Saturday, 27 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Como ser feliz sem churrasqueira

Anúncio de duas páginas veiculado há pouco no jornal O Estado de S.Paulo pela W/Brasil, grife de Washington Olivetto, para seu cliente Max Haus, chama a atenção de quem acompanha os altos e baixos do mercado publicitário.

Na sobriedade gráfica e secura de texto, com base numa aparente simplicidade, faz boa reflexão sobre certa parcela da classe média brasileira, de um lado acuada pela bandidagem, de outro obcecada com uma maior ascensão social – presa fácil, portanto, de temores paranóicos e fantasias principescas –, e de como a indústria da construção explora tudo isso à exaustão, com a ajuda sempre oportunista da propaganda, comprando páginas e mais páginas coloridas das edições dominicais.

Nenhuma ilusão, o anúncio aqui descrito não vai mudar nada, mas presta um bom serviço, em certa medida, ao expor, numa fina gozação, a mediocridade criativa da nossa propaganda no setor imobiliário – o qual, de resto, nunca teve como virtude estimular grandes sacadas publicitárias para seus empreendimentos. Nem mesmo agora, quando a construção civil está num dos seus momentos mais prósperos e as empresas líderes poderiam exigir de suas agências maior empenho na produção de mensagens menos burocráticas e repetitivas – e, sobretudo, menos delirantes.

O paraíso é logo ali

E dá-lhe, abrilhantando essa fuga dos grandes centros urbanos rumo a regiões ditas paradisíacas, numa enxurrada de apelos ocos, pérolas do gênero ‘verdejantes campos, muita paz e tranqüilidade, segurança rigorosa, áreas exclusivas, lazer completo…’

Além, é claro, de veladas sugestões sobre as delícias de uma convivência grupal, obviamente forçada, típica dos condomínios modernos, horizontais, que, como os verticais, também já são, no nosso incurável comportamento de nativos colonizados, batizados com nomes afrancesados.

A peça criada pela W/Brasil, em fundo negro, intitulada Less is more (recurso pobre, único senão do anúncio: por que não escrever em português?), é minimalista, despojada de bucólicas paisagens campestres ou olímpicas quadras de tênis, ilustrando com elegância contida o conceito de ‘arquitetura aberta’, ou seja, espaços menores, mas bem utilizados, arma ainda nova na feroz competição do setor para ver quem vende mais na base do quanto maior, melhor.

Do lado esquerdo do anúncio, sob uma foto, lemos:

‘Hall de entrada Max Haus AF

Banco de madeira Gig, de Pedro Petry

Dobradura digital, aço cortain, de Gustavo Índio da Costa

Piso de cimento preto polido

Nada mais.’

Do lado direito, a mensagem principal, irrepreensível pelo que contém de crítica mordaz às tolas manias de grandeza de muita gente e a saudável austeridade do texto:

‘Max Haus é essência. Por isso, antes de falar do que temos, vamos falar do que não temos.

Não temos salão de festas.

Não temos espaços gourmet, churrasqueiras coletivas ou espaços zen.

Não temos spas, quadras poliesportivas, saunas ou Lan house.

Não temos garage band ou tendas para massagem.

Se você acha que pode ser feliz longe de tudo isso, procure a gente. Talvez você pertença ao mundo Max Haus.’

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Jornalista e escritor