Friday, 03 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1286

Esther Hamburger

‘A polêmica em torno da criação da Agência Nacional do Audiovisual continua, nos jornais, na TV e na internet. O ‘Roda Viva’ (Cultura) de anteontem discutiu o assunto com o secretário-executivo do Ministério da Cultura, Juca Ferreira.

Um olhar minimamente distanciado estranha o tom -histérico- dos protestos contra a tentativa de regular o chamado quarto poder, esfera estratégica da vida atual, em que ainda vigora o estado de natureza hobbesiano.

Sem subscrever o projeto, mas na contracorrente dessa gritaria geral, o mero conflito público entre executivo e meios de comunicação que as proposições instauraram me causa alívio. Afinal, os interesses dos dois poderes são essencialmente diferentes. Melhor assim.

Causou preocupação, há alguns meses, o flerte entre segmentos governamentais e midiáticos, como se fosse iminente um acordo de cavalheiros, em que se trocaria cobertura política dócil por investimento público em empresas de informação. Aí, sim, estaria a sociedade civil nas mãos de uma aliança que ameaça os princípios básicos da democracia.

Reconhecido o conflito como elemento inerente ao assunto, trata-se de garantir os princípios de uma negociação que contemple, acima de tudo, os direitos dos cidadãos.

A falta desse lastro na cidadania é multimídia e é visível em diversos aspectos que precisam ser urgentemente corrigidos. Talvez o primeiro deles seja a promiscuidade entre outro poder relevante nesse jogo, o Legislativo, e a mídia. O fato de, estranhamente, uma parcela significativa dos parlamentares serem acionistas de concessionárias de radiodifusão arranha a isenção que se esperaria de quem é responsável por fazer e aprovar leis.

A lista é imensa, complexa e diversificada. Alguns segmentos dessa ampla área do audiovisual estão endividados, oferecendo ocasião ideal para que o poder público negocie confortavelmente condições que potencializem a produção nacional. Outros crescem e podem continuar nesse movimento se não forem interrompidos.

O debate sereno -e oportuno- sobre a necessária regulamentação da produção e circulação de conteúdos em salas de exibição, na televisão aberta e a cabo e na internet não diz respeito somente ao cinema. As emissoras de TV estão pouco visíveis no debate público. Esther Hamburger é antropóloga e professora da ECA-USP’



Sérgio Murillo de Andrade e Aloísio Lopes

‘A ética jornalística precisa de um conselho’, copyright Folha de S. Paulo, 18/08/08

‘O massacre a que foi submetida a proposta de lei que cria o Conselho Federal de Jornalismo é mais uma demonstração de que o exercício da profissão de jornalista deve se pautar pela ética e pela responsabilidade social. Estabelece nosso Código de Ética que o jornalista deve sempre ouvir o contraditório. E, mais, diz a experiência profissional que, quando o a assunto é polêmico, deve-se ter o cuidado de dar o mesmo espaço para as divergências. E isso não aconteceu na maioria das matérias veiculadas na primeira semana de debates.

O primeiro esclarecimento ao leitor é o de que o projeto apresentado pelo governo é a proposta da Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas), aprovada em dois congressos nacionais da categoria (anos 2000 e 2002). O fato de o Executivo tê-la apresentado, e não um parlamentar, deve-se à criação de autarquias (como é o caso dos conselhos profissionais) ser de competência exclusiva do Executivo. Essa interpretação foi dada pelo STJ no julgamento do artigo 58 da lei 9.649. Foi, aliás, por isso que o projeto de lei 058/ 98, do deputado Celso Russomano, que criava o Conselho Federal de Jornalismo, foi vetado na Comissão do Trabalho.

Cabe esclarecer também que, antes de aprovar, no ano de 2000, um anteprojeto de lei que cria o Conselho Federal de Jornalismo, tentamos transferir esse papel fiscalizador da profissão às próprias entidades sindicais. O projeto, do então deputado Carlos Bezerra, foi aprovado na Câmara e no Senado, mas vetado pelo presidente Fernando Henrique Cardoso. O veto se deveu justamente à inconstitucionalidade, já que o Executivo não pode delegar a terceiros a fiscalização da lei.

Hoje o registro profissional dos jornalistas é feito pelo governo, através do Ministério do Trabalho. O que se quer é justamente tirar o controle do governo sobre esse processo, entregando-o a um órgão independente, formado pelos próprios jornalistas e dirigido por uma diretoria eleita democraticamente.

Muitos jornalistas e parlamentares não se deram ao trabalho de ler o projeto de lei enviado ao Legislativo. Lá não consta nenhum artigo que limite a liberdade de imprensa ou institua a censura. Ao contrário, propugna-se a garantia da liberdade de imprensa e de expressão. E não poderia ser diferente, pois as entidades sindicais de jornalistas, desde sua criação, têm se mantido à frente das lutas democráticas no país. E lá se vão 60 anos.

A oposição parlamentar ao governo se aproveitou dos conflitos com o Executivo, pegou carona em nosso projeto e politizou a polêmica. Desinforma a opinião pública, ao fazer discursos demagógicos.

A proposta de criar o Conselho Federal de Jornalismo é exclusivamente para fiscalizar a profissão de jornalista, cuja atividade tem uma interferência direta na vida das pessoas, na cultura e na política. Não pretende o CFJ fiscalizar as empresas (para isso já existe legislação própria) tampouco interferir na linha editorial dos veículos de comunicação. Entendemos a grita de alguns segmentos patronais -afinal, acostumaram-se a fazer o que querem com o direito da sociedade à informação. Constroem e destroem imagens a seu bel-prazer, de acordo com conveniências políticas e financeiras.

O cumprimento do Código de Ética do Jornalista, que será objeto de fiscalização do futuro conselho, é uma proteção para o próprio jornalista contra posturas inadequadas dos donos da mídia. Com ele, o jornalista poderá se negar a cumprir pautas que atentem contra a ética profissional e contra o interesse público, algo semelhante à cláusula de consciência existente em muitos países da Europa.

E não propomos uma fiscalização da ética jornalística por uma ‘panelinha’. Queremos a participação da sociedade nos tribunais ou comissões de ética a serem formados nos conselhos regionais de jornalismo.

Por fim, cabe ressaltar que ao projeto de lei que cria o Conselho Federal de Jornalismo foi apensado o projeto do deputado Celso Russomano (PP-SP), de 2002, que propõe a criação da Ordem dos Jornalistas Brasileiros e que tem muitos pontos em comum com o projeto da Fenaj. São assuntos polêmicos, temos a clareza disso, e o projeto deverá ser aperfeiçoado no Legislativo. Aliás, está lá para isso.

A participação da sociedade nessa discussão é fundamental. Nesse sentido, a realização de audiências públicas pela Câmara dos Deputados em todos os Estados será uma grande contribuição para a democracia brasileira.

Vamos ao debate! (Sérgio Murillo de Andrade, 42, é presidente da Fenaj. Aloísio Lopes, 38, é primeiro-secretário da Fenaj e presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Minas Gerais.)’



Barbara Gancia

‘O que é que o Delúbio tem?’, copyright Folha de S. Paulo, 20/08/08

‘Mas quem é esse tal de Delúbio Soares, afinal?

Primeiro, o ex-presidente Collor diz que o Delúbio é um PC Farias com cargo oficial. Eu certamente não compraria um carro usado de Fernando Collor, mas por que ele teria rompido um longo silêncio para falar sobre esse senhor?

Depois, vem a deputada Yeda Crusius (PSDB-RS) e diz, em tom de provocação, que, além de dar status de ministro ao presidente do Banco Central, se pudesse, o PT também daria foro privilegiado ao tesoureiro Delúbio Soares.

Mas por que se fala tanto nesse Delúbio ultimamente? Será que ele é o sujeito que inventa as piadinhas que o presidente Lula, como quem não quer nada, anda disparando? Só pode ser isso. O Delúbio deve ser o piadista oficial do Planalto. Pois esse camarada é o demônio de terno e gravata!

A irreverência de Lula está começando a me causar calafrios. Covarde assumida, eu tremo só de ouvir que ele foi ao Gabão, país governado por um ditador, para aprender ‘como um presidente consegue ficar 37 anos no poder’. Ai, que meda, como diria o nadador Ian Thorpe!

E será que era para rir quando Lula disse que só falaria aos jornalistas favoráveis à criação do Conselho Federal de Jornalismo, aquele órgão que pretende ‘orientar, disciplinar e fiscalizar’ a atividade jornalística? Pois eu não achei a menor graça.

O presidente só conseguiu me deixar entre espantada e confusa. Vem cá: o secretário de Imprensa da presidência, Ricardo Kotscho, não disse, em artigo nesta Folha, que a iniciativa da criação do Conselho Federal de Jornalismo não partia do governo?

Sendo assim, por que o presidente resolveu virar garoto-propaganda do projeto?

Enquanto, nos EUA, se discute o direito de manter o sigilo da fonte, e os profissionais de imprensa esperneiam diante da menor possibilidade de perder direitos que protejam a coleta de informações, nós aqui somos submetidos à zombaria de um presidente que deseja ver jornalistas tutelados por um bando de assessores de imprensa oriundos do PT. Alguém consegue achar graça?’



Milton Coelho da Graça

‘Por que não preferiram o outro conselho?’, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 20/08/08

‘O grande equívoco do Governo na proposta de criar o Conselho Federal de Jornalismo foi aproveitar a sabujice da Fenaj e tentar juntar duas coisas muito diferentes e até contraditórias.

A cidadania, em seu esforço de constante aprimoramento democrático, há muito tempo luta para que os meios de comunicação – empresas privadas e necessariamente empenhadas em obter o maior lucro possível – aceitem regras de conduta comercial e ética como limite desse empenho.

A expressão mais óbvia disso foi o projeto da constituinte-jornalista Cristina Tavares criando o Conselho de Comunicação Social, incorporado à nossa Constituição de 1988. Suas idéias básicas reproduziam regras já existentes em outros países democráticos – Estados Unidos, Reino Unido e outros – mas foram consideradas excessivas pelas nossas empresas, acostumadas em 20 anos de ditadura a uma relação promíscua com os corredores dos três poderes da República.

Concessões de rádio e TV sempre foram usadas como moeda política, os donos da mídia estavam acostumados a aviso prévio sobre desvalorizações cambiais, ao direito de usarem seu prestígio para obter vantagens em outros ramos de atividade, a financiamentos com taxas vantajosas etc. etc. Por isso, lutaram e conseguiram engavetar o CCS durante 14 anos.

Em 2002, o senador Ramez Tebet resolveu consagrar seu mandato na presidência da Casa com o ‘desengavetamento’ e a aprovação do CCS. Mas, para vencer a resistência dos colegas que estavam em outras ‘gavetas’, teve de negociar, mudar várias vezes o texto e, finalmente, em dezembro, nasceu apenas mais um órgão totalmente sem ação ou função prática, apenas uma ‘consultoria’ do Senado. Nada de vigilância ética, as empresas impuseram o princípio da auto-regulamentação; nada de controle sobre as concessões, porque empresas, parlamentares e igrejas preferem manter os conchavos de trocas de favores no Congresso.

Governo e base governista, se tivessem realmente a sincera preocupação de melhorar a qualidade dos nossos meios de comunicação, poderiam simplesmente retomar a discussão da intenção da Assembléia Constituinte de transformar o Conselho de Comunicação Social num legítimo representante da sociedade, com poderes para determinar os limites éticos da mídia.

Infelizmente acharam mais fácil e conveniente aceitar o servil oferecimento pela Fenaj de um projeto que vinha sendo discutido em assembléias sindicais há quase dez anos para enfrentar a crescente redução do emprego e dos salários. A soma de alhos e bugalhos levou a uma estranha combinação: Lei da Mordaça, controle do Estado sobre a profissão mais delícias financeiras e políticas para a pelegada – direito a nomear o primeiro Conselho, cobrança de taxas pelo exercício da profissão e até viagens internacionais (leiam, por favor, o projeto levado ao presidente Lula pela Fenaj e pelo ministro Ricardo Berzoini). Tudo que Mussolini desejava com sua famosa Carta del Lavoro, em nome de seu socialismo à italiana.

Lembretes necessários:

1. A resistência aos burocratas-orientadores-fiscais-inspetores de disciplina da Fenaj teve o apoio decisivo de uma boa parte do Partido dos Trabalhadores e dos Presidentes das duas Casas do Congresso: João Paulo Cunha (Câmara) e José Sarney (Senado).

2. As opiniões de Dora Kramer, Elio Gaspari, Miriam Leitão, Luiz Garcia, Villas-Boas Correia e muitos outros desmentem a infeliz avaliação de uma dirigente da Fenaj segundo a qual ‘nosso projeto está certo porque só a Rede Globo, a Folha e o Estadão estão contra’.’