Paraguai e um em Honduras – foram assassinados, segundo a Sociedade Intermericana de Imprensa.

Execuções são a mais extrema ameaça contra profissionais de mídia, mas não a única. Repórteres e veículos de mídia têm sido vítimas de uma escalada de intimidações que incluem ataques físicos, censura, vigilância e leis de restrição à atividade jornalística. Os culpados vão de governos a traficantes de drogas, de cortes de Justiça locais a forças de segurança – legais e ilegais.

As crescentes ameaças à liberdade de imprensa não têm merecido, porém, uma eficiente resposta da região. Enquanto a Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos condena crimes e exige investigações a cada morte de jornalista latino-americano, grande parte dos governos falha em identificar culpados e criar mecanismos de proteção à atividade da imprensa. Os recentes incidentes também não fizeram parte da agenda da Sétima Cúpula das Américas, que reuniu os chefes de Estado da região em abril, no Panamá.

A exclusão do tópico da programação foi um claro revés. Historicamente, a Cúpula das Américas tem sido um dos principais fóruns regionais de discussão de questões relativas a direitos humanos e civis. Um dos pontos altos neste sentido ocorreu no encontro de Québec, no Canadá, em 2001, após o então presidente do Peru Alberto Fujimori vencer a eleição presidencial para um controverso terceiro mandato em meio a protestos internacionais pelos ataques à liberdade de expressão no país. Um dos temas principais daquela Cúpula foi a criação da Carta Democrática Interamericana.

Hoje, são os próprios governos que ameaçam a liberdade de expressão e de imprensa. Na Venezuela, por exemplo, periódicos têm fechado as portas ou reduzido suas tiragens em razão do controle de papel-jornal decorrente do controle cambial imposto pelo presidente Nicolás Maduro. No Equador, o presidente Rafael Correa tomou para si a tarefa de criticar o teor de coberturas feitas por veículos de imprensa ou jornalistas críticos ao seu governo. Os discursos inflamados de Correa resultam em altos níveis de autocensura entre grupos e profissionais de mídia que temem não apenas as críticas presidenciais, mas também processos e multas – um exemplo célebre ocorreu em 2011, quando o jornal El Universo foi multado em US$ 40 milhões por críticas ao governo. Hoje, há cerca de cem casos abertos e 30 sanções contra veículos equatorianos com base na Lei de Comunicação, criada em 2013 – a maioria das decisões, porém, está pendente.

Um nome, uma estatística

Em uma região orgulhosa por suas democracias, o aumento dos casos de violência contra repórteres e outras restrições à liberdade de imprensa claramente violam a Convenção Americana sobre Direitos Humanos. O artigo 13 do documento, ratificado por 25 países, estabelece que o direito à expressão não pode ser restringido por “abuso de controles oficiais ou particulares” nem “por quaisquer outros meios destinados a obstar a comunicação e a circulação de ideias e opiniões”.

Mas não é o que acontece na prática. Segundo o Ranking Mundial de Liberdade de Imprensa 2015, feito pela ONG Repórteres sem Fronteiras, apenas dois países latino-americanos, Jamaica e Costa Rica, atingem o nível mais alto de liberdade de imprensa. México, Colômbia, Venezuela e Cuba estão no final da lista.

No Brasil, jornalistas também têm sofrido mais ameaças relativas ao exercício da profissão. Os episódios envolvem especialmente repórteres que investigam casos de corrupção ou cobrem protestos nas ruas, e os responsáveis por violações incluem forças de segurança e cortes locais. Neste ano, 11 jornalistas foram vítimas de agressões por policiais em manifestações em São Paulo, Curitiba e Rio de Janeiro, segundo a Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo). Outro problema comum é censura judicial: o site Eleição Transparente contabilizou 184 ações judiciais para evitar a publicação de notícias ou remover conteúdo relativo às últimas eleições, no ano passado.

Cartas de protestos têm sido insuficientes na maioria dos recentes casos de violação de liberdade de imprensa – ainda mais quando governos são os responsáveis por restringir a atividade jornalística. Para reduzir violações, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos deve agilizar a avaliação de casos e tomar providências concretas, como a divulgação abrangente de casos de violação, medidas judiciais de proteção a jornalistas e veículos e o acompanhamento sistemático de investigações. Ao mesmo tempo, dado o atual estado de deterioração, o novo secretário-geral da Organização dos Estados Americanos, Luis Almagro, deve incluir o tema na agenda da entidade.

Infelizmente, “Quintín” já não é o último jornalista morto na América Latina. E só agindo com celeridade o sistema interamericano poderá garantir que o repórter colombiano não seja apenas mais uma estatística da onda de repressão contra o jornalismo e seus profissionais na região.

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Carolina Morais Araujo é aluna do mestrado em Relações Internacionais na School of International and Public Affairs da Universidade Columbia, em Nova York (EUA)