Monday, 29 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Cora Rónai

‘Quando acordei no domingo e vi aquele céu claro, tão limpinho depois de um tempo aparentemente interminável de chuva, agradeci a Quem de Direito – e, como o resto da cidade, fiquei na torcida. Gosto de carnaval até debaixo d’água, mas convenhamos que, a seco – pelo menos meteorologicamente falando – tudo fica melhor, da farra inocente dos bloquinhos modestos à apoteose da Sapucaí. Ó, Aí de Cima: valeu mesmo!

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– Há um começo de movimento de retorno às marchinhas, sim – confirmou Eduardo Dusek. Nós nos encontramos à noite, na ida para o Sambódromo, e conversamos sobre isso. No dia seguinte, de tarde, a estréia do bloco Capivara Ensaboada confirmou a tendência. Repetida algumas vezes entre antigos sucessos, a ‘Marcha da Capivara’ ‘pegou’ entre os foliões, que, tarde da noite, voltavam para casa cantando a musa:

A roedora foi parar lá na Baixada

Ai meu Deus que tremenda solidão

Prender a bicha assim não é legal

Solta a capivara nesse carnaval.

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Já outra musa, a Luma, foi motivo de polêmica com os colegas que fecham a primeira página. Ninguém discute a beleza da Luma ou da foto que saiu na capa de domingo mas, pelo menos na minha cabeça, esses não são os únicos critérios que devem orientar a escolha da principal foto da primeira página de domingo do meu jornal. Digo ‘meu jornal’ não apenas como jornalista da casa, mas também como leitora apaixonada do GLOBO.

Ninguém tem nada a ver com o que acontece entre a Luma, o ex-marido, o bombeiro e o soldado, mas promover alguém que mente patologicamente e que manipula a imprensa como ela faz – inclusive fisicamente, que o diga o fotógrafo da ‘Caras’ – é tripudiar da nossa profissão e apresentar ao leitor uma escala de valores lastimável.

Uma foto da Luma na primeira página do jornal equivale, para mim, ao seguinte recado: ‘Se você tiver uma bunda suficientemente bonita, pode fazer o quiser, que para nós não tem importância. Pode mentir e desmentir tudo o que mentiu à vontade, pode até achar ótimo ver gente apanhando, que nós relevamos. A única coisa que conta é ser gostosa.’

Expus meus argumentos, e os colegas ficaram até ligeiramente abalados – mas não o suficiente para trocar a foto:

– Ah, é carnaval, e ela é a cara do carnaval.

Fui voto vencido, mas não convencido. Luma só é a cara do carnaval porque a imprensa decidiu que ela é a cara do carnaval; ora, uma vez que ficou decidido que ela é a cara do carnaval, ela passa, automaticamente, a ser a cara do carnaval. Mal comparando, como os bicheiros homenageados na avenida – todos eles, também, a cara do carnaval.

Algo me diz que, dando continuidade à tradição iniciada no ano passado, no carnaval que vem devo voltar ao assunto. Até que apareça uma nova ‘cara do carnaval’, continuaremos assim: os rapazes da primeira página dando a Luma em destaque lá, e eu dando um ataque de nervos aqui. *suspiro*

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Mistério: por que é que a escola que tem as cores mais bonitas faz questão de ir contra o seu verde e rosa, tão carregados de tradição? Desfilando sem as suas cores, a Mangueira simplesmente não é a Mangueira, é uma escola qualquer. E que enredo desengonçado! Dava dó ver os componentes fantasiados de torre de transmissão, fazendo aquele esforço todo para sambar sem romper os fios que os uniam. Aliás, com aquela quantidade de torres e cabos, dona Dilma do Lula nunca mais precisaria explicar nada a ninguém. O que fica difícil de explicar é como escolas tarimbadas como Mangueira e Portela insistem em dar tantos tiros nos próprios pés.

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Já a Viradouro, que não agradou a alguns especialistas, foi cativante do começo ao fim, com carros criativos e bem-acabados, fantasias de bom gosto e um samba ótimo de cantar. O desfile visto pelo setor 1, onde eu estava, foi lindo e cheio de surpresas, perfeito apesar do carro quebrado a reboque. A escola saiu de lá campeã, e assim ficou no meu coração até a entrada triunfal da Imperatriz, que lavou a alma de um sambódromo traumatizado pelo triste espetáculo da Portela.

Fala-se muito dos carnavais ‘tecnicamente corretos’ da grande Rosa Magalhães, como se isso fosse uma espécie de defeito. Pois se é, eu bem que gostaria que todas as escolas sofressem disso. A Imperatriz se renova a cada ano, não recicla idéias, não apela para o grotesco ou para a vulgaridade. A despeito de todas as novidades apresentadas pela Unidos da Tijuca, que de fato está criando um estilo próprio, a minha grande viagem fiz, este ano, nas asas dos seus cisnes inesquecíveis.’



Ascânio Seleme

‘Notícia que dá primeira página’, copyright O Globo, 11/2/05

‘O leitor pode muito bem imaginar como os jornalistas constroem a primeira página de um jornal diário. É muito simples. Em primeiro lugar, tem que haver notícia. De posse das principais informações do dia, os editores buscam as mais importantes para compor a capa do jornal. Decididas quais são as que merecem a primeira, deve-se estabelecer uma hierarquia entre elas: qual a principal, aquela que vai virar manchete; qual a imagem mais importante do dia, que repercutirá nas bancas e dará mais uma informação ao leitor; como arranjar as demais notícias de maneira a comportar o conteúdo com impacto, conjunto e graça na página mais nobre do jornal.

Na capa do domingo passado, primeiro dia de desfile das escolas de samba, a manchete só podia ser de carnaval. O Globo tinha uma excelente história de carnaval, um relatório que mostrava as contradições entre as notas e os comentários dos jurados das escolas de samba em 2004. E o jornal dispunha também da foto, a foto-síntese do carnaval da Sapucaí, que começaria a eletrizar a cidade naquele domingo. Era a foto da Luma de Oliveira, a rainha das rainhas das escolas de samba. Foi Luma quem transformou as rainhas de bateria em instituição do carnaval.

Alguma dúvida? Para nós, os editores, a foto era aquela. Luma parecia uma pin-up, um desenho retocado, sem defeito. Como O Globo mantém um ambiente aberto, democrático, onde todos opinam e têm voz, a colunista e editora Cora Rónai, ao saber que estávamos dando a foto da Luma, protestou. Ela julgava um absurdo darmos na capa do domingão uma mulher ‘mentirosa e manipuladora’. Cora concordava que Luma tinha tudo a ver com o carnaval, que era mesmo representante legítima da festa, mas discordava organicamente da sua presença na primeira página do jornal. Argumentou que Luma fora acusada de presenciar o espancamento de um fotógrafo num resort e nada fez para impedir. E quem agia assim com um colega nosso não merecia nossa primeira página.

Contra-argumentamos lembrando a Cora que o assunto em pauta era o carnaval, não a defesa dos jornalistas. Não podemos fazer jornal pensando em defender uma ou outra categoria, mesmo que seja a nossa. Fazemos jornal, não panfleto. Que se Luma mentira, como de fato mentira no episódio daquela falsa gravidez, isso nada tinha a ver com a questão em pauta. A notícia era o carnaval e a Luma era a melhor imagem do carnaval que dispúnhamos.

Cora finalmente insistiu que devíamos dar ouvidos a ela porque falava como ‘perfeita representante das donas de casa da Zona Sul do Rio’. Bom, aí não houve mais o que discutir, caímos na gargalhada, Cora inclusive, e encerramos a conversa.

Já tinha até mesmo me esquecido do assunto quando me surpreendi com a coluna da Cora no Segundo Caderno de ontem. Concordo com ela que voto vencido não é convencido. E é obrigação dela expor idéias, dar opiniões. Para isso Cora tem uma coluna semanal. O que se espera dela é isso mesmo: idéias. Entendi, contudo, que o tom foi um pouco além dos bons modos que pautou nosso debate durante o fechamento daquela edição dominical. Cora disse que ao promovermos Luma estávamos ‘tripudiando da nossa profissão e apresentando ao leitor uma escala de valores lastimável’. Ora, Cora. Atribuo esses termos a um arroubo juvenil. Ela sabe muito bem que os seus colegas jamais tripudiariam da sua profissão nem apresentariam ao leitor valores morais menores.

Se fôssemos negar a Luma a primeira página pelas razões expostas por Cora, teríamos que afugentar da capa outros tantos personagens do nosso cotidiano. Notícia tem que ser publicada. E esse é o principal critério na escolha do que vai para a primeira: ser notícia. E Luma é notícia no carnaval como Romário é no futebol e Bush é no mundo.

O editor pode até não gostar de Luma, Romário e Bush, mas não pode negar a eles espaço no noticiário por razões alheias à notícia.

Ascânio Seleme é jornalista.’



O Globo

‘Carta dos leitores’, copyright O Globo, 11/2/05

‘Luma na 1ª página

Sempre soube que notícia tem de ser novidade. O que há de novo em vedetes de ontem tentando aparecer? Por que não destacar novas estrelas, inclusive de novelas da Globo? A novidade está na mulata recauchutada de peitos siliconados e na antiga vedete sob a qual pesam sérias alegações de conivência com um crime hediondo, detalhe omitido pelo jornal? Felizmente Cora Rónai teve a coragem de discordar publicamente e o jornal, o pudor de deixá-la expressar sua posição, que deve coincidir com a visão de parcela considerável dos leitores.

Nelson Franco Jobim (por e-mail, 11/2), Rio

Discordo de Cora Rónai. Desde quando aparecer na primeira página é prêmio por boa conduta? Hoje mesmo lá está a foto do príncipe Charles com sua amante de mais de 30 anos com quem agora o adúltero declarado vai se casar. Acaso, segundo o critério ronaiano, ele merece figurar na primeira página? Mas, como Luma (sobretudo no carnaval), o príncipe, que tanta infelicidade causou à princesa Diana, é notícia e, como tal, matéria de primeira página. Parabéns a Ascânio Seleme, que em seu artigo defende de forma sensata a opção dos editores e critica o patrulhamento ético da cronista. Exerço, entre outras, as atividades de dona de casa e avó, não outorguei procuração a Cora Rónai para me representar.

Regina Lyra (por e-mail, 11/2), Rio

Fiquei feliz ao ler a coluna de Cora Rónai. Parece que faltou consciência de o quanto esse jornal é formador de opinião. Se numa festa popular, como é o carnaval, uma mulher vulgar, trapaceira e mentirosa merece tanto espaço, em que jovens simples e despreparados deverão acreditar? O que vale mesmo é ter uma bela bunda? Serão esses os valores que devemos pretender para nossos jovens, donos do amanhã? Carnaval é cultura e como tal deve ser preservado.

Suzelei Miller (via Globo Online, 11/2), Rio

Concordo que Luma mereceu a primeira página. Ela é realmente a cara do carnaval. Adorei. Sou uma dona de casa da Zona Sul, da idade da Cora Rónai. Bota mais Luma aí.

Eliane Sá (via Globo Online, 11/2), Rio

Uma voz masculina se une a Cora Rónai. A beleza de Luma de Oliveira tornou-se notícia irrelevante num país de incontáveis mulheres bonitas que surgem a cada carnaval, ela é só mais uma. Além disso, o carnaval não tem a sua cara, tem sim a cara do bloco da lama de Parati (RJ), dos Papangus de Bezerros (PE) e do povo cantando antigas marchinhas pelas ruas de São Luís do Paraitinga (SP), manifestações espontâneas e criativas do nosso povo, e ainda gratuitas.

Moises Sulam (via Globo Online, 11/2), Rio

Não duvido que Luma tenha tudo a ver com o carnaval. Como produtor gráfico achei que ela saiu bem na foto embora pessoalmente não acredite que ela seja a única ou a melhor representação gráfica disponível do carnaval da Sapucaí. Se por um lado compartilho da mesma opinião de Cora Rónai (de que beleza e sair bem na foto não devam ser os únicos critérios para escolher uma foto de capa) por outro sou obrigado a concordar com Ascânio Seleme: notícia tem que ser publicada, mesmo à nossa revelia. Principalmente se a foto dá primeira página ou, devo dizer, ajuda a vender mais jornal.

Charles Mendonça (via Globo Online, 11/2), Rio

Após a troca pública de opiniões entre Ascânio Seleme e Cora Rónai sobre o que deve sair na primeira página, cheguei à conclusão que a grande vencedora foi Luma. Ela sabe fazer direitinho seu marketing pessoal, convencendo até jornalistas tarimbados a fazerem dela sempre a notícia. Concordo com Cora quando diz que Luma só é a cara do carnaval porque a imprensa decidiu isso.

Leonor Donati (via Globo Online, 11/2), Rio

A cada dia mais me orgulho do GLOBO. O jornalista Ascânio Seleme deu um show de competência ao escrever: ‘A notícia que dá primeira página’. Luma de Oliveira é a cara do carnaval do Rio de Janeiro.

Francisco Jackson dos Santos (por e-mail, 11/2), São Gonçalo, RJ

Ponto para Cora, que se indigna com o destaque dado a Luma. Cora, saiba que a sua revolta é compartilhada por homens que adoram mulher e mulher bonita. Depois da tortura ao fotógrafo de ‘Caras’, Luma é tão bonita quanto um pedaço de filé no açougue. Com vantagem para o filé.

Urariano Mota (via Globo Online, 11/2), Olinda, PE

Concordo com Cora Rónai quando se coloca contra os valores pregados por Luma de Oliveira, mas concordo plenamente com a escolha dos editores em colocá-la na primeira página, porque ela pode ter os defeitos que tiver, mas é linda e é a cara do carnaval. Houve rainha mais elegante e bonita?

Roselena Cunha Pinto (via Globo Online, 11/2), Rio

Em relação à polêmica entre Ascânio Seleme e Cora Rónai sobre a foto de Luma de Oliveira na primeira página, ficou faltando mencionar um dos fatores que mais pesam na escolha das manchetes e fotos da primeira página de qualquer jornal. ‘Qual fotografia venderá mais jornais?’ é a pergunta que certamente passa pela cabeça dos editores, o que até certo ponto é natural, mas que estranhamente ninguém gosta de admitir.

Nilton Lavatori Corrêa (via Globo Online, 11/2), Rio’’



CARNAVAL
Marcelo Coelho

‘O dia em que deuses e reis entram no túnel’, copyright Folha de S. Paulo, 9/02/2005

‘Felizmente , dá para escapar da mesmice das imagens que nos invadem nesta época do ano: aqueles sorrisos imutáveis dos destaques das escolas de samba, tentando equilibrar na cabeça enfeites que imagino pesadíssimos, tal o esforço do pescoço; os enjoativos cortejos que, vistos na tela da TV, parecem estranhamente estáticos e confusos, como a vitrine de uma loja de miçangas; a figura do repórter na rua, de fones de ouvido, berrando para a câmera, sem ouvir nada e sem ter nada a dizer… Visões diferentes do Carnaval podem ser encontradas na Pinacoteca do Estado, até dia 10 de abril.

‘Entrudo’, exposição de Rui Mendes, mostra um desfile inusitado, ao mesmo tempo triunfal e triste. O fotógrafo retratou os sambistas voltando para casa, depois da apresentação no Sambódromo do Rio, ainda cobertos com as fantasias e adereços dourados, lembrando esplendores de deuses mexicanos no escuro. Até aí, nada de especial: é também um lugar-comum da fotografia carnavalesca a idéia do fim da folia, no estilo ‘eis o primeiro gari que se encontra com a última passista no raiar da madrugada…’ etc.

A novidade, a surpresa, está no lugar em que a foto foi tirada: o túnel Frei Caneca, deserto àquela hora da noite. Três ou quatro carnavalescos, a razoável distância um do outro, andam na estreita passagem reservada aos pedestres dentro do túnel, a caminho (imagino) do subúrbio. Várias coisas se concentram nessa imagem.

De um lado, fortalece-se um pouco o sentido, digamos, subversivo do Carnaval. Ao contrário do desfile no Sambódromo, que em última instância consiste num evento oficializado, com hora marcada, regulamento e endereço fixo, o que surge na foto é a ocupação imprevista de um espaço não-autorizado, fazendo do Carnaval aquilo que ele deve de fato ser: algo capaz de transfigurar o cotidiano, dissolvendo referências fixas. O lugar -feiíssimo, coberto de sujeira e pichações- adquire na foto o ar de uma nova passarela, e o corrimão reservado aos pedestres se ilumina de tons dourados também.

Só que os carnavalescos estão longe de ser tão ‘transgressivos’ assim, e o sentido da foto se inverte: afinal de contas, eles se confinam ao espaço dos pedestres, sem invadir a pista dos automóveis. Não há símbolo mais claro da dificuldade enfrentada pelos pedestres em cidades como Rio e São Paulo, aliás, do que esses condutos, estreitos como uretras, por que são às vezes obrigados a percorrer.

O que Rui Mendes retrata, afinal, é uma volta à casa, não uma comemoração dionisíaca; como se tudo tivesse sido mais um dia de trabalho -ainda que bastante diferente dos habituais. Uma descida aos infernos, talvez? Podemos imaginar que os reis e deuses do desfile retornam à obscuridade -mas nesse retorno, pelo menos, ainda sacralizam os lugares por onde passam.

O título da exposição de Rui Mendes, ‘Entrudo’, tem algo de quase trocadilhesco, sugerindo ‘entrar’ e ‘túnel’, além de remeter, pelo uso da sua denominação antiga, aos tempos em que o Carnaval era mesmo mais tumultuado e inconformista. A etimologia de ‘entrudo’, em todo caso, explica mais um pouco a foto: a palavra vem de ‘intróito’, introdução, entrada, referindo-se ao começo da Quaresma, período de penitência e luto depois das festas.

Com ‘Giracorpogira’, também na Pinacoteca, o fotógrafo Jacques Faing faz uma interpretação bem mais leve, quase que desmaterializada, e até ‘desumanizada’, do Carnaval. Não há rostos nem aglomerações frenéticas. Faing concentrou-se nas saias das baianas e porta-bandeiras, girando acima do chão. Dito assim, parece muito prosaico, mas o efeito é de extrema delicadeza; somos tentados a nos aproximar bastante das fotografias para verificar se o autor não acrescentou nenhuma pincelada para embelezar ainda mais o que as lentes registraram. Todos conhecem aquelas fotos de avenidas à noite, em que os faróis dos carros acabam parecendo, graças à superexposição da câmera, fios brilhantes, amarelos, brancos e vermelhos, contrastando com o asfalto. Imagino que Jacques Faing tenha utilizado um processo semelhante. As saias das sambistas se esfiapam, se desgrenham, se dissolvem, com o ouro dos bordados sobre o tecido azul-claro, branco ou verde-e-rosa, transformado num fluxo de luz.

A impressão que tenho do Carnaval como espetáculo exasperado, no fundo meio doloroso e paquidérmico, desapareceu graças às fotos de Faing; tudo se tornava suave como um pastel de Degas ou Fragonard. De certo modo, também nessa exposição se atingia aquilo que o Carnaval quer, mas não consegue realizar totalmente: uma transfiguração da realidade, em que um processo de encantamento ritual, giratório, fizesse tudo voar pelos ares, sem explosão, mas num milagre de leveza. Foi só sair da Pinacoteca, entretanto, para que no Jardim da Luz -tão bonito, apesar de tudo- uma população tristíssima, paupérrima, sem Carnaval nem fotógrafo que resolva, se fizesse visível no seu lugar de sempre.’