Sunday, 28 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Ana Maria Bahiana

‘Uma distorção crucial num mundo midiático controlado pelos fornecedores e não pelos consumidores de informação é a miopia forçada pelo que não lemos/vemos/ouvimos. Não temos uma visão distorcida das coisas apenas porque a maior parte dos dados que recebemos vem da fonte interessada em que saibamos estes dados (o que discutimos na coluna passada). Temos uma visão distorcida porque todo um universo de outras informações complementares e até conflitantes, que poderiam, de fato, formar e informar nossa opinião, foi deixado de fora nesse afunilamento.

Digo isso agora, especificamente, por causa do affair Terri Schiavo. Vocês estão seguindo? Eu estou. O assunto me é caro e, para que vocês tenham uma noção mais precisa do peso da omissão de informações, eu declaro logo que sou favorável ao suicídio assistido, à eutanásia, à morte com dignidade e a decisões cruciais sobre transições de vida colocadas nas mãos, no poder e no discernimento do indivíduo.

Eu deveria então estar torcendo pelo lado pró-remoção do tubo, não é? Vendo na histeria da oposição à medida mais uma manobra da onipresente direita religiosa americana. No entanto…. No entanto… No entanto….

Considerem um cacoete de jornalista, que migrou com facilidade e se ampliou para minha vida de roteirista/produtora: não consigo aceitar uma narrativa simples, não examinada. A história da ‘morte’ de Terri Schindler Schiavo tinha buracos demais, omissões demais para que eu pudesse engoli-la a seco, simplificada como uma mera discussão prática pró e contra a eutanásia. Se eu estivesse escrevendo um roteiro sobre o caso, eu teria que responder uma série de perguntas que simplesmente não estou vendo em 99% do noticiário.

Como Terri sofreu a parada cardíaca? Em decorrência de que? Como uma bela moça de 30 e poucos anos é capaz de ter um desequilíbrio químico dessa gravidade? Como era sua vida antes do episódio? Como era seu relacionamento com o marido? Como o marido está sendo capaz de mantê-la e ainda por cima mover batalhas legais – num país em que medicina e assistência jurídica são caríssimas, ambas? Por que os pais de Terri e o marido Michael, que deveriam estar unidos no amor a uma mesma pessoa, divergem tão drasticamente? E por que começaram a divergir três anos depois do episódio que aniquilou Terri?

Vocês se fizeram essas mesmas perguntas? As respostas não são saborosas e vão dar uma dimensão infinitamente mais complexa, sombria e trágica ao caso. Elas envolvem obsessão com magreza, bulimia, uma relação conflitada e abusiva, um processo legal e um milhão de dólares. As duas melhores fontes estão na Internet, para cujos amplos braços sempre se pode correr, felizmente: na Wikipedia e nos arquivos online da CNN.

Leiam, pensem, formem de fato opiniões. A vida nunca é simples como uma notícia de jornal ou revista. Certamente não nos dias de hoje.’



CHARLES vs. IMPRENSA
Glenn Frankel

‘Charles tenta afastar-se das fofocas’, copyright O Estado de S. Paulo / The Washington Post, 3/04/05

‘O sedã Audi preto parou no Lakeland Livestock Center exatamente às 11h40 e um homem de meia idade desceu vestindo um elegante terno cinzento de abotoamento duplo e lustrosas botas de couro de cabra. Ele rumou diretamente para Marjorie Faulder e seu terrier West Highland.

‘Já não a tinha visto antes?’, pergunta o príncipe Charles.

‘Na verdade, esta é a terceira vez’, responde a vendedora de loja aposentada, nitidamente entusiasmada pelo poder do banco de memória da sua majestade. Ela faz questão de aparecer com seu cachorro para cumprimentar o príncipe sempre que ele se aventura neste remoto cantão rural do noroeste da Inglaterra.

Em Londres, esta manhã, os tablóides estão servindo restos para o café da manhã: a notícia de que a rainha Elizabeth e o príncipe Philip continuam pretendendo não comparecer à cerimônia do casamento civil do seu filho com Camilla Parker- Bowles na sexta-feira, embora todos os irmãos e filhos do príncipe Charles vão estar lá. Porém, por aqui, no Condado de Cumbria, a única conversa sobre o casamento são votos sinceros de felicidades para o príncipe e sua noiva.

Este é Charles num dos seus papéis mais acalentados: defensor da região rural inglesa e das pessoas que moram lá. Longe da atmosfera de estufa de Londres, quase todo mundo que ele encontra aqui mostra-se respeitoso, emocionado e honrado em vê-lo. Aqui não há tablóides, nem os fanáticos pela princesa Diana, nem antimonarquistas rudes.

‘Seja o que for que eles digam nos jornais, por aqui ele tem muitos admiradores’, diz Ann Risman, que administra uma entidade beneficente rural local.

O anúncio do casamento tem concentrado a atenção mais uma vez na novela nacional de longa data que é a vida particular do príncipe de 56 anos – seu casamento fracassado e tempestuoso com a falecida princesa Diana; a fria e difícil relação com os pais; e seu caso de amor de longa data e antes adúltero com a divorciada Camilla que está prestes a desposar.

O implacável foco nesses detalhes íntimos tem obscurecido o próprio príncipe, sua vida e suas obras. Durante quase três décadas, Charles tem procurado cavar um papel público para si mesmo. Ele tem surgido como um porta-voz dos valores tradicionais, um grande provedor de entidades beneficentes e uma voz para aqueles que considera sem oportunidade de se expressar.

Tem promovido fervorosamente o ambientalismo e a agricultura orgânica, questionado as plantações geneticamente modificadas e a ética da pesquisa com células-tronco, defendido a minoria muçulmana na Grã-Bretanha, se oposto à proibição da caça à raposa, se oposto à transformação da Casa dos Lordes num corpo eleito e exaltado uma educação que volte aos fundamentos básicos.

SEM CONFIANÇA

Não existe nenhum projeto pronto para este papel de faça-você-mesmo e nenhum outro príncipe de Gales já tentou isso antes. Freqüentemente, ele tem despertado controvérsias. Alguns críticos consideram sua posição sobre determinadas questões de irresponsáveis ou reacionárias. Outros alegam que todo o seu esforço transpõe o lugar tradicional da família real de ficar acima e além da política.

Mas Charles continua convencido de que seus futuros súditos exigem que ele não apenas pareça um príncipe, mas também execute um serviço público.

Ao mesmo tempo, dizem aqueles que o conhecem e já trabalharam com ele, Charles é destroçado pela falta de autoconfiança, temeroso que suas contribuições e boa-fé não sejam devidamente apreciadas e compreendidas. Às vezes, dizem eles, o príncipe se sente sob cerco não apenas pelos tablóides e pelos críticos, mas também por seus pais, que prefeririam que ele desempenhasse um papel menos polêmico.

O resultado é um líder que se alterna entre ataques de agressivas atitudes desafiadores e petulante desespero. Mais de uma vez, em conversas particulares que vazaram para a imprensa, ameaçou abandonar o país se suas opiniões sobre determinados assuntos fossem ignoradas. Sua constante autodesvalorização – uma marca registrada de quase todo discurso público que faz – não é uma encenação, dizem os amigos, mas sim uma parte profundamente arraigada do seu caráter.

‘Ele é a pessoa mais frustrada que eu conheço’, diz seu amigo Jonathan Dimbleby, biógrafo da realeza . ‘Porque nunca consegue vencer a contenda e ainda assim continua tentando.’

Desde que saiu da Marinha Real, em dezembro de 1976, Charles tem transformado o título de príncipe de Gales numa instituição pública. Ele mantém uma ligação com as 17 principais entidades beneficentes e com uma série de entidades menores que, com sua ajuda, levantam quase US$ 200 milhões por ano.

A mais importante delas é a Prince’s Trust, a maior entidade de ajuda à juventude da Grã-Bretanha, que assiste os desprivilegiados com treinamento, acompanhamento e ajuda financeira.

CRENÇA FERVOROSA

No ano passado, ele fez 50 discursos, visitou 59 países e assumiu 517 compromissos oficiais. Informou uma receita total de quase US$ 30 milhões, incluindo cerca de US$ 7,5 milhões em recursos estatais, sendo restante da receita do ducado da Cornualha, a propriedade do príncipe no sudoeste da Inglaterra.

O que sustenta essas atividades é sua crença fervorosa em valores eternos como comunidade, responsabilidade e respeito pela natureza.

O príncipe acredita que a humanidade perdeu sua ligação com o mundo natural e teme que possa destruir a si mesma se a harmonia não for restaurada. Alimenta uma profunda desconfiança pelo modernismo e seus agentes, sejam eles cientistas, médicos, advogados, educadores ou arquitetos.

Charles tem grande cacife. Com um telefonema, consegue convocar alguns dos maiores especialistas do mundo para um seminário sobre qualquer questão que queira explorar.’



O Estado de S. Paulo

‘Revoltado, Charles chama repórteres de ‘gente maldita’’, copyright O Estado de S. Paulo, 1/04/05

‘O príncipe Charles chamou ontem os jornalistas de ‘gente maldita’. Foi na estação de esqui suíça de Klosters quando um repórter da BBC, Nicholas Witchell, perguntou ao filho dele, William: ‘Como você se sente, a poucos dias do casamento de seu pai?’ Charles, que se casa com Camilla Parker-Bowles dia 8 e passa férias ali com os filhos William e Harry, começou a murmurar: ‘Gente maldita. Odeio isto. Esse tipo (Witchell) é horrível.’’



Folha de S. Paulo / The Independent

‘‘Odeio essa gente’, diz Charles sobre imprensa’, copyright Folha de S. Paulo / The Independent, 1/04/05

‘Quando os produtores de TV assistiram ao que haviam gravado em mais um encontro controlado da família real britânica com a mídia, ouviram o príncipe de Gales resmungando ao fundo. Aumentaram o volume, e as palavras de Charles ficaram claras. ‘Odeio essa gente’, sussurrou o herdeiro do trono a seus dois filhos, William e Harry, que posavam a seu lado para a foto tradicional da família feliz em Monbiel, na Suíça.

Mas o príncipe não parou por ali. Respondendo a uma pergunta de um repórter da BBC sobre seu casamento, no próximo dia 8, Charles não se conteve: ‘Gente maldita. Não suporto esse homem. Ele é horrível, é mesmo’.

‘Odeio fazer isso’, reclamou, sobre fazer a foto. Microfones posicionados à sua frente captaram as observações de franco desdém feitas pelo príncipe.

O incidente assinala um novo ponto baixo na relação entre Charles e a mídia. Aconteceu em meio ao pesadelo de relações públicas que envolve o casamento do príncipe com Camilla Parker-Bowles, que enfrentou mudança de local, o pouco caso da rainha Elizabeth 2ª e o desejo passageiro do príncipe de cancelar tudo.

Quando mais de 70 jornalistas e equipes de TV se amontoaram no local, os três príncipes foram exortados a ‘parecer que se conhecem’. Isso levou Charles, irritado, a perguntar a seus filhos: ‘O que eu faço? Abraço você?’, ao que William respondeu ‘sorria, fique sorrindo’. Tradução de Clara Allain’