Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

A liberdade de expressão e o processo eleitoral de 2018

É notório que estamos presenciando o processo eleitoral mais conturbado de nossa recente estabilização democrática em virtude de todo cenário dos últimos anos em conjunto com a profunda crise econômica que nos assola, favorecendo o advento de discursos repletos de soluções aparentemente simples para questões complexas somente a fim de atingir o subconsciente do eleitor enfastiado deste período recessivo, disposto até mesmo em renunciar seus direitos fundamentais ou ao próprio modelo democrático.

Em um panorama arquitetado pela mídia, os cidadãos são induzidos a erro para acreditar que a solução encontra-se na redução de direitos e garantias fundamentais atrelada a relativa sensação de alívio pelo combate à corrupção, entretanto a história nos mostra que este argumento já foi utilizado anteriormente para outras ações antidemocráticas que a priori continham aparência legal e benéfica a sociedade.

Neste cenário surgem alguns discursos que afrontam diretamente a própria ordem democrática dando ensejo a questionamentos em relação aos possíveis limites da liberdade de expressão e o que seria legítimo no período eleitoral para angariar votos, sobretudo quando resulta na opressão de determinadas parcelas sociais e na propagação de um discurso de ódio.

A liberdade de expressão se constitui como pedra angular em uma sociedade democrática, considerando que é o primeiro a ser suprimido para a instauração de regimes autoritários. Representa a primeira liberdade, da qual decorrem todos os demais direitos fundamentais, e, de mesmo modo, concretiza o princípio da dignidade da pessoa humana.

A garantia deste direito está estritamente relacionada com o princípio da dignidade humana, haja vista que por meio deste se exprime a personalidade do indivíduo facultando-o a manifestação expressa de suas convicções ou somente optando em viver de acordo com elas, de forma que a expressão é inevitável ainda que de maneira implícita, nas palavras de Cármem Lúcia em relação a este tema a “liberdade é dado complementar, senão integrante da dignidade humana”.

Conforme entendimento da Corte Interamericana de Direitos Humanos a liberdade de expressão se subdivide na dimensão individual e coletiva, as quais devem ser asseguradas de forma simultânea. A primeira dimensão consiste na liberdade do indíviduo em difundir suas informações e convicções por qualquer meio de comunicação, já a segunda considera-se um instrumento para comunicação social, deste modo todos tem o direito de conhecer os pensamentos e informações alheias.

Em relação ao controle no exercício da liberdade de expressão, o direito brasileiro adota a teoria elaborada por William Blackstone na qual se considera mais plausível a responsabilização a posteriori ao invés de criar limitações prévias abstratas em relação aos abusos deste direito, concluindo que é preferível sancionar os poucos abusos do que reprimir todas as demais legítimas expressões, haja vista que a distinção entre uma expressão legítima ou ilegítima é muito tênue resultando um risco maior do que o possível abuso que seria a censura prévia das expressões legítimas.

O discurso eleitoral encontra sede na liberdade de expressão dos candidatos, caracterizando-se como um direito fundamental, é o meio mais precioso para que o candidato possa contatar o público, potenciais eleitores, e primordial ao interesse social no acesso a todas as informações corretas e a uma pluralidade de opiniões sobre os diversos temas para que possa decidir de forma livre e consciente sobre sua representação futura.

No processo eleitoral que está em curso, valendo-se desta liberdade de expressão, surgiu um candidato presidencial extremista com alguns ideais visivelmente incompatíveis com o sistema democrático, mas que ganhou força entre os cidadãos resultando no deslocamento da tradicional direita para a extrema direita, tornando-se o foco para os eleitores desta posição ideológica e política.

Esta chapa eleitoral tem disseminado discursos contrários a diversas garantias fundamentais e apoiando a lastimável ditadura brasileira assim como seus autores, discursos quais facilmente caracterizam-se como de ódio, considerando a evidente incitação e presença de violência nos mesmos, principalmente contra minorias e refugiados, instigando que as discussões ultrapassem as propostas de governar o país para rivalidades pessoais.

Dentre as principais incompatibilidades com a democracia, destacam-se propostas de nova constituinte somente com os “notáveis” sem a necessidade de eleição de representantes do povo e a duplicação do número de ministros do Supremo Tribunal Federal sendo todos os novos indicados pelo possível futuro governo.

No mesmo sentido, nota-se a ausência de apreço ao sistema eleitoral pelo candidato que já elegeu-se diversas vezes pela urna eletrônica, bem como seus filhos a sombra de seu sobrenome, questionar a credibilidade da mesma em caso de resultado diferente do pretendido e mesmo recebendo o maior percentual dos votos em primeiro turno afirmar que o resultado é consequência de falhas nos equipamentos de votação.

Este âmbito de questionamentos gera um ambiente propício para instigar o surgimento de movimentos voltados a subverter a ordem democrática pela descrença no sistema representativo que é a basilar, a fim de tomar o poder de forma ilegítima e totalmente prejudicial a nação.

Optar pela democracia é ser capaz de suportar seu amargor oriundo do resultado não almejado, mas isso não significa que houve fraude ou que a representação é ilegítima. Deste modo é imoral e descabido que qualquer candidato questione a lisura do pleito de forma prévia ou posterior, pois ainda que sempre se tenha candidatos não eleitos, supostamente derrotados, a vitória pertence ao povo e em última análise a própria democracia.

O discurso do ódio fundado na violência e intolerância ganhou força não apenas na eleição presidencial, mas também constitui elemento notável nas eleições legislativas na qual muitos lograram êxito a sombra do autor dos discursos extremistas e antidemocráticos, sendo este o ovo da serpente do totalitarismo que se assenta ardilosamente no sistema democrático.

Frente a essa controvérsia da legitimidade de tais manifestações, recorro a metáfora do barco de Lenio Streck (Veja aqui e aqui), para ressaltar que embora se tenha duas visões distintas sobre os governos democráticos historicamente separados entre direita e esquerda (republicanos e democratas) são visões distintas do mesmo “barco”, já os extremismos de ambos não podem de forma alguma confundir-se com democracia, afinal um barco jamais será um avião e a democracia jamais será autoritária.

Portanto ainda que as manifestações sejam diretamente contrárias a própria ordem estatal, a democracia as permite com respaldo na liberdade de expressão, entretanto o que deve de fato nos amedrontar é a quantidade de eleitores adeptos a estas ideias em suma pela descrença na legitimidade do sistema representativo, que a tudo indica encontra-se em crise.

É indispensável demasiada perseverança e otimismo, mas ainda que com dificuldades, nosso sistema constitui-se em uma democracia e mesmo com os diversos golpes que tem sofrido busco crer que sobreviverá de forma ainda mais robusta após este processo eleitoral pautado na força da soberania popular, que apesar de induzida a erro por meio de setores da mídia é capaz de recordar dos benefícios advindos da promulgação da Constituição Cidadã que rompeu com o autoritarismo e seus desdobramentos no início do século voltados a desenvolver uma sociedade igualitária, optando pela democracia ao discurso de ódio desprovido de propostas.

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Lucas Gabriel Troyan Rodrigues é acadêmico do curso de bacharelado em Direito na Pontifícia Universidade Católica do Paraná; Pesquisador de Iniciação Cientifica Voluntária (2016-2017); Pesquisador do CNPq (2017-atual); 2º Colocado no Concurso de Artigos Jurídicos do Congresso Franco-Brasileiro de Direitos Fundamentais e Igualdade, PUCPR e École de Droit Université Paris 1 Panthéon Sorbonne.

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REFERÊNCIAS

RODRIGUES JUNIOR, Álvaro. Liberdade de Expressão e Liberdade de Informação: limites e formas de controle. Curitiba: Juruá, 2008. P. 57.

ADPF 130/DF, rel. Min. Ayres Britto, voto da Min. Cármem Lúcia, j.30-4-2009, DJE de 6-11-2009.

Corte Interamericana de Direitos Humanos. Parecer Consultivo OC-5/85 de 13.11.1985: O Registro Profissional Obrigatório de Jornalistas. Par. 33.

bdem. Par. 31 e 32.

TOLLER, Fernando M.; MARTINS, Ives Gandra da Silva. O Formalismo na Liberdade de Expressão: discussão da diferenciação entre restrições prévias e responsabilidades ulteriores. São Paulo: Saraiva, 2010. P. 24 e ss.