Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Um exemplo de arrogância

Na segunda-feira 16/5, o ministro da Casa Civil, José Dirceu, foi o entrevistado do programa Roda Viva, levado ao ar em rede nacional pela TV Cultura paulista. Mas não foi bem uma entrevista nos moldes daquelas que volta e meia o programa apresenta, as quais muitas vezes se transformam em amigável bate-papo entre o convidado e seus entrevistadores. É claro que ninguém esperava que assuntos polêmicos envolvendo o governo federal fossem tratados com tapinhas nas costas, mas o que se viu em alguns momentos extrapolou a esfera jornalística e provocou constrangimentos.

Refiro-me especificamente no trecho em que um experiente e conceituado repórter de um jornal paulista toca no delicado tema ‘Waldomiro Diniz’. Em resposta, o ministro pega um documento e lê em alto e bom som: parecer do Supremo Tribunal Federal que o inocenta de qualquer participação no episódio do ex-assessor.

Inconformado com a decisão final da Justiça, o inquisidor retruca de maneira arrogante, propondo a José Dirceu que participe de uma ‘acareação pública’ com Waldomiro Diniz e o bicheiro Carlinhos Cachoeira. Surpreso, Dirceu se defende dizendo que tal mecanismo não existe na Justiça brasileira, e espontaneamente solta uma frase que exprimia o seu estado de espírito naquele momento: ‘Eu sou inocente!’, mantendo em suas mãos o ofício do Supremo.

É claro que este episódio não vai macular a carreira do conceituado jornalista, mas põe em discussão o comportamento da imprensa em determinadas situações nas quais o que acaba valendo é o velho jargão ‘a lei, ora a lei’. Em março passado, a Polícia Federal, em conjunto com a Interpol, prendeu em Saquarema (RJ) o traficante americano Jesse James Hollywood. Em menos de 36 horas, o delinqüente foi sumariamente extraditado para os Estados Unidos, onde será julgado por seus crimes. Nada ou quase nada foi falado a respeito do atropelo jurídico, talvez porque na questão estivesse em jogo buscar desfazer aquela imagem mítica do Brasil como uma paraíso fora da lei. Nem mesmo os órgãos de defesa dos direitos humanos ou políticos, acostumados a denunciar a ingerência dos Estados Unidos em assuntos nacionais, fez qualquer menção ao caso.

Clima emocional

Apenas para fazer um paralelo, a mesma presteza da Justiça não foi observada na prisão da cantora mexicana Gloria Trevi, detida em Brasília em 2002 e apenas meses depois extraditada para seu país natal, o que fez com que o caso ficasse na mídia por longo período. No caso de Jessé James, suponho que seja desagradável e desgastante para a política externa brasileira manter na prisão um dos bandidos mais procurados pelo FBI. Embora os poucos juristas ouvidos tenham concordado que aquele era o procedimento legal.

Em abril, novamente o clamor popular passou por cima da Justiça quando um delegado de polícia deu voz de prisão a um jogador argentino em pleno gramado sem que houvesse sido prestada uma queixa policial. Tudo em razão de irados protestos de um locutor esportivo conhecido por seu ufanismo, que direto da cabine de transmissão fez uma leitura labial das palavras dirigidas pelo argentino Desábato ao atacante Grafite. Protestos que causaram a imediata reação do secretário de Justiça, que de sua casa ordenou ao delegado a imediata prisão do perigoso delinqüente. E, envolvida pelo clima emocional, a imprensa ‘pegou carona’ e sequer questionou a arbitrariedade da medida. Afinal, estava em jogo a imagem do Brasil como um país que pune os crimes raciais.

São situações isoladas mas que, a meu ver, deixam claro um comportamento arbitrário da imprensa que, em determinados casos, age mais em função do clima emocional, atropelando os próprios dispositivos legais. Fica, porém, a dúvida: trata-se de uma postura consciente adotada em função do interesse da notícia ou é fruto do despreparo daqueles que desconhecem os mecanismos legais?

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Diretor da G. Meirelles Comunicação, São Paulo