Monday, 29 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Esther Hamburger

‘A desenvoltura e o destemor com que o candidato Paulo Maluf enfrenta a mídia podem se voltar contra ele.

Desde que, em meio a sérias acusações de envio de dinheiro ilegal para o exterior, o candidato não só confirmou sua candidatura como passou a uma ofensiva eleitoral espantosa, seu desempenho nos meios de comunicação se tornou assunto.

Em entrevistas concedidas a programas diversos antes do início da campanha, no uso do tempo gratuito de rádio e TV a que seu partido tem direito e na sua participação na série de entrevistas que o programa ‘Roda Viva’, da TV Cultura, vem fazendo com os candidatos à Prefeitura de São Paulo, Maluf adotou uma tática ofensiva que parecia poderosa.

Procurou transformar as acusações que lhe eram feitas em trunfos pessoais. Ostentou a riqueza com o orgulho de quem teria trabalhado por ela e portanto não precisaria roubar. Impressionou a capacidade do candidato de ignorar evidências que se apresentavam contra ele. E a possível força de convencimento eleitoral daí advinda. Cheio de si, no entanto, Maluf parece estar provocando o feitiço contra si mesmo. O excesso de autoconfiança se traduz em prepotência.

O candidato invadiu a UTI de um hospital -lugar onde só pessoas autorizadas, em horários especiais, podem entrar. A transgressão mereceu a devida atenção da mídia. Só para terminar em mau agouro no dia seguinte, quando a morte do paciente visitado recebeu igual destaque.

Reynaldo Azevedo, como bem salientou Gilberto de Mello Kujawski em ‘O Estado de São Paulo’ do último dia 15, chegou perto de desarticular o discurso preconceituoso do candidato.

Os próprios movimentos impulsivos do ‘animal midiático’ em que Maluf se transforma quando se vê em frente às câmeras ameaçam o sucesso de sua empreitada eleitoral e judicial. A superexposição incomoda.’



Carlos Heitor Cony

‘O pior do melhor’, copyright Folha de S. Paulo, 21/07/04

‘Enquanto não descobrirem a maneira mais nobre de fazer campanha eleitoral, o espetáculo resultante é deprimente, deixa mal os candidatos e os próprios eleitores, que recebem apelos disparatados e nem sempre dignos.

Já foi dito -nem merece ser repetido- que a democracia é a pior forma de governo, tirante as demais. E, pensando bem, esta ‘pior’ forma de governo começa e muitas vezes acaba no funil da eleição em si, ou seja, no método de procurar o cidadão ou os cidadãos que governem os outros.

Nos tempos do regime militar, foi tentada uma forma decente demais para a comunicação entre os candidatos e eleitores. Uma foto três por quatro, nome completo do cujo, profissão, estado civil, prole se houvesse e, evidentemente o partido, que era cara ou coroa, Arena ou MDB.

Não funcionou nem era para funcionar, antes, para avacalhar mais ainda o processo eleitoral. No pólo oposto, temos a exposição exagerada dos candidatos, comendo desde buchada de bode, lambendo os dedos com doces esfarinhados e com sanduíches de mortadela que concorrem com a empada que matou o guarda dos botequins.

As idéias são as mesmas, ou, para ser exato, não há idéias em jogo, todos são pelo bem de todos e felicidade geral da nação ou da cidade. Em compensação, sobram promessas. A garantia dada é o passado de cada um -e todos têm um passado de realizações, na medida em que os adversários só fizeram besteira e desbarataram o erário em seu benefício particular.

A monotonia é quebrada porque, no meio da enxurrada de programas e processos, da bagunça tradicional das faixas, galhardetes, outdoors, flâmulas, camisetas e santinhos, surgem os cientistas políticos, que extraem uma teoria provando que fulano pode ser melhor do que sicrano. E a plebe rude, que decide a parada, nem sempre entende porque votou errado, ou descobre tarde demais.’



Fernando Rodrigues

‘Transparência que falta’, copyright Folha de S. Paulo, 21/07/04

‘Milhares de políticos já registraram suas candidaturas a prefeito e a vereador. No ato da entrega, apresentaram também a relação de seus bens. Poucos eleitores terão acesso a esses dados.

A lei existe há décadas. É um dos exemplos de transparência que podem ser aperfeiçoados de maneira simples, sem que uma lei tenha de ser votada. Basta vontade da Justiça Eleitoral em pleitos futuros.

Hoje, políticos entregam suas listas de bens de maneira indigente. Alguns simplesmente fotocopiam a declaração de Imposto de Renda do ano anterior -cujos valores patrimoniais estão defasados. Há quem diga possuir uma casa e um carro, mas sem atribuir valor às posses. Finalmente, há até documentos manuscritos e ilegíveis.

Essa incúria proposital dos políticos tem respaldo na regulamentação das eleições. A lei só obriga a entrega de ‘declaração de bens, assinada pelo candidato’. Não força o político a dizer o valor daquilo que possui.

É uma tarefa complexa obter, com precisão, a evolução patrimonial de quem passou quatro anos ocupando um cargo público.

Para consertar esse vácuo, bastaria que, em suas instruções para as próximas eleições -as de 2006-, o TSE obrigasse os políticos a fazerem duas coisas: 1) declarar os bens com valores atualizados e 2) fazer isso de maneira eletrônica.

A Justiça Eleitoral não estaria extrapolando suas funções. O espírito da lei foi exatamente permitir ao eleitor acompanhar a evolução do patrimônio dos seus representantes no poder público.

Além dos valores atualizados, é vital que os dados sejam entregues pelos políticos já digitados em um formulário eletrônico. Só assim seria possível analisá-los e tirar alguma conclusão a respeito.

São duas sugestões simples, que já circulam há algum tempo na Justiça Eleitoral. Falta só coragem para colocá-las em prática em 2006.’