Monday, 29 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Daniel Castro e Bruno Yutaka Saito

‘Boa notícia para os detratores dos ‘reality shows’: eles estão, pela primeira vez desde que estouraram, em 2000, em decadência na TV americana, uma das que mais influenciam a brasileira.

Estudo da consultoria americana Magna Global, divulgado na semana passada, conclui que os ‘reality shows’ estão passando por uma ‘bolha’ nos EUA. E essa ‘bolha’ deve estourar ainda na atual temporada da programação da TV americana, que começou em setembro e vai até meados do ano que vem.

A ‘bolha’ é o seguinte: nesta temporada, o número de horas ocupadas pelos ‘realities’ nas seis principais redes abertas dos EUA dobrou, de dez horas semanais na temporada 2003/04 para 20 horas na atual. Os ‘realities’, que até então só tinham tirado espaço de filmes, ‘game shows’ e programas jornalísticos, pela primeira vez ocuparam terreno do programa mais tradicional da TV americana, o seriado, que está para os EUA como a novela para o Brasil.

Os seriados, que na temporada passada ocuparam 73 horas semanais das TVs abertas, nesta estação caíram para 63 horas, segundo a Magna Global, empresa do grupo Interpublic, que controla ou é sócia de agências de publicidade do mundo inteiro, entre elas a gigante McCann-Erickson.

Analista de audiência e vice-presidente da Magna Global, Steve Sternberg disse à Folha que na ‘mid-season’ (a meia temporada da TV dos EUA, em fevereiro) os ‘reality shows’ já terão perdido, para os seriados, cinco das dez horas que conquistaram. E que, na temporada de 2005/06, já terão perdido todas as dez horas.

A razão, afirma ele, é simples. Apesar de em maior número, os ‘reality shows’ não estão sendo tão felizes como antes no ranking de audiência da TV americana.

Dos 20 programas mais vistos na penúltima semana, segundo o Nielsen (o Ibope dos EUA), só três são ‘realities’. O mais bem-colocado, ‘Survivor: Vanuatu’, aparece em sexto lugar. ‘O Aprendiz 2’, com Donald Trump, cuja primeira edição liderou a audiência no início do ano, amarga o 12º lugar. Por outro lado, novas séries, que estrearam em setembro, estão bombando. É o caso de ‘Desperate Housewives’ (em terceiro lugar), ‘CSI: NY’ e de ‘Lost’.

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‘Para especialista, ‘reality’ sofre saturação’, copyright Folha de S. Paulo, 24/10/04

‘Especialistas brasileiros em ‘reality shows’ contestam o estudo feito pela consultoria Magna Global nos EUA e dizem que o gênero não está em decadência.

‘O ‘reality show’ veio para ficar. Pode haver uma ‘bolha’ nos EUA, mas outras ‘bolhas’ virão, com novos formatos. Lá, as sitcom [comédia de situação] tiveram uma ‘bolha’ nos anos 60 e 70, mas voltaram com tudo nos 90. Isso também pode acontecer com os ‘realities’, que vão sobreviver porque existe interesse genuíno por eles’, afirma Rodrigo Carelli, diretor das três primeiras edições de ‘Casa dos Artistas’, no SBT, e que hoje comanda o ‘Tá na Mão’, uma mistura de ‘game’ com ‘reality’, na Band.

‘Toda vez que alguém diz que o ‘reality show’ vai acabar, aparece algo novo que explode’, diz Carla Affonso, diretora-geral da Endemol Globo, a empresa brasileira formada pela TV Globo e pela Endemol, produtora holandesa criadora de ‘Big Brother’, o ‘reality show’ de maior audiência mundial, já exibido em 23 países.

‘Acho tudo isso [as previsões pessimistas] um mero ‘achismo’, se limita a dizer J.B. de Oliveira, o Boninho, diretor de ‘Big Brother Brasil’, da Globo.

Steve Sternberg, vice-presidente da Magna Global, responsável pelo estudo que aponta que os ‘realities’ passam por uma ‘bolha’ nos EUA, também diz que o gênero não vai acabar, mas apenas rarear, já que estão saturados.

‘Os ‘realities’ não estão morrendo, mas eles estão ficando saturados devido a imitações fracas. Os gêneros televisivos tendem a funcionar em ciclos’, afirma Sternberg em entrevista à Folha, por e-mail.

‘Há poucos anos, havia um bloco de comédia atrás do outro [na TV americana], o que simplesmente serviu para dividir uma audiência limitada e levar mais telespectadores para a TV a cabo. Estamos começando a ver o mesmo fenômeno nos ‘realities’. Ainda existem bons programas no páreo (‘Survivor’, ‘O Aprendiz’, ‘American Idol’, ‘Extreme Makeover: Home Edition’ e o novo ‘Troca de Esposas’). Mas, quando começamos a ver mais do que um desses programas ao mesmo tempo, isso prejudica todos esses ‘realities’, diz.

Sternberg vê como tendência na TV americana a aposta, agora, em seriados. ‘Com o sucesso atual de algumas novas séries (‘CSI: NY’, ‘Lost’, ‘Desperate Housewives’), as TVs abertas, que sempre copiam o modelo que funciona, vão começar a procurar mais séries nos mesmos moldes na próxima temporada. Os ‘realities’ mais fortes vão sobreviver, e os mais fracos, desaparecer.’

Aventura

Sternberg prevê pelo menos mais duas temporadas para ‘American Idol’, ‘reality’ musical (espécie de ‘Fama’ melhorado e que faz sucesso) na TV dos EUA. O programa da Fox (exibido aqui no canal pago Sony) foi líder de audiência no início do ano.

O executivo afirma que ‘O Aprendiz’, que caiu da liderança na primeira temporada para a 12ª posição entre os programas mais vistos, agora em sua segunda edição, não é um fracasso.

O maior fenômeno de audiência entre os ‘realities’ nos EUA é ‘Survivor’, que no Brasil foi copiado em ‘No Limite’, da Globo. Nos Estados Unidos, o formato de aventura já está em sua nona edição -no Brasil, não sobreviveu à terceira. Já ‘Big Brother’, grande sucesso no Brasil e na Europa, não tem o mesmo desempenho nos EUA.

‘Survivor’ faz muito mais sucesso do que ‘Big Brother’ nos EUA, antes de mais nada, porque tem um apelo para uma audiência muito mais ampla, e não apenas para telespectadores mais jovens’, afirma Sternberg.

Donas-de-casa

Pelo menos duas das novas séries que estão fazendo sucesso nos Estados Unidos estréiam no Brasil, no Sony, já no início de novembro: ‘Desperate Housewives’ e ‘CSI: NY’. Já ‘Joey’ (19º lugar no ranking dos mais vistos nos EUA) é atração, também em novembro, no Warner Channel.

‘Desperate Housewives’, a mais bem-sucedida delas até agora, é protagonizada por uma dona-de-casa, Mary Alice Scott (Brenda Strong), que, cansada do dia-a-dia entediante que leva, resolve se suicidar.

Como um ‘espírito’, ela passa a acompanhar a vida de suas amigas e de seus familiares de um ponto de vista inusitado e indiscreto. Uma de suas vítimas é a amiga Susan, uma mãe solteira interpretada por Teri Hatcher, a eterna Lois Lane de ‘Lois & Clark’. ‘CSI: NY’ dá seqüência à franquia ‘CSI’, que já tinha um filhote, ‘CSI: Miami’. Trata-se de uma série de eficientes detetives, que agora solucionam crimes em Nova York.

Já ‘Joey’ é descendente de ‘Friends’, megassucesso encerrado em maio nos EUA. É protagonizada por Matt LeBlanc, o Joey Tribbiani de ‘Friends’. Ele deixa Nova York e vai tentar uma carreira de ator em Hollywood.

Finalmente, ‘Lost’, que não tem previsão de estréia no Brasil, é a nova série do criador de ‘Alias’, J.J. Abrams. Nela, a história gira em torno de sobreviventes de um acidente de avião, que ficam presos em uma ilha deserta tropical. Um dos atores é Matthew Fox, de ‘O Quinteto’ (‘Party of Five’).’

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‘Espermatozóides entram na corrida’, copyright Folha de S. Paulo, 24/10/04

‘As estrelas da nova geração de ‘reality shows’ não são garotas com biquínis minúsculos ou sujeitos com pinta de galã. Ao contrário, são seres pequenininhos que só andam em bando, correm demais e têm apenas uma idéia fixa na cabeça.

O novo astro da TV é um velho conhecido da humanidade e chama-se espermatozóide. Ou, pelo menos, será, se depender da Endemol, a produtora que criou o ‘reality show’ mais popular do mundo, ‘Big Brother’.

Em julho passado, a companhia holandesa anunciou que vai lançar, ainda sem data definida, dois novos ‘reality shows’ com temáticas parecidas -uma competição para descobrir qual é o participante masculino mais viril.

Na Alemanha, a Endemol produz ‘Sperm Race’ (Corrida de Espermatozóide), que será transmitido ao vivo. Nele, homens vão disputar entre si para saber quem é o dono do esperma mais, digamos, potente. O bem-dotado eleito será coroado o ‘homem mais viril da Alemanha’, além de ganhar um carro esportivo.

Já ‘Make me a Mum’ (Faça de Mim uma Mãe), que é produzido nos EUA e na Inglaterra, tem despertado opiniões iradas de religiosos e grupos antiaborto, antes mesmo de ir ao ar. Neste ‘reality’, que também ainda não tem suas regras definidas, um grupo de mil homens vai competir entre si para engravidar várias mulheres sem filhos. Agências de notícias internacionais dizem que a inseminação será artificial e também transmitida ao vivo. Segundo o site da Endemol, ‘será uma batalha entre atração física e, do outro lado, ciência e biologia’.

Novos rumos

Os dois polêmicos ‘reality’ fazem, na verdade, parte da nova estratégia da Endemol, que procura um novo ‘Big Brother’. Atual CEO da empresa, Joaquim Agut teve como primeira ação ao assumir o cargo, neste ano, a criação de uma equipe criativa global.

Entre as atividades dessa unidade está a troca de pilotos e idéias com as 23 afiliadas da Endemol ao redor do mundo; o primeiro encontro entre elas aconteceu em junho passado; um novo está previsto para novembro. ‘Criatividade é a prioridade. Temos um claro objetivo de aumentar nosso catálogo de 800 programas para uma nova geração de atrações que irão causar excitação, novas tendências e novos rendimentos.’

Mike Morley, diretor-executivo que lidera a equipe, diz, no site da Endemol, que os dois novos ‘realities’ têm propósitos nobres. ‘Ambos os programas são entretenimentos que dão uma visão científica e emocional para o problema crescente da infertilidade e da séria carência de doadores masculinos. Em ‘Make me a Mum’, esperamos que o vencedor receba o maior prêmio que um ‘reality show’ já deu a alguém: o presente da paternidade.’’



Daniel Castro

‘Globo quer exportar ‘reality’ do ‘Caldeirão’’, copyright Folha de S. Paulo, 23/10/04

‘A Globo está oferecendo a emissoras de TV do mundo todo o formato do ‘reality show’ ‘Quebrando a Rotina’, cuja primeira edição, com a dupla Sandy e Júnior, foi exibida no ‘Caldeirão do Huck’ entre agosto e setembro.

O formato é ‘original’ da Globo. No Mipcom, uma das maiores feiras de TV do mundo, realizada no início do mês em Cannes (França), a emissora exibiu um vídeo promocional do quadro. Na mesma feira, a Endemol Globo (empresa formada pela Globo e pela Endemol) apresentou outro formato nacional, o do ‘reality show’ ‘Prontos para Casar’ (um ‘Big Brother’ só com noivos, um ‘test-drive’ antes do casamento).

‘Quebrando a Rotina’ com Sandy e Júnior atingiu média de 22 pontos, uma das maiores do ‘Caldeirão’. No programa, a dupla fez uma viagem de cinco dias, em uma estrada histórica de Minas Gerais, dentro de um motor home (carro-casa), acompanhada de Luciano Huck.

As câmeras da Globo registraram todos os movimentos da dupla, que visitou vários lugares, praticou esportes e fez coisas incomuns ao dia-a-dia deles _mas não dormiu no motor home.

O próximo ‘Quebrando a Rotina’ será gravado entre 14 e 18 novembro, nos litorais sul do Rio e norte de São Paulo. O motor home, desta vez na Rio-Santos, levará a bordo os cantores Wanessa Camargo e Felipe Dylon e o ator Bruno de Lucca.

OUTRO CANAL

Aviso prévio Marlene Mattos não passa de dezembro à frente da direção artística da Band. Uma cláusula de seu contrato com a emissora prevê revisão do contrato após um ano, ou seja, no final de dezembro. Ela não emplacou, assim como seus pupilos Preta Gil, Viviane Romanelli e Kelly Key.

Linha ocupada A Telemar está insatisfeitíssima com o SBT. A operadora comprou uma cota de patrocínio de ‘Casa dos Artistas’ em troca do tráfego de telefonia gerado pelo ‘reality show’. Esperava 30 milhões de ligações, mas não recebeu nem 8 milhões.

Pedras preciosas O SBT, que está produzindo ‘Esmeralda’, deve anunciar em breve a exibição da mexicana ‘Rubi’. Terá também ‘Mariana da Noite’, que o Ministério da Justiça achou forte e classificou como imprópria para antes das 21h, por ter assassinatos.

Estrela Isaura A novela ‘A Escrava Isaura’ segue firme na média de 12 pontos, uma boa marca para a Record. E alavancou a audiência da rede em capitais em que costuma ser fraca. No Rio, a audiência saltou de 2 para 8 pontos. No Recife, ‘Isaura’ atingiu 19 pontos.

Vem aí ‘Deus nos Acuda’, novela Sílvio de Abreu exibida pela Globo em 1992/93, substituirá dia 8, na sessão ‘Vale a Pena Ver de Novo’, a recente ‘Terra Nostra’, cuja reprise foi mal no Ibope.’



TELEDRAMATURGIA
Laura Mattos

‘Celeiro intelectual, USP aprova ‘doutor noveleiro’’, copyright Folha de S. Paulo, 24/10/04

‘Por que brasileiro gosta tanto de novela? Isso é bom para o país? Por que só a Globo faz sucesso com teledramaturgia no Brasil?

Celeiro da intelectualidade, a Universidade de São Paulo abriu espaço para a pesquisa do ‘doutor noveleiro’ Mauro Alencar, 42.

Autor do livro ‘A Hollywood Brasileira – Panorama da Telenovela no Brasil’, ele teve aprovada pela Escola de Comunicações e Artes, no mês passado, a tese de doutorado ‘América Latina: O Paraíso das Telenovelas’. Ex-estagiário do SBT e da Cultura e consultor da Globo há dez anos, Alencar foi ao México, Chile, Cuba, Argentina, Venezuela, Miami, Uruguai e Colômbia para mapear a produção de teledramaturgia.

Descobriu que a novela não é um ‘vício’ brasileiro, mas latino. E que, apesar da supremacia da Globo, há muito mercado mais fervilhante do que o brasileiro continente afora. Leia abaixo:

Folha – Por que o brasileiro gosta tanto de ver novela?

Mauro Alencar – Não é só no Brasil, mas na América Latina toda, incluindo a parte hispânica dos EUA. Isso está na formação cultural do povo, na maneira como passa a se enxergar, a se espelhar e a transformar a história em capítulos em sua grande tribuna. Começou com a radionovela em Miami, nos anos 30, que passou para Cuba e se espalhou. Do mesmo jeito que o Brasil pára para ver a surra de Maria Clara em Laura [‘Celebridade’], Havana ficava em silêncio com a transmissão da radionovela ‘El Derecho de Nacer’ [‘O Direito de Nascer’, transformada em telenovela, inclusive no Brasil].

Folha – Por que a novela costuma ser considerada produto cultural inferior a uma peça ou um filme?

Alencar – Porque foi desenvolvida por empresários da Gessy Lever e da Colgate Palmolive, em Miami. Pensaram: ‘Como vamos prender a ouvinte em casa e fazê-la comprar sabão em pó?’. O preconceito vem desse início publicitário, bem mais do que pelo fato de a novela ter em sua origem o folhetim, que é literatura popular.

Folha – O que diria para quem acredita que assistir a novelas empobrece culturalmente?

Alencar – É preciso ver a novela com outro olhar. Ela traz benefícios sociais, de agregação familiar. É entretenimento, não educa, o que é função da escola e da família. Mas também não deseduca.

Folha – Há no Brasil a possibilidade de uma emissora de TV ser forte sem uma novela de sucesso?

Alencar – Não. Não se cria hábito no telespectador brasileiro sem novela. Quando tínhamos a Tupi [extinta em 80], que produzia novelas, havia uma indústria realmente equilibrada no Brasil, como há no México, com a líder Televisa e a concorrente, a TV Azteca. Veio a Band, com ‘Os Imigrantes’ [81/82] e outras, e pensamos que ocuparia o lugar da Tupi, mas nada. Depois a Manchete, com ‘Pantanal’ [90], ‘Xica da Silva’ [97] etc. E saiu do ar em 99. O SBT é essa história rocambolesca, sem estratégia novelística. Seria a Azteca do Brasil, enquanto a Globo, a Televisa. Mas a Azteca investe, tem curso para formar mão-de-obra. ‘A Escrava Isaura’, da Record, é um bom produto. Mas a rede tem de pensar na próxima.

Folha – Por que é difícil fazer novela de audiência fora da Globo?

Alencar – Porque a Globo, em 69, reuniu um time que deu base à moderna telenovela brasileira. Começou a pensar em novela não como um produto isolado. Vai desde o cuidado com a sinopse até a venda no exterior. Isso não aconteceu com outras emissoras, também prejudicadas por dificuldades econômicas. É preciso montar um núcleo estável de teledramaturgia. É bom chamar um cara com a experiência do Herval Rossano [diretor de ‘Escrava Isaura’ na Globo, contratado pela Record]. Mas não basta uma novela ir bem. É obrigatório pensar na segunda. Na Colômbia, na Venezuela, há redes com condições semelhantes às do SBT, Record, que produzem novelas de sucesso, exportadas para vários países.

Folha – O que acha do fato de a TV exibir hoje 14 novelas por dia, sendo que seis delas são brasileiras?

Alencar – Não há mão-de-obra suficiente e espaço no mercado para a produção de 14 nacionais. Mas com certeza seria viável uma concorrente da Globo com duas novelas de boa audiência.

Folha – Produzir novela não é muito caro? Ou é possível criar um bom produto com menos do que os R$ 200 mil de cada capítulo global?

Alencar – Dinheiro é preciso, mas a novela gera muito lucro, com trilha sonora, merchandising, exportação e promoções. E na América Latina há novelas de grande audiência nas quais não se gasta tanto, como a ‘Usurpadora’, da Televisa. ‘Ninho da Serpente’ [Band, 82] não tinha muito dinheiro, mas um texto primoroso e uma direção excelente.

Folha – A Globo se reestabilizou no Ibope da teledramaturgia ao investir no novelão, com os romances de sempre e poucas inovações. Uma história diferente, como foi ‘Guerra dos Sexos’ (83/84), é uma ruptura cada vez mais esporádica?

Alencar – Sim, e estou sentindo falta de rupturas. Isso se deve ao aumento da busca por audiência, que inibe inovações, e à falta de concorrência na teledramaturgia. Era diferente quando havia a Tupi. Com as duas produzindo novela, vieram as ousadias estéticas.

Folha – Na tese, você afirma que as classes sociais mais baixas são menos abertas a mudanças na TV.

Alencar – São. Quando a Globo exibia novela mais experimental às 22h, tinha dificuldade em atrair o público de menor poder aquisitivo. Outro ponto: essa classe não gosta de ver pobreza nas novelas. ‘Brasileiras e Brasileiros’ [SBT, 91], que mostrava a miséria, foi um fracasso. A pobreza vai todo dia à casa do telespectador, tem de ser estilizada. As pessoas querem sonhar com a ascensão e ver que rico também tem problemas. Está aí a razão do sucesso de ‘Os Ricos Também Choram’.’



COMEÇAR DE NOVO
Bia Abramo

‘‘Começar de Novo’ deve rever estratégias’, copyright Folha de S. Paulo, 24/10/04

‘Com o começo bastante bem-sucedido de ‘Escrava Isaura’ -a novela bateu o SBT no horário entre 18h55 e 19h50 e atingiu índices de audiência significativos- talvez a Globo tenha que rever as estratégias para ‘Começar de Novo’. É uma novela anódina, sem brilho especial, que talvez seja parcialmente engolida à medida que o remake do folhetim engrene.

De certa forma, o que funciona em ‘Começar de Novo’ é só o núcleo duro de qualquer novela: desencontros cá e lá, amores desejados e impossíveis, ou possíveis mas indesejados, gente ruim que se dá bem, gente boa que se dá mal, um tantinho de questões que se pretendem mais coletivas etc. etc. Ou seja, ‘Começar de Novo’ se conduz quase que só pela fórmula, como se fosse simplesmente uma a mais na linha de montagem.

Nesse sentido, ‘Escrava Isaura’ provavelmente estará melhor. Receita por receita, a do novelão que conta o drama da escrava branca perseguida pelo senhor cruel já foi testada e retestada. Além disso, o fato de ‘ser de época’ permite esparramar a fórmula até o paroxismo, coisa que as novelas contemporâneas ansiosa por ‘realismo’ não podem. E, por um desses paradoxos da ficção, os sentimentos desbragados, as vilanias ultrajantes, a inocência ameaçada, os amores imorredouros são tão mais verossímeis quanto exagerados.

O tema da vingança, mote do personagem principal de ‘Começar de Novo’, exige tintas fortes, tramas macabras, intrigas muito bem elaboradas. Nada que combine muito com o clima solar e juvenil que se tornou quase que obrigatório para o horário das sete. Mais problemático é fazer do galã o vingador. Aquele que vai para vingar não pode ter nenhuma piedade ou clemência em relação àqueles que acredita culpados pelo seu infortúnio -o vingador, por definição, é implacável, como bem sabiam os filmes de faroeste.

Outro ponto fraco da novela são os adereços, que costumam distinguir uma novela da outra, a ambientação, as temáticas que funcionam como pano de fundo, as referências externas. Há tempos que não se reunia um conjunto tão sem imaginação. Começa que o dado de exotismo escolhido -a ascendência russa do personagem principal- tem poucos ecos no imaginário brasileiro. Além disso, a Rússia produzida pelo Projac simplesmente ignora os quase 70 anos de regime soviético, o que talvez fosse uma das poucas noções sobre aquele país que ainda esteja na cabeça dos telespectadores.

Quanto ao racismo, não há problema em ‘repetir’ assunto, dado que foi um dos eixos da novela anterior, ‘Da Cor do Pecado’. A violência mal disfarçada das relações raciais no Brasil é tema urgente, complicado e que merece todos os esforços de esclarecimento. Por enquanto, está circunscrito ao drama do adolescente Lucas (Guilherme Bernard). Se evoluir em alguma direção mais corajosa, talvez seja o diferencial que está faltando.’



MÚSICA & LEGISLAÇÃO
Nelson Motta

‘Som na caixa (registradora)’, copyright Folha de S. Paulo, 22/10/04

‘A música popular do Brasil é uma das melhores do mundo. Certamente é nosso melhor produto de exportação, é diversificada, bem acabada, competitiva nos mercados mais exigentes. Internamente, abocanha 80% do mercado de discos, não precisa de proteção.

Agora, músicos e autores, muito bem intencionados, pedem uma agência reguladora para a música. Como as do petróleo, da energia e da telefonia.

Como a música brasileira é tão boa, tão forte e tão livre, o que mais precisa é que não a atrapalhem e que não criem restrições ou cobrem mais impostos. Se não pagasse a enormidade de impostos embutidos no custo final, o disco poderia ser muito mais barato, poderia concorrer em melhores condições com a pirataria.

Uma grande ajuda à produção musical no Brasil seria reduzir a carga tributária sobre equipamentos de som e computadores (por onde passa toda a produção, mesmo acústica), que pagam uma alíquota de importação maior do que comida de gato graças à desastrosa reserva de mercado, que nos deixou para trás na corrida digital. Os equipamentos são muito piores que os estrangeiros e muito mais caros.

Todos reclamam com razão da pirataria de discos, mas certamente a maior parte dos programas que rodam nos computadores dos estúdios são piratas (os impostos são proibitivos) e uma boa parte dos computadores é contrabandeada.

O Estado já come uma boa parte do que a indústria da música e os músicos produzem. Mas será que a música precisa de uma agência?

Talvez, desde que não seja para criar regras, fiscalizações e punições. Nem para que burocratas decidam quem pode fazer o quê ou o que é melhor para produtores e consumidores. Nem para torrar dinheiro público ou cobrar mais impostos.

Fora isso, como dizia Tim Maia, o resto vale.’