Sunday, 28 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Consultor Jurídico

‘O relatório anual do Media Law Resource Center (MLRC, algo como Centro de Estudos dos Direito da Mídia) revela que, em 2003, foram impetrados 14 processos contra notícias veiculadas da mídia. Desses, os representantes da mídia venceram oito casos, o que corresponde a 57,1%.

A média de processos ganhos é menor do que no ano anterior quando, segundo o MLRC, a mídia venceu cinco de seis ações. Ainda assim, é o terceiro maior índice de vitória registrado pela organização desde que começou a computar os julgamentos por dano moral e invasão de privacidade, em 1980.

De acordo com o levantamento, desde 1980, a mídia perdeu mais de 61% dos 494 processos sobre dano moral e invasão de privacidade. Mas a média de vitória da defesa nos processos cresceu década a década, com um registro de ganho de 35,6% nos anos 80; 42,2% em 90; e 54% desde o início de 2000.

Como as ações em que há júri popular são poucas, os casos ganhos em julgamento são resultado de uma maior porcentagem de sentenças favoráveis proferidas por juízes.

O número de ações levadas aos tribunais, de acordo com o MLRC, vem caindo sistematicamente desde a década de 80 – quando foi registrada uma média de mais de 24 julgamentos por ano – passando pelos anos 90 — época em que foi registrada a média de 23 casos – até os anos de 2000 a 2003, quando o número não passou de 12,5.

A queda no número de processos durante o período é resultado da menor quantidade de ações envolvendo jornais. O número de casos contra a mídia eletrônica (TV e rádio) não cai desde 1980, e há sinais de que está crescendo desde o início de 2000.

Outro índice que continua a crescer é o relativo ao valor dos processos. A média dos pedidos de indenização, que nos anos 80 era de 1,5 milhão de dólares subiu para 2,6 milhões de dólares nos anos 90. Nos primeiros anos de 2000 o número ficou em 3,4 milhões de dólares.

No entanto, cerca de um quarto dos valores pedidos em ações desde 1980 foram revertidos ou reduzidos pelos juízes no julgamento de recursos. Das indenizações que não foram revertidas pelos magistrados, apenas 35% foram reafirmadas durante a apelação ou não sofreram recurso e foram integralmente pagas. Uma série de casos ainda está em trâmite.

Desde 1980, 386 ações foram levadas aos tribunais estaduais e apenas 108 às cortes federais. O estado da Califórnia é o que mais recebe processos, com 37, seguido da Pensilvânia, com 31, Texas, com 27 e Flórida, com 21.

Entre os estados onde são ingressados três ou mais processos, os em que a defesa obteve maior índice de sucesso são Connecticut e Oregon, onde a média de vitória é de mais de 83% dos processos das seis ações existentes em cada um deles.

O pior estado para os advogados da mídia são Kansas (onde não há nenhum caso de vitória), Arkansas (1 de 6), e West Virginia (1 de 5). O relatório traz uma comparação de números, índice de vitória e indenização por danos, estado por estado e corte federal por corte federal.

A boa notícia é que um menor número de casos relacionados a danos morais e invasão de privacidade chegam a julgamento, e a porcentagem de vitória da mídia é maior do que a média de processos aceitos.

As ações, no entanto, continuam sendo uma ameaça para a mídia, diz a diretora executiva do MLRC, Sandra Baron. ‘Apesar de a maioria expressiva das indenizações são reduzidas em recurso, os gastos com os processos podem ser assustadores. O perigo é que os valores pedidos nas ações e o custo do processo podem fazer com que os editores parem de cobrir tópicos e personalidades controversas’, afirma.

Números de 2003

Sete dos 14 processos de 2003 envolveram acusações contra a televisão, enquanto cinco foram relativos à publicações em jornais, um contra o rádio e um contra um site da internet. O caso da internet envolveu o endereço eletrônico Newsok e é o segundo processo contra um veículo de web contido no relatório do MLRC.

Doze dos processos de 2003 foram ingressados nas cortes estaduais, enquanto dois foram impetrados na Justiça federal. Todos os casos foram levados a júri popular, apesar de os juízes darem veredicto em dois deles. Os advogados de defesa ganharam ambas ações federais e metade dos processos estaduais.

Das seis sentenças dadas em desfavor da mídia em 2003, três envolveram indenizações de 1 milhão de dólares e duas atingiram condenação de mais de 10 milhões de dólares. A média dos valores atingidos nos seis processos é de 5,4 milhões, enquanto a média geral desde que o instituto iniciou o levantamento é de 2 milhões.

A MLRC é uma agência de notícias sem fins lucrativos, formada em 1980 por um grupo de representantes da mídia, para monitorar e promover os direitos expressos no First Amendment (o equivalente ao nosso artigo 5º da Constituição Federal) da Constituição americana, relacionados a danos morais e privacidade.’



LIBERDADE DE EXPRESSÃO
Lourival J. Santos

‘Liberdade de imprensa é defendida na teoria mas não na prática’, copyright Revista Consultor Jurídico (http://conjur.uol.com.br), 9/10/04

‘No sistema legal brasileiro há princípio segundo o qual ninguém pode se eximir de cumprir a lei alegando o seu desconhecimento ( art. 5°, LICC). O preceito foi herdado do direito romano ‘ignorantia legis neminem excusat’ e fundamenta-se na necessária exclusão da possibilidade de que alguém, ao cometer certa infração, possa invocar em sua defesa o desconhecimento da existência de lei que incrimine a prática do ato cometido.

Se essa não fosse a regra legal estabelecida, gerar-se-ia clima de incerteza e insegurança, prejudiciais à estabilidade das normas de convivência do grupo social, porquanto a todos que cometessem atos ilícitos seria dado escudar-se na ignorância da existência de disposição legal coibitiva, para irresponsabilizar-se pela prática de tais atos e pelas conseqüências advindas dos mesmos.

Sobre o assunto escreveu o culto jurista Goffredo Telles Junior(1): ‘… a ordem jurídica pereceria se as violações das leis pudessem ser justificadas com a simples alegação da ignorância delas.’

Em sentido concreto é inadmissível que todos conheçam todas as leis em vigor, principalmente num país como este, que apresenta altíssimo índice de inflação legislativa. É exatamente essa a base fulcral do princípio referido.

Contudo, em relação à Constituição, por ser a lei fundamental do Estado, independentemente do princípio da ‘exceptio ignorantiae juris’ não poderão ser ignorados os conceitos básicos dos direitos individuais e coletivos, principalmente por pessoas que têm, por ofício e mister, o dever de manejá-los e aplicá-los, atenta e rigorosamente, no cotidiano de suas funções.

Referimo-nos aos representantes dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário os quais, com preocupante freqüência, mostram-se apedeutas crônicos de princípios constitucionais medulares do modelo político adotado pelo País.

Rui Barbosa(2) escreveu que: ‘O ato legislativo é o querer expresso da legislatura, ao passo que a Constituição é o querer expresso do povo’.

Os representantes dos três poderes sobre os quais se assentam as vigas mestras do regime democrático escolhido pelo povo, deveriam ser os hábeis guardiões dos preceitos nascidos dessa fundamental ‘liberdade civil, que é a obediência à vontade geral’, como ensinava o Excelso Norberto Bobbio(3), jamais os responsáveis por ações conflitantes com o sistema político do Estado.

O notável professor Miguel Reale(4), na monografia ‘O Estado Democrático de Direito e o Conflito das Ideologias’, celebrou a definição contida no artigo l da Constituição, assinalando que o Estado Brasileiro: ‘… teve origem e finalidade de acordo com o Direito manifestado livre e originariamente pelo próprio povo, excluída (…) a hipótese de adesão a uma Constituição outorgada por uma autoridade qualquer, civil ou militar, por mais que ela consagre os princípios democráticos’.

Consentâneo com o molde democrático, conquistado pelo vigor do idealismo libertário da sociedade, o comando imperativo dos artigos 5°, IX, 220 caput e § 2°, está a consagrar, em termos claros e incontestes, esse significante triunfo social contra a censura ou qualquer outro ranço do regime autoritário, varrido do País pela Carta de 88.

Contudo, as manifestações do Executivo e de algumas alas do Legislativo, em favor de normas como a da Mordaça ou o projeto de lei sobre a criação do Conselho Federal de Jornalismo, cujos textos visam o cerceamento da liberdade de expressão, são evidências da cômoda ignorância ou desrespeito aos básicos preceitos mandamentais.

Pérolas dessa incongruente dislexia constitucional também podem ser observadas em leis como a eleitoral, Lei nº 9.504/97, cuja citação é própria neste ano letivo. No seu artigo 53 estabelece, expressamente, não ser admitida qualquer tipo de censura-prévia em programas eleitorais gratuitos. É como se o legislador desconhecesse a Constituição a ponto de crer ainda na possibilidade da censura e por mera liberalidade optasse por condescender em proibi-la na lei ordinária, o que é, no mínimo, insólito.

No artigo 45 da mesma Lei proíbe a divulgação de título de programa de televisão ou rádio coincidente com o nome ou pseudônimo de qualquer candidato escolhido em Convenção, ainda que o programa seja preexistente. A coincidência, segundo a lei, poderá determinar a proibição da transmissão (art. 45, VI).

Mais uma vez foi esquecido o princípio Mandamental que consagra a liberdade da expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, sem qualquer censura ou obstáculo.

Na conta do Judiciário poderão ser debitadas algumas lamentáveis posturas censórias na área da comunicação, tanto em decisões sobre assuntos ligados à propaganda eleitoral quanto ao jornalismo comum.

Tornaram-se emblemáticos alguns casos recentes, como o da censura prévia determinada por ordem judicial contra a revista ‘Você S.A.’, cuja sentença foi revertida no Tribunal; ou a invasão do ‘Jornal Correio Braziliense’ ocorrida em razão de críticas jornalísticas ao então candidato ao Governo de Brasília ou, ainda, a ordem judicial restritiva da qual foi vítima a Rede Globo, impedida de divulgar notícias sobre o então Governador Fluminense, entre outros.

Karl Marx(5), nos seus célebres artigos contra a censura de imprensa na Alemanha e alguns países europeus, em meados do século 19, de forma espirituosa e inteligente, como costumam as mentes privilegiadas, destacou: ‘Na medida em que as pessoas são obrigadas a considerar ilegais os artigos livres, acostumam-se a considerar o ilegal como livre, a liberdade como ilegal, e o legal como não-livre. Por isso, a censura mata o espírito político’.

Enquanto isso seguem os políticos, em suas indefectíveis campanhas, a pregar, com veemência, a liberdade de expressão sem censura, o respeito à dignidade humana, a valorização da cidadania, etc., etc., etc.

Notas de rodapé

1. ‘Iniciação na Ciência do Direito’, Saraiva, 2002, p. 197.

2. ‘Obras Completas’, Vol. XXIV, tomo III, p. 53 – in ‘Dicionário do Pensamento de Rui’, p. 245, Edart, 1967.

3. ‘Direito e Estado no Pensamento de Kant’ – Norberto Bobbio, Ed. Mandarim, 2000, p. 75.

4. ‘O Estado Democrático de Direito e o Conflito das Ideologias’, Saraiva, 1998, p. 2.

5. Liberdade de Imprensa’, L&PM Editores, 2001, p. 71.’



Diogo Mainardi

‘Só vale piada de fanho’, copyright Veja, 13/10/04

‘O melhor do Brasil é o brasileiro. É o lema de uma campanha publicitária petista. Se de fato o melhor do Brasil é o brasileiro, imagine como é ruim o resto do país.

A campanha se baseia na história de brasileiros que souberam superar graves dificuldades. De acordo com os promotores da iniciativa, exemplos positivos podem contribuir para elevar nossa auto-estima. Os petistas insistem que a falta de auto-estima é o maior empecilho para o desenvolvimento nacional. Maior do que a esquistossomose. Eu já vi governantes se inspirarem na obra de Maquiavel, Montesquieu e Tocqueville. Os petistas deram um passo adiante e se tornaram os primeiros governantes da história a se inspirar nas palestras motivacionais de Stephen Covey.

O Serpro, empresa estatal vinculada ao Ministério da Fazenda, divulgou recentemente um relatório em que manifesta a seguinte preocupação: ‘Certos formadores de opinião, ultrapassando a fronteira entre a crítica sadia e o humor destrutivo, acabam funcionando como potencializadores da baixa auto-estima’. Segundo o Serpro, os formadores de opinião que potencializam nossa baixa auto-estima e conspiram contra o progresso da nação são Casseta e Planeta, José Simão e eu. Depois de enquadrar os jornalistas e os promotores públicos, acho que os petistas querem dar um jeito nos humoristas. De agora em diante, só poderão contar piadas de fanho.

Os petistas do Serpro certamente sabem o que é melhor para o Brasil. O diretor da empresa, Wagner Quirici, é homem de confiança do ministro da Fazenda, Antonio Palocci. Quando Palocci era prefeito de Ribeirão Preto, conferiu a Quirici o comando da Ceterp, a operadora local de telefonia. A Ceterp foi privatizada durante a gestão Palocci. ‘A preço vil’, na avaliação do ex-ministro das Comunicações Luiz Carlos Mendonça de Barros.

A campanha ‘O melhor do Brasil é o brasileiro’ foi criada pelos publicitários da Lew Lara. Um de seus sócios, Luiz Lara, disse que a idéia surgiu durante uma conversa com o ministro Luiz Gushiken. A Lew Lara garante que não cobrou nada pelo serviço. Por outro lado, já faturou mais de 50 milhões de reais em propaganda para o governo, uma área coordenada por Luiz Gushiken. Se é assim que funciona, até eu aceito fazer trabalho voluntário.

A Lew Lara fundamentou a campanha publicitária em algumas pesquisas que comprovariam nossa falta de auto-estima. Uma dessas pesquisas apontou que apenas 22% dos brasileiros confiam plenamente em seus compatriotas. O número não deve ter surpreendido o outro sócio da Lew Lara, Jacques Lewkowicz. Um dos maiores sucessos de sua carreira foi a campanha do cigarro Vila Rica, em que Gérson afirmava que o importante é levar vantagem em tudo. Como declarou o próprio Lewkowicz, o bordão se tornou ‘uma metáfora de todo tipo de falcatrua e malandragem, e passou a exprimir uma crítica social muito forte’. A propaganda oficial parece querer dizer que todos os governantes são malandros e praticam falcatruas, menos os petistas, que devem merecer nossa completa confiança.

Alguém aí pode me passar uma boa piada de fanho?’