Saturday, 05 de October de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1308

Eduardo Ribeiro

‘Abro este debate deixando clara a minha posição: considero importante que haja, no País, um fórum institucional específico para debater e zelar pela atividade jornalística. Um fórum que possa proteger os bons jornalistas e o bom jornalismo dos maus jornalistas e do mau jornalismo. Um organismo que assuma, em seu nasceudouro, o compromisso inarredável com a liberdade de expressão e de imprensa, com a democracia e com a sociedade. Um organismo absolutamente independente de Governo, de entidades, de orientação ideológica, de apadrinhamentos. Um plenário que inspire a prática do bom jornalismo, que contribua para dignificar esta estratégica e apaixonante atividade profissional, que seja visto como referência de compromisso com a ética e com os sonhos de uma sociedade evoluída. Um plenário que, ao mesmo tempo, por sua envergadura e conduta moral, por seu equilíbrio e serenidade, por seu destemor, desestimule ações nefastas e seja temido por aqueles que, em não tendo compromisso com valores tão caros à sociedade, usam o jornalismo para fins escusos, obscuros e pouco edificantes.

Sonho? Pode ser.

Nos debates que se travam Brasil afora, em que a tônica tem sido bater no tal Conselho Federal de Jornalismo sem dó nem piedade, não paro de pensar nisso. As críticas são tão acachapantes que mesmo os que o defendem sentem-se intimidados, talvez por medo de algum tipo de marcatismo ou mesmo para evitar se expor junto aos chamados formadores de opinião.

Não vi ninguém falar isso explicitamente, mas dá para deduzir que essas pessoas defendem que tudo continue como está, certamente por entender que está tudo bem. Jornalistas podem desonrar reputações alheias, patrões podem subjugar consciências, veículos podem publicar matérias pagas como se editoriais fossem, e continuaremos assistindo a tudo isso como meros expectadores, sem qualquer chance de interferir para mudar esse estado de coisas, porque qualquer coisa que se faça ou pense seria uma atentado moral e físico à liberdade de imprensa.

Não sei se o Conselho, tal como foi concebido, poderia ter soluções eficazes para todos esses males, mas algo há que se fazer. Temos o exemplo do Conar, na propaganda, que, mesmo sem qualquer vínculo com o Estado, deu a esta atividade um novo rumo e muita dignidade.

Que riscos uma entidade como a que descrevi acima – e me pergunto isso o tempo todo -, oferece para a democracia e para a liberdade? Nenhum. Absolutamente nenhum. Ao contrário, ela precisará, para ter algum sentido, estar permanentemente atenta na defesa da democracia e da liberdade.

Por mais que eu analise toda essa enxurrada de críticas, ainda assim não consigo enxergar o fantasma do autoritarismo e do facismo que se atribuem ao projeto da Fenaj.

Ele é falho? Sim, é. Tem impropriedades? Sim, tem. Mas no mérito é um avanço, sobretudo se se garantir em seu escopo tudo aquilo que os jornalistas e, mais do que eles, a sociedade desejam, em termos de liberdade, de compromissos éticos, de garantias constitucionais. E é para isso que ele está lá, no Congresso, na mais democrática das instituições de um País, submetido ao debate, às críticas, às emendas, para ser votado.

Pluralistas por natureza, fico intrigado ao ver centenas de jornalistas preferir o arbítrio ao debate. Sim, porque quem não quer que um projeto, ainda que polêmico, sequer vá ao debate, está optando pelo arbítrio e pelo autoritarismo que tanto criticam.

Na sua origem, esse projeto carrega em si a gênese do debate. Foi debatido durante anos nos sindicatos e agora, por mercê do destino, ganhou a opinião pública. Só por isso, a meu ver, já é vitorioso. Abriu, finalmente, um debate franco e aberto, mobilizando inúmeros segmentos da sociedade, principalmente os próprios jornalistas.

Tenho dito que a Fenaj e os sindicatos, que lutam, sem sucesso, há anos para mobilizar a categoria finalmente encontraram o caminho desta mobilização. Não há, hoje, no Brasil, jornalista que não esteja comentando as ações destas instituições. Elas finalmente passaram a existir no imaginário da categoria, embora muitos continuem querendo vê-las pelas costas.

Há pouco mais de três semanas tive a oportunidade de estar presente à cerimônia de entrega do Grande Prêmio Ayrton Senna de Jornalismo, no Credicard Hall, em São Paulo. Na ocasião, lembro-me, a discussão sobre a questão do Conselho estava um pouco mais quente do que hoje. Assisti, desolado e impotente, alguns dos mais renomados profissionais aproveitarem o palco da homenagem para repudiar, por vezes de forma até veemente, o Conselho e o que consideram e afirmam ser uma tentativa do governo de cercear a liberdade de imprensa, de querer controlar o jornalismo etc.

Ouvia as críticas vorazes, as opiniões contundentes, as verdades absolutas por eles proferidas, e, em toda a minha insignificância, ficava ainda menor. Eu não tinha o microfone para poder debater ou para contrapor argumentos àquelas falas e nem tinha, para ser sincero, o mesmo nome de tão nobres colegas. Mas, em toda a minha pequenez, ainda assim arriscava perguntar para meus botões (pois eles não podem mesmo responder para me mandar calar a boca), por que, mesmo sem conhecer a essência de uma proposta dessa magnitude, querem abortá-la e impedi-la de ir ao debate.

Comparei aquela platéia, de certo modo, ao plenário dos próprios sindicatos – em questões cruciais um e outro podem ser por vezes tão irracional, que impedem a prevalência da razão.

Nesta última terça-feira, na bela e concorrida cerimônia de entrega do Prêmio Comunique-se, curiosamente ocorrida no mesmo Credicard Hall, deu-se algo parecido. Vi renomados colegas direta ou indiretamente passarem o recado de que o jornalismo não precisa de controle, não precisa de fiscal, não precisa de tutela. Valeram-se do microfone e do prêmio recebido para atacar o que por enquanto é apenas uma idéia, um projeto, sem sequer oferecer o benefício da dúvida ou a possibilidade de defesa.

Modestamente, eu gostaria de que esse debate prosseguisse no mais elevado nível, que avançasse e que a sociedade efetivamente se debruçasse sobre tema tão relevante, sem maniqueísmo.

Gostaria que fôssemos ao cerne de todas essas questões. Que analisássemos o que é melhor para a sociedade. Que nos desarmássemos de posições pré-concebidas e radicais. Que ouvíssimos, com civilidade, o outro lado, como é da tradição do jornalismo. Que buscássemos caminhos efetivamente inovadores – não na defesa dos interesses corporativos, mas sim na construção de uma sociedade mais forte e cidadã.

O que temos a perder?

Se tudo vale a pena quando a alma não é pequena, como diz o poeta, por que não encarar de frente esse debate?’



Paulo Nassar

‘Uma grave ameaça paira no ar’, copyright Revista Imprensa -setembro de 2004 – número 194., 16/09/04

‘Em meio à polêmica motivada pela proposta do governo de criação de um Conselho Federal de Jornalismo, um grupo de comunicadores empresariais, ligados a algumas das maiores empresas brasileiras, reuniu-se recentemente em um Fórum, organizado pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP), Associação Brasileira de Anunciantes (ABA) e Associação Brasileira de Comunicação Empresarial (ABERJE), para responder às seguintes perguntas: O que é hoje o comunicador empresarial? Quais são as suas tarefas e responsabilidades? O que é comunicação empresarial? E, ainda, alguns perguntavam, quais serão os impactos, se aprovado, das ações desse Conselho Federal de Jornalismo sobre a atividade de Comunicação Empresarial?

Como boa parte das ações comunicacionais, desenvolvidas no âmbito das empresas e instituições, podem ser caracterizadas, num primeiro momento, como jornalísticas, o questionamento é muito pertinente. Principalmente aquelas ações desenvolvidas por assessorias de imprensa e produtores de publicações, entre elas os jornais, boletins e revistas. O inciso XV, artigo 2, do projeto da Federação Nacional dos Jornalistas Profissionais (FENAJ), diz que compete ao conselho ‘fixar normas sobre a obrigatoriedade de indicação de jornalista responsável por material de conteúdo jornalístico publicado ou veiculado em qualquer meio de comunicação’. Para bom entendedor, uma boa parte do que se pensa e se produz no campo da Comunicação Empresarial poderá ser levado ao âmbito do Conselho, cuja atribuição (clara ameaça à democracia e às liberdades individuais) é expressa no artigo 1, parágrafo 1 – ‘orientar, disciplinar e fiscalizar o exercício da profissão de jornalista e da atividade de jornalismo’.

Diante disso, é da maior relevância para o futuro de uma das áreas mais vigorosas da comunicação brasileira, principalmente em termos de inteligência, indústria e geração de empregos, que os comunicadores empresariais digam claramente para a sociedade brasileira qual é a essência e a abrangência de suas atividades.

O que é Comunicação Empresarial? Atrevo-me a responder: é uma área mestiça, fabricada a partir do pensamento e do trabalho integrado de relações-públicas, jornalistas, publicitários, designers, historiadores, psicólogos, antropólogos, sociólogos, arquitetos, administradores, entre outros. Um campo de comunicação, multidisciplinar, que dirige cotidianamente mensagens para um arco de públicos estratégicos – formados principalmente por acionistas, empregados e suas famílias, imprensa, comunidades, autoridades, concorrentes, sindicatos, organizações não-governamentais e fornecedores -, com objetivos de defesa, manutenção e fortalecimento da imagem das organizações e seus gestores.

Os projetos, ações e intenções de comunicação empresarial dificilmente poderão ser definidos dentro dos paradigmas jornalísticos. A multidisciplinaridade, a mestiçagem dessa área será uma grande dor de cabeça para os dez jornalistas profissionais, que terão a descomunal tarefa de controlar atividades de profissionais preocupados, envolvidos e cobrados por planejamento estratégico, produtividade, competitividade, sustentabilidade, e uma constelação de programas de responsabilidades histórica, social, ambiental e comercial.

O mínimo do bom senso, se predominar, deixa de fora do CFJ as atividades de Comunicação Empresarial, que só prosperaram e se modernizaram, para valer, quando a sociedade brasileira deixou de ser orientada, disciplinada e fiscalizada pelos governos militares. Paulo Nassar é professor da ECA-USP, presidente-executivo da ABERJE – Associação Brasileira de Comunicação Empresarial e autor do livro ‘O Que é Comunicação Empresarial’ (Brasiliense), entre outros.’



CFJ NOS EUA
Antonio Brasil

‘O Conselho Federal de Jornalistas nos EUA’, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 17/09/04

‘Como explicar uma idéia ao mesmo tempo estranha e distante como o nosso polêmico CFJ para o público e para os nossos colegas jornalistas americanos? Sinceramente, não é tarefa fácil!

Esta semana, fui convidado pelo programa On the Media da National Public Radio, a rede de rádios públicas dos EUA para discutir o CFJ. O gancho da matéria, obviamente, era o artigo do correspondente do NYT, Larry Rohter e a resposta do governo Lula. Aqui entre nós, isso já está parecendo uma telenovela. Qual será o próximo capítulo do Presidente versus o jornalista americano?

O programa On the Media é uma espécie de Observatório da Imprensa no rádio e trata todas as semanas de grandes temas relacionados com a mídia. Apesar das dificuldades, em meio a tantas ‘baixarias’, a rede de rádios e TVs públicas americanas ainda é uma alternativa de prestígio e qualidade.

O programa On the Media não costuma abrir espaço para as mídias internacionais. Mas os produtores e editores do programa estavam muito curiosos para saber como os colegas brasileiros se sentiam em relação à idéia de um conselho de jornalistas patrocinado ou, pelo menos, apoiado pelo governo.

Por aqui, o princípio de independência do jornalismo em relação ao governo é considerado fundamental e tem referências históricas. Trata-se de um princípio básico do jornalismo como a objetividade, equilíbrio, ou mesmo a busca da verdade. Todos sabemos que é quase impossível, mas tentamos todos os dias.

O jornalismo americano através da história tem uma relação muito ‘delicada’ com o governo. Todos os governos. É só lembrar do caso Watergate e a renúncia do presidente Nixon. Jornalista aqui deveria ser sempre ‘watchdog’, ou cão de guarda do governo. Mas os tempos mudaram e tem muito jornalista ‘lapdog’, cãezinhos inofensivos de estimação.

A independência da imprensa em relação às intervenções, pelo menos às intervenções diretas do governo, é considerada essencial para a prática do jornalismo nos EUA.

Mas o mesmo jornalismo americano não considera problemático depender do grande capital. Trabalhar para grandes corporações não seria um problema para os jornalistas. Mas sofrer interferências ou trabalhar para o governo é considerado ‘pecado mortal’. Quem trabalha para o governo ou diretamente para empresas, aqui, não é considerado jornalista.

Esses mesmos colegas que exigem a separação entre o jornalismo e o Estado aceitam que grandes corporações como a General Electric ou a Disney possam controlar redes nacionais de TV e empregar milhares de jornalistas. Nos EUA, independência do governo é fundamental. Mas dependência do capital é aceitável.

Creio que esse foi o principal tema dessa longa explicação e entrevista sobre o CFJ aqui nos EUA.

Tentei explicar aos colegas americanos que a tal separação ou distanciamento da imprensa em relação ao governo como justificativa sagrada para a manutenção da liberdade de imprensa e expressão é algo, no mínimo, muito duvidoso.

Afinal, o que seria pior? Uma dependência ou interferência do governo ou uma dependência e interferência econômica de grandes e poderosas corporações ou famílias brasileiras que controlam a mídia jornalística? O ideal, obviamente, seria trabalhar para o público, mas nem todo o mundo tem o privilégio de ter uma rede pública independente e poderosa como a BBC, por exemplo.

Para os americanos, é difícil entender um cenário de ‘capitanias hereditárias’. A história americana é muito diferente da nossa. Difícil traduzir conceitos entre culturas que se parecem tanto, mas que na verdade, são tão diversas.

Aqui nos EUA, os tempos do Cidadão Kane estão muito distantes. Os novos e poderosos barões da mídia, como o Rupert Murdoch, dono da rede Fox, por exemplo, respondem a muitos acionistas, grandes e pequenos. No Brasil, nossos capitães hereditários da mídia controlam grandes empresas e não respondem a ninguém. Não respondem sequer aos sindicatos, ao público e, muitas vezes, não respondem sequer ao governo. Mas estão sempre preparados para ‘negociar’ soluções econômicas. Caso contrario, dá-lhe jornalismo investigativo. No Brasil é muito fácil apontar corrupção em todos os lugares. É questão de poder e querer.

Insisto. É difícil a vida de um correspondente internacional… de verdade. Uma coisa é relatar o que acontece em algum canto do mundo. Outra, é você tentar contextualizar e explicar essas notícias para o seu público. E ainda mais difícil, é tentar explicar o seu próprio país para os colegas americanos.

Mas procurei concluir o programa de forma positiva. O importante é que estamos admitindo que tanto a mídia como o jornalismo estão em crise e que precisamos ‘discutir’ e definir nossos objetivos. Com Conselho ou sem Conselho, temos que repensar a nossa profissão. Corremos o risco de simplesmente desaparecer ou ser considerados dispensáveis, sem qualquer importância ou relevância para a sociedade.

O programa On the Media vai ao ar nestes Sábado e Domingo pela WNYC e estará disponível online.’