Sunday, 28 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Época

ELEIÇÕES 2006
Leandro Loyola, Matheus Leitão e Wálter Nunes

45 dias para vencer

‘Na mansão de dois andares e tijolo à vista do Lago Sul de Brasília, só entra quem está autorizado pelo jornalista João Santana, responsável pela campanha à reeleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Em um estúdio montado na casa, há quase um mês 15 funcionários participam das gravações da propaganda eleitoral de Lula. Duas vezes por semana, o presidente chega por volta das 9 horas e sai às 11 horas. Em São Paulo, o candidato do PSDB, Geraldo Alckmin, está mais atrasado. Como os cenários demoraram a ficar prontos, ele só começou a gravar suas peças na semana passada, numa produtora montada em um antigo galpão no bairro da Vila Leopoldina. Cerca de cem pessoas trabalham no local e não há tantas restrições de acesso.

De modos diferentes, Lula e Alckmin cavam a mesma trincheira. Os dois se preparam para a parte decisiva da disputa pela Presidência da República: o horário eleitoral gratuito no rádio e na TV, que começa nesta terça-feira. Ambos terão 45 dias para conquistar o voto dos brasileiros. Lula está na frente. Na semana passada, segundo o instituto Datafolha, o presidente subiu três pontos porcentuais e atingiu 47% das intenções de voto. Alckmin caiu de 29% para 24%. Se a eleição fosse agora, o presidente seria reeleito no primeiro turno. Alckmin aposta tudo na capacidade da TV para levar a disputa para a prorrogação do segundo turno. Os tucanos acham que o horário eleitoral aumenta a chance de virar o jogo.

Com o início da campanha na TV, chegou enfim o momento em que os candidatos à Presidência se apresentam aos eleitores. O cidadão brasileiro é acima de tudo televisivo, como na maioria dos regimes democráticos, nos quais o impacto midiático governa mais e mais os rumos da política. Com o quinto maior território do mundo e cerca de 125 milhões de eleitores, é na TV que acontece a disputa pelo voto no Brasil. Por isso, a forma como os candidatos se comunicam e falam na televisão se tornou um elemento decisivo para as campanhas.

É ali, diante do aparelho de televisão, que os candidatos procuram convencer o eleitor, mostrar suas qualidades, projetos e razões. ‘A propaganda na TV é fundamental, para o bem e para o mal’, afirma o cientista político Marcus Figueiredo, do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro. ‘O eleitor sabe que os programas são propaganda. Só decide o voto depois de examinar se as promessas são viáveis.’ Como exemplo, Figueiredo lembra a campanha de 1996. Na época, o então candidato a prefeito de São Paulo Francisco Rossi prometeu tirar todas as crianças das ruas em seis meses. Ninguém acreditou, e Rossi despencou nas pesquisas.

Se tudo correr como planejado, a campanha de Lula deve se concentrar em expor as realizações do governo. Na primeira semana, serão mostrados projetos sociais e os esforços na economia para ‘colocar a casa em ordem’. Repetindo 2002, haverá um forte apelo à emoção. Um recurso já pronto é a exibição de histórias de brasileiros que saíram da pobreza graças aos benefícios dados pelo governo. O Bolsa-Família é visto como uma das melhores fontes de votos para Lula, especialmente no Nordeste.

Em quase todos os programas, Lula deve aparecer de terno e gravata, traje apropriado para um presidente. Santana, o marqueteiro do presidente, disse a amigos que assim o candidato passará ao eleitorado a imagem de estar acima dos outros. Ética e corrupção, os pontos fracos do governo, serão tratados apenas de passagem. Os petistas não esperam ataques dos tucanos ao presidente. ‘Não acredito que eles cometam esse erro’, diz um integrante da campanha de Lula.

Os estrategistas da campanha de Alckmin estão divididos. Os políticos, especialmente os aliados do PFL, insistem no bombardeio à imagem de Lula. Para eles, é essencial relacionar o presidente diretamente aos escândalos do mensalão e ao investimento de R$ 10 milhões feito pela operadora de telefonia Telemar na empresa GameCorp, de Fábio Luiz Lula da Silva, filho do presidente. O jornalista Luiz González, marqueteiro da confiança de Alckmin, discorda dessa estratégia. Estudos mostram que bater no adversário não é um jogo de resultado garantido. Pode tirar votos do adversário, mas não significa necessariamente ganho de votos para quem apelou. Em 2002, o candidato tucano José Serra aproveitou os destemperos verbais de Ciro Gomes (PPS) para atacá-lo em seu programa. A primeira parte funcionou. Ciro caiu da casa dos 20% para perto de 10%. O volume de votos perdidos por Ciro, porém, não foi para a urna de Serra, mas para a de Lula, que já liderava a disputa.

Com base nisso, a equipe de González vai evitar a pancadaria – ao menos por enquanto. Começará o trabalho pela tarefa básica: mostrar ao eleitor quem é Geraldo Alckmin. Como os números revelam ser o candidato paulista desconhecido fora de seu Estado, os programas trarão sua biografia de médico, prefeito de Pindamonhangaba aos 23 anos, deputado e suas realizações como governador. Nos dois primeiros dias também serão apresentados projetos ä que o tucano pretende implementar caso seja eleito. ‘Na primeira semana vamos colocar propostas na mesa’, diz um integrante da equipe de Alckmin.

O passado ensina que, na primeira e na última semana de campanha na TV, o público presta mais atenção àquilo que os candidatos exibem no vídeo. ‘O candidato não pode cometer nenhum erro nos primeiros 15 dias, ou a campanha dificilmente se recuperará’, afirma o publicitário André Torreta, consultor da campanha do deputado Eduardo Paes (PSDB) ao governo do Rio de Janeiro.

A propaganda na TV é tão fundamental que consome a maior parte do dinheiro da campanha eleitoral. Só para fazer seus filmes, Alckmin e Lula têm equipes com mais de cem pessoas cada. O volume de trabalho produzido por elas a cada dois dias para os programas chega perto do que faz um telejornal diário. O número de comerciais produzidos até o fim da disputa chega perto do que faz uma grande agência em um ano de trabalho.

Heloísa Helena, do P-SOL, e Cristovam Buarque, do PDT, terão bem menos comerciais e tempo na televisão, uma desvantagem enorme em relação aos primeiros colocados. Heloísa terá um minuto e Cristovam terá pouco mais de dois minutos por dia – contra dez minutos de Alckmin e sete minutos de Lula. Ex-ministro da Educação, Cristovam pretende falar exaustivamente sobre o tema. Mas, nos primeiros programas, vai atacar Lula, ao falar em combate à corrupção.

A elaboração do discurso televisivo se tornou tão crucial que os marqueteiros e especialistas em comunicação política costumam só começar uma campanha depois de um detalhado estudo em que se esmiuça o jeito como o candidato se expressa e a forma como ele fala na TV. ‘A primeira coisa feita em uma campanha é a análise do discurso básico do candidato’, diz José Roberto Berni, marqueteiro nas campanhas presidenciais de FHC, em 1998, e de José Serra, em 2002. ‘A partir daí, são feitos ajustes para os programas de rádio e televisão.’

Nesta eleição, a importância da recepção ao discurso na TV deve crescer ainda mais, porque as diferenças de programa entre os dois principais candidatos são em geral sutis. Embora fatores como as alianças partidárias tenham peso, a eleição tende a se tornar uma disputa de personalidades – e entre quem melhor se comunica com o eleitor. Tanto Lula quanto Alckmin gravaram pelo menos dois programas e alguns comerciais como teste. Nas últimas semanas, eles foram exibidos a eleitores em grupos de discussão para testar a eficácia dos argumentos, do formato e verificar se as propostas agradam ao público.

No trabalho de formatação da retórica televisiva, a tecnologia também é usada para avaliar a eficiência das mensagens. Os marqueteiros contam hoje com um equipamento de fabricação americana chamado Perception ä Analyzer (Analista de Percepções, numa tradução literal). Ele mede o impacto do discurso dos candidatos e sua receptividade. A engenhoca combina pesquisa com grupos selecionados de entrevistados a radiografias da opinião dos eleitores obtidas por aparelhos e programas de computador (veja o quadro).

Para ter uma prévia do que se verá na TV a partir da terça-feira, ÉPOCA recolheu amostras dos discursos de Lula e Alckmin no início de campanha e submeteu-as à análise de especialistas em comunicação de várias áreas: lingüistas, publicitários, marqueteiros e cientistas políticos. No estilo retórico, os dois manifestam diferenças tão profundas que a conclusão dos especialistas é que falam línguas completamente diferentes.

O presidente Lula, com seu gosto por metáforas e seu hábito de contar histórias pessoais e exemplos do cotidiano para ilustrar teses, é um grande comunicador quando se dirige aos eleitores de baixa renda ou menos escolarizados. Mesmo em cerimônias solenes, no Palácio do Planalto, Lula é capaz de recorrer a analogias futebolísticas. ‘Não haverá bola atrasada para o goleiro’ ou ‘nosso negócio é jogar para a frente’ são frases freqüentes. ‘Lula se coloca no que diz e tem um discurso mais afetivo e caloroso’, afirma o cientista político e lingüista João Bosco Bonfim, autor do livro Palavra de Presidente, uma análise dos discursos de posse dos presidentes da República de Deodoro da Fonseca a Lula.

Em contraponto, Alckmin, com sua retórica pontuada por jargões técnicos e exemplos impessoais, faz, de acordo com Bonfim, um ‘discurso mais centrado na razão, menos na emoção’. Nesta campanha, o ex-governador já usou termos como ‘errático’ ou ‘espasmódico’ para fazer ataques às políticas do governo federal. ‘Alckmin é tradicional, um legalista, e deixa claro que representa a ordem’, diz Rogério Baptistini, professor da Fundação Escola Paulista de Sociologia e Política de São Paulo, especialista em discursos políticos. ‘Lula fala como alguém do povo, enquanto Alckmin tem a linguagem do patrão.’ Leia nestas páginas alguns exemplos de discursos de Lula e Alckmin analisados por especialistas. É com esse estilo que ambos se apresentarão ao eleitor a partir desta semana.

Aparelho determina se o discurso do candidato é bom

Os marqueteiros usam a tecnologia para medir a eficiência das mensagens passadas por seus candidatos. Há no mercado um estudo que combina pesquisa por amostragem com radiografias feitas por modernos aparelhos e softwares de computador. O sistema funciona da seguinte maneira.

São selecionados cinco grupos de dez a 20 pessoas. Os integrantes são treinados a usar um aparelho que tem um botão parecido com aqueles de rádio antigo, que gira para a esquerda e para a direita. Esse botão mede o nível de interesse das pessoas pelo discurso ou pela propaganda eleitoral. O eleitor vai girando o botão para a direita (maior interesse) e para a esquerda (menor interesse). Um computador imediatamente (segundo a segundo) processa as informações e as transforma num gráfico.

No final da apresentação, de um discurso ou um programa de TV, o pesquisador já tem em mãos os trechos mais interessantes e os que o público rejeitou. A partir disso, começa uma discussão com os participantes para saber o que os levou a rejeitar ou a aprovar determinados pontos. Com isso, é possível saber quais frases, imagens ou até mesmo palavras deverão ser usadas ou descartadas na campanha.

Em 2002, uma das medições feitas dos programas do horário eleitoral gratuito detectou pontos interessantes. No programa do candidato Anthony Garotinho, a atenção do eleitor subia significativamente quando ele falava sobre a necessidade de o governo construir casas populares. Mas o interesse despencava quando ele prometia casas ao preço de R$ 1. Ao conversar com os pesquisados, descobriu-se que Garotinho abordara um dos anseios da população de baixa renda, mas colocava tudo a perder fazendo uma promessa impossível de cumprir. No programa de Ciro Gomes, a surpresa foi que o eleitor não gostou da participação da mulher do candidato. O motivo: consideraram apelação usar o relacionamento pessoal para conseguir votos.’



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Clique nos links abaixo para acessar os textos do final de semana selecionados para a seção Entre Aspas.

Folha de S. Paulo – 1

Folha de S. Paulo – 2

O Estado de S. Paulo – 1

O Estado de S. Paulo – 2

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