Thursday, 09 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1286

Eleno Mendonça

‘Sabe aquela reportagem que você acaba de ler e acha já ter visto em algum ou alguns lugares? Pois é, são as pautas sazonais, as pautas recorrentes que acometem todo chefe de reportagem. O sujeito está lá fechando a pauta, olha para o lado e tem ainda uns dois repórteres para pautar. Pronto, lá vem a pauta da expectativa das compras de Natal, do nível de inadimplência, se vai ou não faltar pescado na Semana Santa. Agora mesmo é bom se preparar para uma avalanche de reportagens desse tipo, tendo o Natal como enfoque.

Primeiro virá a safra das expectativas de vendas, contratações de temporários, depois as do acompanhamento dessas vendas, em seguida a do movimento da véspera e do dia em si. Tudo isso, lógico, desemboca nas inevitáveis trocas de presentes, liquidação pós-Natal, queda sazonal na indústria etc. Quem não já fez, titulou e pautou dessa forma não entrou pra valer numa redação de economia. Eu mesmo fiz isso inúmeras vezes.

Acho que até por também ter feito parte disso tudo me sinto no direito de pedir maior criatividade. Lógico que é difícil, mas dá para tentar coisas novas, enfoques mais modernos, mais ‘lincados’ ao pensamento e forma de vida das pessoas em pleno 2005. Falo isso porque nos últimos 15 dias tenho visto a presença de matérias sobre as expectativas de venda, o ‘Natal dos presentinhos’ ou ‘lembrancinhas’ com destaque muito grande. Acho que se poderia tentar, sempre que possível, fugir do lugar comum que essas datas permitem, para dar esse tipo de notícia com destaque menor e buscar algo mais exclusivo, mais de acordo com o que os leitores procuram.

É certo que não é tarefa fácil. Anos de cachimbo deixam a boca torta, mas de tempos em tempos é bom parar e dar uma reciclada. Depois de tanto tempo escrevendo, pautando, editando, há caminhos e fórmulas mais ou menos naturais e, por isso mesmo, convencionais. Cabe então a todos os profissionais buscarem saídas criativas, o algo mais que vai diferenciar a cobertura bem feita e em sintonia com o novo mercado leitor das demais publicações. Isso talvez faça uma pessoa preferir o jornal ‘A’ ao ‘B’. Dá para fazer? Dá, mas é bem mais trabalhoso.’



LIBERDADE DE EXPRESSÃO
Milton Coelho da Graça

‘A liberdade não é para um, é para todos’, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 16/11/05

‘A juíza que puniu a Rede TV! por conta de um programa ofensivo aos homossexuais reacende o debate sobre a tênue mas firme linha, que não permite confusão entre censura e a legítima defesa da sociedade, grupos de cidadãos ou mesmo indivíduos contra a violação de seus direitos pelos meios eletrônicos de comunicação.

A democracia não consiste apenas em cada um fazer o que quiser, mas exige o princípio básico de cada indivíduo aceitar como limite de sua liberdade e seus direitos a liberdade e os direitos alheios.

Os meios eletrônicos de comunicação, da mesma forma como os jornais, gozam das garantias constitucionais à livre expressão. Mas dependem de concessões da sociedade, através de um Parlamento livremente eleito. Por isso, deveriam se submeter não apenas ao Código Penal mas também a um Código de Ética, que explicite os padrões aceitos pela MAIORIA democrática da sociedade, não apenas pelo Judiciário.

Os nossos constituintes de 1988 entenderam isso perfeitamente e, por isso, criaram o Conselho de Comunicação Social. Como representante da sociedade (e não de políticos nem dos próprios concessionários, como acabou se tornando após dormir durante 14 anos nas gavetas de parlamentares), o CCS deveria ser ouvido nas concessões de rádio e tevê, bem como nos princípios éticos e qualitativos a serem respeitados por toda a programação.

Moisés, ao descer do Monte Sinai com o seu Código de Ética – os Dez Mandamentos -, tinha a intenção de manter a nação judaica unida por objetivos comuns. Sua liderança não nascera de uma eleição, mas ninguém duvida de que ele representava a ampla maioria dos judeus quando estabeleceu que cada um deveria tratar o próximo como a si mesmo.

Moisés também exigiu que nenhum homem cobiçasse a mulher do próximo. Tantos milênios depois, este mandamento claramente deixou de ser democrático, deixou de ter o apoio da maioria.

Mas o primeiro, sem qualquer dúvida e aqui no Brasil, continua a ter. Não se trata de censura, mas de proteção da sociedade. Temos de lutar permanentemente por maior qualidade na TV e no rádio. E isso não se conquista com a atitude leniente do ‘deixa cada um fazer o que quiser’.

O Congresso deveria restaurar o CCS da forma desejada pelos constituintes de 88.’



DEPOIMENTO / GERALDO NUNES
José Paulo Lanyi

‘A morte e a vida, a qualquer momento’, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 18/11/05

‘‘Me perguntaram se continuarei voando. Claro. Perdi tempo sem poder sair de casa quando pequeno para brincar. Agora posso ir aonde quiser. Tenho asas’. Esse é o depoimento de um menino com poliomielite. ‘O tempo passou e a vida me deu a oportunidade de conhecer os lugares que eu queria ver quando pequeno e até os que nunca sonhei ver, de helicóptero’. Esse é o depoimento do gigante Geraldo Nunes, repórter aéreo da Rádio Eldorado, ao jornal O Estado de S. Paulo.

Sexta-feira, 11 de novembro. ‘Na véspera do feriado, um acidente pára a Marginal. O filme é conhecido e se repetiu ontem’, diz a reportagem de Camilla Rigi no Estadão. ‘O acidente é que foi diferente. Um helicóptero em pane fez um pouso forçado na Marginal do Pinheiros, às 8h15, atingiu dois carros e foi parar debaixo da Ponte Eusébio Matoso’.

Dou graças a Deus e ao piloto Leonardo Rebuffo, que, com perícia, teve apenas cinco segundos para pousar a aeronave, salvar a si mesmo e ao nosso Geraldinho.

‘Se vou continuar voando? Claro que vou’, tal era o título do testemunho do Geraldo, esse mesmo que, meses antes, nos dizia na allTV já haver passado por situações difíceis nos ares da cidade dos 350 helicópteros, a terceira maior frota do mundo.

Parar não faz mesmo sentido. A poliomielite não conseguiu, e esse, penso eu, é um desafio maior. Nos acidentes, em geral, tudo é rápido demais, embora dê tempo de pensar… ‘Na hora em que percebi que o comandante Leonardo não conseguiria controlar o aparelho, pensei primeiro em Deus, na minha esposa, na minha mãe. Engraçado como as coisas passam rápido pela cabeça, tudo de uma vez só. Lembrei também de um menino paraplégico do bairro do Moinho Velho, um lugar que poucos conhecem – fica no Ipiranga. A cada passo que dava com seus aparelhos ortopédicos perguntava: ‘Ficou contente, papai? Ficou contente, mamãe?’, raciocinou o Geraldinho.

Ainda bem que não sou gato, apenas um ser humano teimoso. Conheço bem esse negócio de quase morrer. Quatro sustos, quatro ocasiões para refletir sobre o que fazer da vida?

O primeiro foi em uma videolocadora em que trabalhava, em Guarulhos, aos 18 anos. Era um sábado à tarde. Um suposto cliente retirou o seu interminável 38 de uma sacola e, junto com dois comparsas, anunciou o assalto. ‘Todo mundo para o banheiro!’, berrou, para a minha alegria… Quando eu estava a caminho, me parou, objetivo: ‘Você fica’. Com os nervos no lugar e uma simpatia de aeromoça, consegui conduzir as coisas e hoje estou aqui, para azar dos meus leitores.

O segundo foi, uma vez mais, a trabalho, desta vez como repórter da TV Manchete em São Paulo. Em uma reportagem policial, a bordo de uma Parati azul, seguíamos um Tático Móvel da Polícia Militar. Os policiais fizeram uma ultrapassagem na Estrada do Alvarenga, em Diadema. O nosso motorista quis ir atrás. Distraído, sem cinto de segurança (afinal, andávamos a uns 60, não a uns 120, como de hábito), percebi, numa fração de segundo, a cor vermelha. Era a pintura do Fiat 147 que nos colhera a alguns metros da curva. Saldo: uma costela quebrada. O cinegrafista fraturou o nariz. O motorista ficou meio zonzo com a pancada. E a vida seguiu.

O terceiro foi na madrugada da Rodovia dos Imigrantes. Com uns amigos, voltava para São Paulo de um chope na Baixada Santista. Nós em um Voyage, a uns 80. De repente, um barulho e tanto, sabe-se lá por quê… Depois entendi que um Honda Civic, a uns 130, entrara na traseira do meu carro, sem frear. Um ‘boyzinho’ petulante. Só deu tempo de segurar firme o volante, mas perdemos aderência e capotamos. Desta vez, uma garota levemente ferida e três ilesos.

O quarto e – espero firmemente – último episódio foi nos arredores do Sesc Pompéia, em cuja piscina acabara de nadar. Não foi suficiente. Tive de dar braçadas na rua, quando, na saída, vi meu carro sendo levado pelas águas de uma enchente. Sabia do prejuízo material, mas me preocupava em conduzir o veículo para um local seguro (ele pararia em cima de outros dois carros). Ao tentar me aproximar… cadê o chão?! Zupt! A sorte é que eu estivera no Sesc para aquilo mesmo e consegui sobreviver a nado, enquanto, do outro lado da rua, umas velhinhas de um centro espírita gritavam em desespero – tentando, talvez, agendar a entrevista póstuma que se avizinhava. Eu estava caindo em um bueiro. Morreria como um roedor. Mas nadei.

Há alguns dias, em um vôo convencional, folheei a revista da Gol e deparei com uma entrevista do Tutinha ao meu amigo Pedro Só, reproduzida da Trip. O dono da Jovem Pan falava do sucesso do Pânico. Num dado momento, Tutinha disse que se submetera a uma cirurgia para a retirada de um tumor cerebral que, no fim das contas, descobriu-se não existir. Os médicos constataram que se tratava apenas de uma mancha. O repórter quis saber se a experiência produzira alguma mudança em sua vida. Ao que o entrevistado – aos risos – respondeu que não, que estava ainda pior.

Entendo o que ele quis dizer. Na hora, a gente acha que vai ser uma pessoa melhor, essas coisas etéreas. Depois, pouco a pouco, tudo volta a ser como sempre foi.

Às vezes isso é bom. Fique assim, Geraldinho: assim já está ótimo.’



JORNAL DA IMPRENÇA
Moacir Japiassu

‘A pronúncia certa’, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 17/11/05

‘‘Ao que eu saiba, eu nada sei’

(Vladimir Poleto na CPI)

A pronúncia certa

Ouvintes e telespectadores pedem encarecidamente aos repórteres e apresentadores do rádio e da televisão: por favor, não mais pronunciem ‘às avêssas’, como se a palavra carregasse nas costas a cangalha de um acento circunflexo; e a pronúncia certa de subsídio é subcídio e não subzídio. Afinal, o s só tem o som de z quando está entre vogais; e se é indiscutível que a letra i é vogal até debaixo d’água, também é certo que b nasceu e há de permanecer na condição de tímida consoante, como aprendemos na escola, né mesmo?

E mais uma surpresa: não se diz ‘a grôsso modo’, pois aqui também não existe a tal cangalha; nem adianta trocar por ‘grôsso modo’, capando-se-lhe a preposição, pois, em verdade, a pronúncia correta é grósso módo. Esta não é, como se imagina, expressão do idioma português; trata-se de latim castiço, daí o grósso… Quem não acreditar, pergunte ao nosso mestre Pasquale Cipro Neto. Pode ficar meio pedante dizer-se: ‘O presidente Lula é, grósso modo, um homem de modos grossos…’, mas é assim que se deve pronunciar.

As três, digamos, armadilhas da prosódia, são pequena contribuição da coluna à lista que recebemos pela internet e cuja íntegra dormita no Blogstraquis.

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Nelsinho Pelé

Deu em todos os jornais, revistas, emissoras de rádio e TV, porém o exemplo foi pescado no especializado Lancepress, oprimido abaixo do título Nelsinho Baptista critica trabalho do seu antecessor:

Mais uma goleada, desta vez por 4 a 0 para o Internacional, neste domingo, no Anacleto Campanella, foi a gota d’água para o técnico do Santos, Nelsinho Baptista, desabafar a respeito da sua situação no clube (…).

– Estou consertando o que fizeram. A imagem que está arranhada é de quem esteve aqui. De quem fez o planejamento. Quem passou por aqui deixou um trabalho horrível e só estou trabalhando com o que me deram – reclamou o treinador, numa clara insinuação ao ex-técnico do clube, Alexandre Gallo.

Janistraquis, que já leu e escutou espetaculares absurdos nesta longa e às vezes tão desprezível jornada noite adentro, comentou, num esgar:

‘Considerado, esse tal de Nelsinho Baptista é o Pelé da falta de caráter!!!’

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Na ABI e no Observatório

O colunista roga ao considerado leitor que dê uma passadinha pelo site da ABI e leia a entrevista que a competente editora Solange Noronha fez com este humilde jornalista e escritor. O papo é longo, mas jamais furado, antes muito sincero, garante-se. Outrossim (outrossim é ótimo, né não?), sugere-se a leitura do generoso texto que o escritor e professor Deonísio da Silva escreveu no Observatório da Imprensa sobre o romance Quando Alegre Partiste.

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Estúpidas bichonas

Sob o título Estátua de Brigitte Bardot é destruída, lia-se o seguinte textítulo na Folha de S. Paulo:

Um dos pontos turísticos da cidade de Armação de Búzios (a 190 Km do Rio de Janeiro), a escultura da atriz francesa Brigitte Bardot foi quebrada e arrancada na noite do último domingo.

A peça de bronze foi retirada por jovens, que amarraram uma corda na escultura e a puxaram com um carro.

Por duas sólidas razões, Janistraquis está absolutamente convencido de que o ato de vandalismo foi cometido por homossexuais analfabetos: primeiro, jamais leram a respeito nem ouviram falar de um dos maiores mitos do cinema moderno; em seguida, destruíram a imagem de uma belíssima mulher.

É verdade. Como o considerado leitor está careca de saber, o colunista é homem completamente despido de preconceito, porém convenhamos: veado anarfa é dose…

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Boa saída

Deu na coluna do Claudio Humberto:

Os feitos de Mem de Sá

Estrela de primeira grandeza na CPI dos Correios, o deputado Gustavo Fruet (PSDB-PR) era candidato a vereador em 1996, em Curitiba, e visitou escolas com o pai, o saudoso deputado Maurício Fruet. Numa delas, um estudante resolveu testar o candidato, fazendo-lhe perguntas sobre vultos históricos como Juscelino, Getúlio Vargas, Jango etc. E, finalmente, atacou:

– E Mem de Sá, o que ele fez pelo Brasil?

Maurício resolveu intervir, encerrando o papo e a insistência do pirralho:

– Ele fez o que pôde, meu filho. Fez o possível.

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Craque Falcão

Nota publicada na coluna do sempre competente Ancelmo Gois:

Fala sério!

Do craque de sempre Falcão, no programa ‘Bem, amigos!’, de Galvão Bueno, no Sportv, sobre as chances de o Corinthians ser campeão:

– O Corinthians só perde se não ganhar.

Ah, bom!

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México e Cuba

O considerado Roldão Simas Filho, diretor de nossa sucursal no DF, de cujo varandão florido escuta-se até agora o clamor no Palácio do Planalto em festa porque Palocci novamente passou a perna nos jornalistas, pois mestre Roldão lia o Correio Braziliense quando foi alvejado pelo seguinte textinho, acocorado sob o título Chávez e Fox ameaçam romper:

Depois de agressões verbais entre presidentes, Venezuela e Cuba (?) retiram embaixadores. Crise começou com divergências públicas sobre a Alca durante a Cúpula das Américas’

Num primeiro momento, Roldão, que não se espanta com mais nada neste mundo, imaginou que o México tivesse invadido Cuba, mas logo voltou à realidade:

Ainda bem que no corpo do texto dava-se a informação correta; enquanto brigam os presidentes da Venezuela e México, Fidel continua dando as ordens em Cuba, apesar do Mal de Parkinson.

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Bom de serviço

Aos 26 anos de idade, o considerado Rafael Motta, aplicado repórter de jornal e televisão em Santos (SP), lamenta não ter vivido no tempo das grandes redações, quando as reportagens tinham profundidade e havia mais espaço para o noticiário do dia-a-dia. ‘Além do português correto e bem aplicado’, escreveu ele, que completou:

‘Por que ‘disponibilizar’ vacinas, serviços, verba, vagas em escolas, em vez de oferecer, prestar, ceder, reservar coisas do tipo?

Por que, por exemplo, se ‘compra um imóvel junto à Ceagesp’? E mais: tudo se implementa: programas sociais, casas populares, deques para pescaria, linhas de ônibus.

Duro é também ver esses press-releases literalmente reproduzidos em páginas de jornais. Nem se reescrevem (o mínimo!) os textos. Usando o que poderia ser uma oração em tantas assessorias, os releases disponibilizados junto às redações são implementados na íntegra pelos jornais. ‘Arriégua!’, exclamaria Janistraquis…’

E Janistraquis não apenas exclama arriégua, considerado Rafael, como tem certeza de que você há de fazer bela carreira no jornalismo.

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Erro quilométrico

O considerado Giulio Sanmartini, o mais brasileiro e carioca dos italianos, envia de nosso escritório europeu, em Belluno, nordeste da Itália, excerto de artigo de Merval Pereira em O Globo, intitulado Alívio momentâneo:

O risco do casal no TSE ainda é grande, se lembrarmos que recentemente o senador João Capiberibe, do Acre, teve o mandato cassado por comprar dois votos a R$ 26.

Sanmartini, que mora longe mas está de olho no pessoal daqui, reagiu na hora:

O senador João Capiberibe é do Amapá e não do Acre; a distância em linha reta entre Rio Branco e Macapá é algo como 2 mil km. Em termos europeus, pode-se ir de Portugal à Polônia, passando pela Espanha, França, Bélgica e Alemanha, ou quase a ida e volta de toda a Itália, do joelho ao pé a bota…

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Nota dez

A revolta que incendeia a França está muitíssimo bem analisada por Mario Sergio Conti em sua coluna do site No Mínimo:

(…) O Estado, constitucionalmente, deve garantir a educação, a saúde, a moradia e a aposentadoria. Na França, como em todos os lugares, ele vem sendo destruído. Pelas privatizações e pelo sucateamento dos serviços. Nas periferias, esse processo é mais agudo.

Criar trabalho e reforçar o Estado, no atual estágio do capitalismo, são quimeras. Mas sem eles, os acontecimentos na França, as revoltas sem objetivo claro, as explosões de cólera, as depredações, tudo isso tende a aumentar.

A íntegra do texto está aqui.

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Errei, sim!

‘ARQUIVO DE TÍTULOS – Polícia prova peru suspeito, anuncia o Jornal do Brasil. Janistraquis comentou: ‘Considerado, será que o bicho tirava uma de pavão?’ (agosto de 1989)’



LÍNGUA PORTUGUESA
Deonísio da Silva

‘Poeta exilado’, copyright Jornal do Brasil, 22/11/05

‘Álvaro Aves de Faria, seja qual for o ponto de vista escolhido, é poeta brasileiro de reconhecidos méritos. Mas confidenciou-me andar muito triste e desanimado com nosso país. Não naquele sentido da queima geral de sonhos, mas certa melancolia literária, a ‘austera, apagada e vil tristeza’ de que fala Camões.

‘Sou, agora, um poeta português’, escreveu-me. Comoveu-se com o lançamento do novo livro, Sete anos de Pastor (Braga, Palimage, 74 páginas), louvado no Teatro Gil Vicente, em Coimbra, onde fez a leitura de vários poemas. Em companhia de poetas portugueses (quase escrevo ‘outros poetas portugueses’, aceitando a troca de nacionalidade, mas Álvaro é nosso e o boi não lambe) foi a outras cidades importantes de além-mar, convidado a fazer recitais literários. Em 2006 lançará em terras portuguesas novo livro: A memória do pai. ‘Sou hoje sinceramente um poeta exilado’, diz ele, assegurando que publicará primeiramente em Portugal. ‘E se possível também no Brasil’, acrescenta.

Os poetas são, mais do que nós (romancistas e contistas), sismógrafos, antenas da raça, como me disse um dia Paulo Leminski numa mesa de bar, provavelmente citando Pound. Aliás, acho de um divertido horror esses arrivistas que se dizem agora ou fazem tudo para parecer que eram íntimos do poeta paranaense. Lembro que quando o poeta lançou o romance Catatau, não teve o conforto de muitos dos que agora o louvam. No Brasil, como ocorrem com os heróis, escritor bom é escritor morto. Eu era professor na Universidade de Ijuí (RS) e contei com a ajuda de um frade capuchinho, autoridade inconteste na instituição, para levar Catatau ao alcance dos alunos na recém-fundada livraria universitária. E quem quiser saber mais, pergunte a quem o amou e cuidou dele nas horas amargas, longe do bar, a sua esposa, a poeta Alice Ruiz, autora daqueles poemas imperdíveis de Navalha na Liga.

‘Eu vivo num país de equívocos’, disse Álvaro numa entrevista, ‘onde o que vale é a lei dos espertos’. O poeta é intelectual sério, interessado em conviver com escritores que respeita, trocando telefonemas, cartas, livros. Esteve por duas longas tardes conversando com Jorge Luís Borges em Buenos Aires. Corresponde-se com José Saramago, Affonso Romano de Sant’Anna. Sua poesia já foi endossada por vários escritores da ABL, como Carlos Nejar, e também por Ferreira Gullar, entre outros juízos que muito respeitamos.

O novo livro traz versos como estes: ‘por mais que tudo seja/ quase tudo foi em vão/ como se nada tivesse havido’. ‘É possível ver melhor agora/ o fim das coisas/ que também antes terminavam/ mas eu não via’. ‘Também a mim me fora prometida/ de tal sorte que permaneço em minha espera/ como se a acudir-me no final das tardes/ entre portos e navios que não partem mais’. ‘Ao vos deixar na cama/ bem sei da minha sina/ esse amor que vos destina/ o esperar nascer o dia’.

Desejo sinceramente que o poeta Álvaro Alves de Faria tenha dado um pequeno adeus ao Brasil, como fazem os portugueses com o pequeno almoço, como chamam o café da manhã. E que ele volte para o almoço, a sesta, o jantar, a noite e a próxima aurora. É verdade que faz tempo que o Brasil ameaça amanhecer também para os escritores brasileiros, mas meu Deus, como é longa e escura essa noite!

Sempre sobram motivos para excluir do convívio dos justos os escritores brasileiros. Para incluir, porém, parecem sempre faltar! Os poetas são vítimas preferenciais de exclusões.

Dica de outro livro mito bom: As Vidas de Miguel de Cervantes, de André Trapiello (José Olympio). Comprei dois volumes (um pra presente) porque o Affonso Romano, apesar de protestante, gosta de Teresa d’ Ávila, e me disse que soube por esse livro que uma irmã de Cervantes, Luísa, tinha sido amiga da santa.

*Deonísio da Silva, doutor em Letras pela USP e diretor do Curso de Comunicação da Universidade Estácio de Sá, escreve às terças-feiras nesta página.’