Saturday, 04 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1286

Diogo Mainardi

‘A imprensa é igual ao PMDB. Quem estabeleceu o infamante paralelo foi Fernando Henrique Cardoso. Numa entrevista a Cristovam Buarque, ele declarou que, para poder governar, um presidente esclarecido como ele ou Lula precisa cooptar ‘partidos que representam o atraso, o clientelismo’, além de ‘gente influente na mídia, porque na política atual não existe nada sem a mídia’. Cristovam Buarque concordou, acrescentando, com desarmante naturalidade, que ‘a imprensa a gente até traz, a Justiça é que é difícil trazer’. Se a imprensa é cooptável como o PMDB, quem sou eu, que trabalho nela? Um Renan Calheiros? Um Amir Lando? Quem é meu apadrinhado no Banco do Brasil?

José Sarney é do PMDB. Ele tem um apadrinhado no Banco do Brasil. Um apadrinhado de peso, Rossano Maranhão Pinto, presidente interino da instituição e fiel ao padrinho até no nome. Sarney transferiu para o Banco do Brasil todas as economias que tinha no Banco Santos, na véspera da intervenção do Banco Central. Perguntado se teria recebido informação privilegiada, por ser amigo de Edemar Cid Ferreira, dono do Banco Santos, Sarney negou categoricamente, atribuindo a sábia decisão de movimentar o dinheiro aos ‘rumores publicados na imprensa’. Fernando Henrique Cardoso pode até dizer que Sarney é um representante do atraso e do clientelismo, mas um fato é inegável: os dois sabem se servir dos jornais.

Nos últimos dias, rumores publicados na imprensa indicaram que a filha de José Sarney, Roseana, é cotada para uma vaga na reforma ministerial de Lula. O que ainda não consegui descobrir foi o seguinte: 1) Roseana também era correntista do Banco Santos, de propriedade de seu padrinho de casamento, Edemar Cid Ferreira? 2) Ela retirou o dinheiro da conta antes da intervenção do Banco Central, a exemplo do pai? 3) Jorge Murad, seu marido, tinha conta no Banco Santos, ou preferia deixar todo o dinheiro trancado no cofre? 4) Murad é sócio de Edemar Cid Ferreira no Banco Claymoore, no paraíso fiscal de Nassau? 5) Roseana ainda tem um cartão de crédito internacional do Banco Claymoore? 6) Ou o cartão de crédito seria do Banco Schroder, de Miami?

A peemedebização da informação ganhou impulso com Lula. O Conselho Federal de Jornalismo está vivo. E a Ancinav será aprovada, garantindo ao governo o controle sobre o que realmente importa: rádio e televisão. Para aprovar a Ancinav, Lula cooptou o pessoalzinho do cinema e do teatro, oferecendo o mesmo que oferece aos parlamentares maranhenses do PMDB: cargos e verbas públicas. A diferença é que o pessoalzinho do cinema e do teatro se vende mais barato. Claro que tudo será pago pelo contribuinte. Cada vez que alguém comprar um aparelho de TV ou um telefone celular, estará financiando o parasitismo do meio cultural. E, por extensão, o controle da informação por parte do governo. Não adianta boicotar os cineastas brasileiros. Porque eles sempre vão dar um jeito de arrancar seu dinheiro. Lula prometeu o Fome Zero do cinema, ‘a custo zero’. Custo zero? Para ele, talvez. Não para você.’



O Globo

‘Hiperpresidencialismo’, copyright O Globo, 2/12/04

‘O hiperpresidencialismo, regime político caracterizado pelo excesso de poderes concedido pelo Congresso ao Executivo, é um fenômeno que está se alastrando pelo mundo e hoje está em evidência, tanto na crise da Ucrânia quanto nos superpoderes que governos latino-americanos como os da Argentina e o da Venezuela estão acumulando. Paradoxalmente, o hiperpresidencialismo é uma corruptela do semipresidencialismo, regime onde o Congresso ganha mais poderes em detrimento do Executivo, um regime que seria mais próximo do parlamentarismo muito utilizado pelos países europeus.

Os estudiosos do assunto, como Timothy Colton e Cindy Skach, da Universidade de Harvard, que analisaram o caso específico da Rússia; ou Jorge Valenzuela, da Universidade de Georgetown, especialista em modelos de governo, vêem o semipresidencialismo como instrumento para superar problemas que o presidencialismo puro traz a regiões historicamente instáveis em termos políticos, como a América Latina.

Também os países da antiga república soviética escolheram o semipresidencialismo como modelo de governo ao se tornarem independentes. O melhor exemplo do semipresidencialismo em vigor é o de Portugal, onde o presidente da República não tem funções administrativas, mas tem o poder de veto e, mais que tudo, o de dissolver o governo e convocar novas eleições, como fez agora o socialista Jorge Sampaio.

Nos casos dos países saídos do comunismo que entraram na Comunidade Européia ou se aproximam dela, o compromisso com a democracia faz com que esse regime possa funcionar bem. No caso da Ucrânia, cujo governo atual é seguidor do regime da Rússia, a tendência à centralização e ao controle dos meios de comunicação pode levar ao hiperpresidencialismo, que muitos estudiosos entendem como uma ditadura disfarçada.

Segundo os professores de Harvard Colton e Skach, podemos aprender com o caso da Rússia que um país em processo de democratização, se não é capaz de construir maiorias legislativas genuínas e assegurar que seu presidente esteja integrado a um sistema partidário institucionalizado, terá um governo de minoria dividida, o que pode criar o caos político ou fazer com que o Executivo se aproveite dessa fragmentação para estimular uma maioria circunstancial que favoreça a aprovação de sistemas autoritários, o hiperpresidencialismo.

Foi o caso da Rússia na Constituição de 1993, que deu superpoderes a Yeltsin, situação que foi exacerbada por Putin a partir de 2000. Negociando com a Duma (Congresso) como um presidente da maioria, e não um presidente partidário, Putin usou os poderes e prerrogativas para levar a Rússia em ‘direções autoritárias’, segundo Colton e Skach. E é com essa visão autoritária de democracia que ele agora está lidando com a crise da Ucrânia, onde a parte da população mais ligada à Comunidade Européia apóia o candidato oposicionista e denuncia as fraudes nas eleições.

Aqui na América Latina, temos exemplos preocupantes de governos se utilizando dos mecanismos democráticos para aprovar leis que os transformam em superpoderes acima dos outros poderes, fazendo com que o sistema democrático perca os contrapesos.

O governo da Venezuela, por exemplo, acaba de fazer aprovar no Congresso uma Lei de Responsabilidade Social no Rádio e na Televisão que tem entre seus objetivos teóricos garantir o respeito à liberdade de expressão e informação, sem censura, mas (e aí é que mora o perigo) ‘dentro dos limites próprios de um Estado Democrático e Social de Direito e de Justiça’.

Do mesmo modo que, aqui no Brasil, ao defender a criação do Conselho Federal de Jornalismo, o ministro da Secretaria de Comunicação Luiz Gushiken argumentou que nenhum direito é ilimitado, também na Venezuela, a partir da nova lei, a liberdade de informação está sujeita a critérios subjetivos. A disputa entre o governo de Hugo Chávez e os meios de comunicação já dura três anos, e a impressão generalizada é a de que os termos vagos e as fortes penalidades que estão previstas na lei podem levar a uma autocensura e a arbitrariedades por parte do governo.

Também na Argentina de Néstor Kirchner há quem veja sinais de que o hiperpresidencialismo está sendo montado. O Congresso já autorizou o Executivo a emitir decretos com base na ‘necessidade e urgência’, sem qualquer limitações. Kirchner também alterou, a exemplo do que fez Chávez, a formação da Corte Suprema, o nosso Supremo Tribunal Federal, aprovou uma lei que lhe dá direito a governar durante um ano sob ‘estado de emergência’, e pode alterar o orçamento sem consulta o Congresso.

A última fronteira entre a hiperpresidência e a ditadura, segundo o colunista do ‘La Nacion’ Mariano Grondona, é a liberdade de imprensa. Kirchner, até o momento, limitava-se a pressionar os meios de comunicação com palavras e críticas a supostos monopólios. Mas já está no Congresso um projeto de lei que, a exemplo do que foi aprovado na Venezuela e do que está em tramitação no Congresso brasileiro sob os auspícios do Palácio do Planalto, pretende controlar a liberdade de informação.

Nós, aqui no Brasil, temos, pelo menos, antídotos contra a tentação do hiperpresidencialismo: um governo apoiado por um partido político forte, um Congresso onde a oposição tem atuação decisiva e um presidente que já deu mostras de que é um democrata.

Mesmo assim, temos um sistema partidário fragmentado e fisiológico, e estamos expostos a surtos autoritários, como a tentativa de criação de órgãos estatais para controlar a cultura e a informação, e a adoção de medidas provisórias sem justificativas, paralisando o Congresso.’



CFJ ENTERRADO
Folha de S. Paulo

‘Líderes fazem acordo para votar projetos importantes’, copyright Folha de S. Paulo, 2/12/04

‘O projeto que criaria um Conselho Federal de Jornalismo será rejeitado pela Câmara dos Deputados ainda neste ano. Esse e outros pontos fazem parte de um acordo entre governo e oposição para acelerar as votações, após um mês de desentendimentos.

O anúncio feito ontem inclui ainda o acerto para a votação da Lei de Falências, considerada pelo governo como fundamental para diminuir os juros cobrados pelos bancos nos empréstimos.

Visto como tentativa de controlar a produção da mídia, o conselho causou forte reação desde que foi apresentado pelo governo, que encampou projeto da Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas). PSDB e PFL colocaram a rejeição à proposta como condição para o acordo. O CFJ teria a atribuição de ‘orientar, disciplinar e fiscalizar’ o exercício da profissão e a atividade jornalística.

Desde o recesso de julho, a Câmara tem feito pouquíssimas votações. Até outubro, a justificativa era que as eleições consumiam o tempo dos parlamentares. Em novembro, eclodiu uma rebelião contra o Planalto patrocinada por governistas que reclamavam da não liberação de verbas para as emendas ao Orçamento federal.

A Câmara chegou a ter 25 medidas provisórias trancando a pauta por não terem sido votadas no prazo de 45 dias. Com o acordo de ontem, sete MPs foram aprovadas e outras duas devem ir a voto hoje. Entre as aprovadas, estão MPs relacionadas a reestruturações de carreira do funcionalismo, autorização de liberação de crédito para ministérios e o Prouni. Hoje deve ir a voto a MP que concedeu reajuste de 10% às Forças Armadas.’